A objectividade e frieza nas decisões tornou-nos mais pragmáticos, menos calorosos e mais físicos, sem emoção. As pessoas envolvem-se por tudo e por nada e, por tudo e por nada, abdicam de serem felizes. Resignam-se com o suficiente, não distinguem o respeito da independência e aproveitam-se do facto de tudo se ter tornado assim para se tornarem assim também. Assim abandalhados, assim sem chama – não a daquele fogo momentâneo mas a do brilho nos olhos.
Lembro-me – e não foi há tanto tempo assim – das verdadeiras festas em Lisboa, no Algarve e no Porto, aquelas que ultrapassavam as fronteiras bairristas e nos faziam deslocar para esses sítios como se o dia acabasse ali e que se perdêssemos esses momentos de loucura, de felicidade não poderíamos aspirar a ser felizes de todo, faltar-nos-ia para sempre aquele bocadinho. As festas que todos sabiam que existiam mas que ninguém sabia como entrar e, de sussurro em sussurro, espalhava-se a mensagem e a correria desenfreada aos convites.
Fazem-nos falta essas demonstrações de êxtase e de concretização pessoal que nos permitam exorcizar os demónios de vidas menos realizadas ou de alturas menos boas. Pessoalmente tenho pena de nunca ter tido o prazer de pisar o chão da famosa Studio 54 em Nova Iorque. De nunca ter tido a possibilidade de beber um pouco daquele carisma dos limites ultrapassados em que ir de tronco nu, mascarado de Super-Homem ou a cavalo num pónei faziam parte do quotidiano. VIP era quem tinha magia e não quem saía da Casa dos Segredos.
E por que raio deixou isso de ser possível, logo agora que temos os telemóveis com máquinas fotográficas, o Instagram e o Facebook? Acho que é precisamente por isso. Tal e qual a história de Adão e Eva, comemos o fruto proibido e passámos a ter vergonha de figuras que eram conhecidas por serem emblemáticas, passámos a ter vergonha de viver, de sermos felizes, passámos a ter atitudes programadas e definidas pelas atitudes dos outros.
Saímos hoje em dia desarranjados como se fôssemos para o ginásio ou para um picadeiro sem brilho e, pior do que isso, sem vontade interior. É por isso que cada vez existem menos festas 'daquelas' em que queríamos impressionar porque tínhamos orgulho na imagem que passávamos . Chegamos a casa invariavelmente insatisfeitos com o que a noite nos deu, mas tudo culpa nossa. Deixámos as noites inesquecíveis por uma cerveja em copo de plástico bebida numa esquina qualquer a falar do rabo da vizinha e a dizer umas ordinarices. Também é noite, mas não é a mesma coisa.