2. Foi ver Sónia Fertuzinhos, Pedro Delgado Alves, João Galamba a acordar de um penoso silêncio – certamente ditado por algum, ainda que pouco descaramento e vergonha – para vir dar lições de moral aos políticos.
3. Em condições normais, ao ouvir a intervenção do deputado Delgado Alves só poderíamos dar umas sonoras gargalhadas – melhor filme de comédia seria impossível. Um socrático dar lições de moral, após o seu chefe dar o sinal que se impunha actuar, comentando (o que é outra singularidade portuguesa) a actualidade política a partir da cela n.º 44 do Estabelecimento Prisional de Évora. Todavia, o estado do nosso Portugal é demasiado triste para que possamos rir desta tragédia nacional. Honestamente, não sabemos se o que é mais censurável: se o comentador político preso que continua a perorar sobre moralidade e política, estando detido; se a atenção manifestamente exagerada dada ao comentário de Sócrates pela comunicação social; se a forma como alguns jornalistas se referiram ao caso de Passos Coelho como a “miséria moral” sem citar a fonte, apresentando-a como uma qualificação objectiva…
4. Enfim, embora o país político continue entretido a discutir esta falha no prazo atempado de pagamento das obrigações à Segurança Social por Passos Coelho, a verdade é que o “país real”, os portugueses que diariamente dão vida e mantêm a nossa Pátria, já só querem passar à frente e discutir os temas verdadeiramente relevantes para o nosso futuro. Para o seu futuro, dos seus filhos e dos seus netos.
5. Já se percebeu o que aconteceu: Passos Coelho, durante um certo período da sua vida, era desorganizado, não se aconselhava com advogados ou grandes consultoras sobre o pagamento das obrigações tributárias (como fazem a maior parte dos políticos portugueses), comungava da característica bem portuguesa de “deixar todo para a última” e não pagou a tempo as suas contribuições para a previdência. Ou, algo que também acontece a muitos portugueses, não tinha dinheiro para saldar as suas dívidas às entidades públicas. Ou seja: Passos Coelho era apenas um português normal. Um português como qualquer um de nós. Que comete falhas – e a quem falta, em determinado momento da vida, dinheiro. Mesmo para Passos Coelho, a vida não foi fácil.
6. Será que estamos a desculpabilizar ou a branquear o comportamento de Passos Coelho? Nem por sombras. Passos Coelho deveria ter actuado com mais diligência e cumprir as suas obrigações como qualquer português. Não há cidadãos de primeira e de segunda: todos são iguais perante a lei. E se incumpriu, Passos Coelho deveria ter sofrido as sanções previstas para esse inadimplemento como qualquer português. Sobre este ponto, não há – não pode haver! – qualquer dúvida.
7. Julgamos que o caso não tem mais pormenores para se converter noutra telenovela portuguesa: parece que houve uma falha dos serviços da Segurança Social, Passos Coelho entretanto pagou o montante das contribuições em falta, mesmo já tendo estas prescrito. O Expresso colocou na sua capa que Passos Coelho sabia que devia mais 26 meses que não pagou: mas no corpo da notícia, diz que tais obrigações já tinham prescrito. Ora, se a obrigação já prescreveu, Passos Coelho não é obrigado a pagar. Como se amanhã, qualquer português for confrontado com uma dívida tributária já prescrita, não é obrigado a pagar. É censurável? Não. A prescrição é uma forma de limitação do poder ablativo – de intromissão – do Estado-fiscal no património dos cidadãos e, por conseguinte, uma garantia dos cidadãos-contribuintes.
8. O problema aqui foi que a Segurança Social deixou a dívida prescrever e, tudo indica, é forte com os fracos e fraca com os fortes. O sistema tributário português e os poderes da autoridade tributária necessitam de uma reforma profunda – e esperemos que o próximo governo liderado por Passos Coelho lance um debate amplo e decisões políticas corajosas que permitam que os cidadãos sejam verdadeiros cidadãos – e não meros contribuintes, sempre apertados e tratados muitas vezes em termos muito pouco dignos pelas entidades públicas. Como já escrevemos no nosso último texto aqui no SOL, para o qual remetemos.
