Cavaco Silva reconhece que Marcelo Rebelo de Sousa será um Presidente melhor!

1. Os produtos alimentares apresentam nos respectivos rótulos ou nas embalagens o prazo de expiração: data para além da qual se desaconselha o consumo desse mesmo produto. Mas tal não se verifica exclusivamente quanto aos produtos alimentares: numa economia competitiva, em permanente mudança, em que se criam e eliminam “necessidades” dos consumidores, a maioria mais…

2. Na política, acontece o mesmo fenómeno. Numa época em que a vida política, a comunicação e as bandeiras políticas são dominadas pelas regras e “bons ofícios” do marketing político, as personalidades políticas revelam ficar rapidamente desajustadas do seu tempo devido à voragem dos acontecimentos e dos imperativos de interesse nacional. Cavaco Silva é um exemplo perfeito deste desajustamento. Mais: Cavaco Silva revela-se um Presidente da República completamente desajustado do seu tempo, totalmente desligado das necessidades de Portugal e dos portugueses, incapaz de comunicar com o seu povo e perceber a realidade política que o circunda. Há quem diga que Cavaco Silva, nas últimas intervenções, tem roçado o ridículo. Mas não vamos tão longe. Agora, parece-nos evidente que o lugar de pior Presidente da República da nossa História democrática já pertence, de pleno direito, a Cavaco Silva. Sem concorrência.

3. O exemplo mais acabado da incapacidade de Cavaco Silva perceber a realidade política do seu tempo – e a sua própria circunstância pessoal – é o prefácio de mais uma edição dos seus “Roteiros”. Faz lembrar o célebre sketch de Ricardo Araújo Pereira: o Presidente fala, fala, fala, e…não diz rigorosamente nada. Porventura, se Cavaco Silva optasse por fazer aquilo que nos últimos dez anos tem feito melhor – ficar calado, remetendo-se ao silêncio sepulcral, sua especialidade – , Portugal agradeceria. E talvez Cavaco Silva, estando calado ou evitando escrever prefácios quando já percebemos que não tem nada de útil para dizer, pudesse fingir que tem sentido de Estado.

4. E que pontos são criticáveis no prefácio de Cavaco Silva? Para sermos honestos, tudo. No texto do Presidente da República – que lemos atentamente – nada é aproveitável: revela-se alheia, completamente distante, das necessidades reais dos portugueses, em época tão determinante para a nossa existência colectiva. No entanto, iremos destacar, nesta ocasião, dois pontos.

5. Em primeiro lugar, Cavaco Silva – ao invés de ter uma palavra sobre os desafios actuais de Portugal, sobre as aspirações dos portugueses, sobre as encruzilhadas do nosso Estado – preferiu auto-elogiar-se e tentar justificar aquilo que fez nos últimos anos. Não afirmamos que Cavaco Silva escreve tais palavras auto-elogiosas por descarga de consciência, sabendo que o que fez foi muito pouco e que vai ficar na História como o Presidente mais impopular de sempre. Agora, parece-nos deveras excessivo – e não verdadeiro – Cavaco Silva arrogar para si o êxito do programa de consolidação financeira de Portugal, menorizando o papel de Passos Coelho (e do Governo). Não fica bem a um Presidente da República tentar afastar da História o papel do Governo com quem trabalhou.

6. Ainda por cima, tal menorização de Passos Coelho e do Governo não corresponde à realidade. Cavaco Silva está, não a relatar os factos históricos, mas a distorcer a realidade. Passos Coelho fez mais por Cavaco Silva – do que Cavaco Silva por Passos Coelho. Basta evocar aqui um exemplo: quando Paulo Portas apresentou a sua irrevogabilidade revogável, quem segurou o Governo foi Passos Coelho – não foi Cavaco Silva. Cavaco Silva esteve quase, quase a aceitar a queda do Governo. Quem recusou e se predispôs a aguentar o frenético Paulo Portas durante mais dois anos, foi Passos Coelho, evitando o segundo resgate de que o Presidente agora tanto fala.

7. Como se recordará certamente o nosso caríssimo leitor, Cavaco Silva até quis oferecer o cargo de Primeiro-Ministro a António José Seguro e prolongou então a crise política mais três semanas. Para quê? Portanto, fica muito mal a Cavaco Silva não ter um gesto de humildade e se revelar tão distante dos portugueses, tão distante da verdade histórica num documento que (pretensamente) será para a posteridade. Enfim, o que começa mal, só pode acabar mal: eis a frase que descreve os mandatos do Presidente Cavaco Silva. Uma desilusão.

8. Em segundo lugar, como compreender que Cavaco Silva, no seu prefácio aos “Roteiros”, num documento em que fala o Presidente e não o cidadão Aníbal Cavaco Silva, se dê ao luxo de apontar o perfil do seu sucessor? De dizer o que tem de ter o próximo Presidente da República? Quando evidentemente o perfil que traça é o de um dos possíveis candidatos socialistas: Guterres ou Vitorino. Este comportamento é digno de um Presidente da República? É digno de alguém que se arroga ser o paladino máximo do “Sentido de Estado”? Claro que não: é indigno de um Chefe de Estado. Em República, uma coisa é o Presidente Cavaco Silva, Presidente da República Portuguesa; outra é o Aníbal Cavaco Silva, cidadão igual a nós, ao nosso leitor, à família do nosso leitor, igual a todos os portugueses. Os dois planos não se podem confundir. Mas Cavaco Silva não percebe esta realidade elementar…

9. Não há Presidente da República, não há Chefe de Estado no mundo inteiro (pelo menos, no mundo democrático) que escolha o seu sucessor, ou que aponte um perfil para o sucessor! Imagine-se o que seria o Presidente Barack Obama apontar o perfil do seu sucessor – e esse perfil bater com o perfil de Hillary Clinton ou Mitt Romney! Seria o fim do mundo! Ainda por cima, a um ano de eleições presidenciais – e com eleições legislativas em Setembro, em que o risco de fragmentação política é enorme!

10. E o que tem a dizer o Presidente Cavaco sobre o que realmente interessa: a estabilidade política depois de Setembro/Outubro? Zero. Rigorosamente nada. É isto digno de um Chefe de Estado? O leitor tirará, sabiamente, as suas conclusões.

11.Uma última nota para dizer que as palavras de Cavaco Silva só reforçam a nossa convicção de que Marcelo Rebelo de Sousa é mesmo o nome ideal para exercer as funções de Presidente da República nos próximos anos. Se Cavaco Silva não apoia Marcelo, se Cavaco Silva não se revê em Marcelo e entende que Marcelo será diferente de si, então é uma óptima notícia para nós, e também o deve ser para Marcelo Rebelo de Sousa. Fica tudo muito claro: Marcelo Rebelo de Sousa será muito diferente de Cavaco Silva. Marcelo Rebelo de Sousa não é o candidato da continuidade do que foi Cavaco Silva. A continuidade de Cavaco Silva é o candidato do PS….

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