Da esquerda à direita, House of Cards é a série mais vista. Do vice-primeiro-ministro Paulo Portas ao líder parlamentar do PS, Ferro Rodrigues, passando pelo líder parlamentar do BE, Pedro Filipe Soares, ou o ex-ministro da Administração Interna, Miguel Macedo.
“A democracia é tão sobrestimada”, diz Frank Underwood, um político capaz de tudo para conseguir o que quer. Uma visão cínica da intriga política em Washington. Um guião que se pode aplicar à realidade?
O próprio Presidente dos EUA desmistifica essa ideia. “Devo dizer que a vida em Washington é um bocadinho mais aborrecida do que se vê no ecrã. Passo a maior parte dos meus dias em reuniões com homens de fato cinzento e falamos de assuntos que nunca dariam boa televisão”, disse Obama no Ellen DeGeneres Show.
Os políticos portugueses concordam que é ficção a mais, apesar de admitirem algumas semelhanças com o mundo político real. O ex-coordenador do BE, João Semedo, nota que a série mostra a “atracção pelo poder e a subestimação do valor das ideias, o poder pelo poder” algo que, reconhece, se nota nalguns políticos. Não costuma ver televisão, porque não tem muito tempo, mas a última série que acompanhou com interesse foi House of Cards. “Pelo tema, o enredo, a política e os bastidores da política norte-americana”, explica. Já o ex-líder da JSD, Hugo Soares, que também acompanha a série, diz haver “algum exagero na lógica conspirativa dos meandros da política”. Enquanto a deputada do BE, Mariana Mortágua, refere que é “irrealista” nalguns pontos, apesar de “reflectir alguns pressupostos da política norte-americana”.E a vice-presidente da bancada do PS, Ana Catarina Mendes, tira uma lição: “É uma boa série que mostra como as decisões são tomadas e os bastidores são geridos no Senado. Aprende-se a não ser cínico na política”.
A nova temporada – que começou na passada sexta-feira – foi aguardada com expectativa. Paulo Portas foi um desses curiosos. “Quando tenho tempo livre, o que acontece menos vezes do que gostaria, faço zapping pelo AXN, FOX, TVSeries”, responde ao SOL o vice-primeiro-ministro que costuma ver as séries aos domingos.
O fenómeno sobre um dos anti-heróis mais sedutores da real politik na Casa Branca conquistou os políticos portugueses. Mas não é só a premiada House of Cards que desperta curiosidade. Regra geral, os políticos preferem acompanhar séries sobre política. Borgen, a série dinamarquesa que conta a história dos jogos políticos naquele país, tem tido boas críticas por cá.
“Estou para começar o Borgen, que me disseram que era uma grande série, mas infelizmente não tenho tido tempo”, confessa o vice-presidente da bancada do PS Pedro Nuno Santos.
Borgen – que em dinamarquês quer dizer castelo, e neste caso é a alcunha do Palácio de Christiansborg, centro do poder da Dinamarca, que engloba o Parlamento e o gabinete do primeiro-ministro – começa com a ascensão ao poder da primeira mulher a tornar-se chefe de governo, Birgitte Nyborg, e as ligações subversivas no seio do Governo de coligação. Uma dança pelo poder entre os vários partidos com assento parlamentar que poderá ser replicada em Portugal nas próximas legislativas se não houver maioria absoluta. Nyborg, dos Moderados, aliou-se ao Partido Trabalhista e aos Verdes, uma aliança de três partidos mais à esquerda, dentro do género dinamarquês.
Em Portugal, só com a AD houve um Governo de coligação com mais de dois partidos. Mas se António Costa não conseguir maioria absoluta e o parceiro preferencial, o Livre, não lhe chegar, como ficará o xadrez político? Talvez o líder do PS se possa inspirar nesta série dinamarquesa.
Downton Abbey aparece logo a seguir a House of Cards nas preferências dos políticos contactados pelo SOL. E é curioso verificar que os gostos de séries e as visões sobre os enredos parecem verter os próprios ideais defendidos por cada um. A série britânica que acompanha a vida de uma família aristocrática e dos seus criados no início do séc. XX, conservadora nos costumes, é das mais apreciadas entre os políticos de direita. O secretário de Estado da Presidência, Luís Marques Guedes, é um dos que acompanha o humor mordaz da Condessa viúva de Grantham, Violet Crawley. “Não seja derrotista querida, é muito classe média”, diz a personagem interpretada por Maggie Smith, numa das suas mais famosas tiradas.
Esta série de época é a única que junta ao serão Marcelo Rebelo de Sousa e a filha, que foi viver recentemente com o comentador político. De resto, disputam a televisão para cada um ver as séries de que gosta mais.