9. O ponto político mais sensível é a contradição entre o discurso do Passos Coelho Primeiro-Ministro e o cidadão Passos Coelho. Evidentemente, a força do discurso de rigor e disciplina do Passos Coelho Primeiro-Ministro fica debilitado. Contudo, atenção: será que esta contradição entre discurso e comportamentos é exclusiva de Passos Coelho? Não.
10. Pense-se em Francisco Louçã: escreveu um livro sobre “Os Burgueses” em que critica a burguesia portuguesa e os seus valores – “os homens do dinheiro”, como ele os chama. No entanto, Louçã é um verdadeiro burguês: frequenta os sítios da burguesia (os locais mais in e caros de Lisboa), tem os hábitos que aponta aos tais burgueses e vem de uma família que podemos qualificar como “burguesa”. Pense-se também em António Costa que critica Passos Coelho por nunca ter tido vida para além da política, quando o próprio António Costa, desde 1989, esteve sempre ligado a cargos públicos! Nunca fez nada para além da vida política pura e dura!
11. Ou então, pense-se no caso de Mário Soares. Mário Soares era a personificação do caos: não ligava a contas, a finanças, não gostava de estudar os dossiês e, mesmo na sua vida de faculdade, nunca se destacou pelo seu trabalho. Estudava muito pouco e ia fazendo as suas cadeiras muito sofridamente. Ora, será que tais características de personalidade deveriam impedir Mário Soares de exigir aos portugueses que cumprissem os seus deveres pontualmente, que trabalhassem muito ou que os alunos nas escolas e nas universidades estudassem arduamente? Não, nunca impediu. Nem deveria impedir.
12. Um cidadão – chame-se Passos Coelho ou Mário Soares – não pode ficar limitado na sua actuação pública, de exercer plenamente os seus poderes enquanto Primeiro-Ministro prosseguindo o interesse público de Portugal, devido às suas imperfeições enquanto cidadão. Uma coisa é o cidadão; outra é o titular de cargo público, vinculado à prossecução do superior interesse de Portugal. O ideal é existir uma compatibilidade perfeita entre o comportamento do cidadão e o discurso enquanto Primeiro-Ministro – mas, não havendo (e na política portuguesa, infelizmente, os exemplos dessa coincidência são raros, da esquerda à direita) – não se pode admitir que o político defenda as suas imperfeições como cidadão como exemplo de conduta e de prática! Um Primeiro-Ministro tem de ser o guardião e o prossecutor do interesse público!
13. Uma última nota para dizer que me parece despropositado que se ligue este caso de incumprimento da obrigação de contribuições à Segurança Social com a vida pessoal de Passos Coelho. Há alguma necessidade de – como fez o Expresso – de se escrever que Passos, até aos 21 anos, andava na borga, nas bedeiras, “fez duas filhas de repente”, “andava amargurado e infeliz com o seu primeiro casamento” e dormia horas e horas na sua juventude, de tão triste que andava? Mais: este tipo de abordagem revela uma concepção da política socialmente discriminatória, quase aristocrática. Perguntamos: se Passos Coelho fosse como Mário Soares, viesse de “boas famílias”, da classe alta lisboeta, será que a abordagem seria igual? Será que também iriam publicar que Passos Coelho andava na borga e amargurado, no bar de Luís Represas? Temos muitas dúvidas. Certamente, António Costa também teve as suas borgas, os seus divertimentos, fases da sua vida mais amarguradas – mas nunca as conheceremos…Vai uma aposta?
14. Posto isto, vamos ao que interessa: Passos Coelho, como é que iremos fazer com que Portugal volte a ser um país mais justo, com uma economia mais rica e competitiva, após ter resolvido os problemas que os socialistas deixaram, com Portugal a um passo da bancarrota? É tempo de seguirmos para a Política que interessa! É com ela, e por ela, que conquistarás a confiança dos portugueses!
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