O deputado do CDS Raúl Almeida é um fã de Downton Abbey e do Reino Unido. Este Verão percorreu os locais da série que acompanha a família Crawley e da Midsomer Murders, outra série britânica que Paulo Portas também segue. O deputado centrista reconhece que Downton Abbey é uma série convervadora e vê isso de uma perspectiva positiva: “É uma série conservadora da forma que me identifico. Ser conservador não é estar parado no passado mas estar aberto à mudança, que deve ser sempre bem ponderada e desde que seja para melhor”. Elogia o fino humor britânico dos personagens e o enrendo onde “o carácter e os valores se sobrepõem à intriga e traição”.
Homeland (Segurança Nacional) – um thriller psicológico sobre uma agente da CIA que desconfia que um soldado americano resgatado da guerra contra a Al-Qaeda se passou, afinal, para o lado inimigo, e representa um risco para a segurança nacional – foi das séries mais vistas e comentadas pelos portugueses. E é uma das preferidas de Miguel Macedo, ex-ministro da Administração Interna, que teve sob sua tutela as polícias e as questões de segurança nacionais.
As séries políticas estão na moda e antes do boom dos últimos tempos houve uma que ficou na memória. The West Wing (Os Homens do Presidente) foi a primeira série a alcançar um grande sucesso nos EUA e também em Portugal. Começou a ser transmitida originalmente em 1999 e é, até hoje, a série favorita do socialista Pedro Nuno Santos.
Mas há vida além da política e há quem goste de variar os temas. Orange is the New Black – uma comédia dramática baseada numa história real de uma mulher condenada a cumprir uma pena de prisão por ter participado no transporte de uma mala com dinheiro proveniente de tráfico de droga a pedido da sua ex-namorada – é uma das séries seguidas pela bloquista Mariana Mortágua. “Rompe um pouco com as séries norte-americanas. As mulheres estão em primeiro plano, mulheres que trocam protagonismos entre si e que rejeitam complacências ou heroísmos. Elogia ainda o facto de existirem juízos de valor sobre personagens que são todas elas tipificadas”, comenta.
Para a preparação de Frank Underwood de House of Cards, o actor Kevin Spacey foi a sombra de Kevin McCarthy, o líder republicano na Câmara dos Representantes. Por cá, quem seria o político escolhido? Façam as vossas apostas.
Downton Abbey: ‘Valores conservadores’
No início do século XX, uma família da aristocracia inglesa e os criados da sua casa senhorial no Yorkshire sobrevivem às convulsões sociais e a uma guerra mundial. Um mundo abalado mas que não desaba, nem passa por uma revolução. Esta é a base da série britânica de maior sucesso de sempre, e que se prepara para a quinta temporada. Agrada como nenhuma outra à direita portuguesa – embora tenha fãs em todos os quadrantes partidários –, com uma diversidade de personagens em que avulta o humor cínico e inteligente da matriarca Violet. Será Downton Abbey uma série conservadora? O senhor da família, Lord Grantham, é um homem decente, que se indigna com a injustiça e supera as vistas estreitas da sua classe social. Há ainda um mordomo, Carson, que fiscaliza as tradições com estoicismo e até a figura mais radicalizada politicamente (o motorista Tom) acaba por se arrepender das suas simpatias pelo IRA. Dir-se-á que se algo muda, muito deste universo hierarquizado de senhores e servos continua na mesma. Mas esta é talvez uma leitura demasiado política de uma uma série com uma produção impecável, actuações sólidas e um argumento imaginativo.
House of Cards: ‘A política com estilo e sem escrúpulos’
É a política americana, vista pela perspectiva de Maquiavel, servida por dois grandes actores (Kevin Spacey e Robin Wright) e um punhado de secundários convincentes. Acompanhamos um congressista democrata sem escrúpulos, capaz dos piores crimes para chegar ao poder, na bem-sucedida e tortuosa ascensão até chegar a inquilino da Casa Branca. Mas Frank Underwood não seria o homem mais poderoso do mundo se não tivesse ao seu lado Claire, a ambiciosa, pragmática e elegante mulher que o incentiva a nunca fraquejar. A dinâmica do casal é avassaladora a afastar qualquer vestígio de consciência que lhes possa tolher o caminho. Sobretudo à esquerda, House of Cards surgirá como a imagem de um sistema antidemocrático que perpetua a injustiça. Mas não é preciso entrar na teoria da conspiração para ver semelhanças com a realidade. A forma como se arregimentam votos no sistema bipartidário dos EUA, permeável a mudanças constantes de posição, ao sabor de interesses regionais, lóbis e até ao instinto de sobrevivência, está bem longe do domínio da fantasia. Um drama poderoso e uma lição de real politik que deixa os políticos portugueses em sessões compulsivas de televisão. Para bem deles.
Borgen: ‘Birgitte ao poder, já’
Do reino da Dinamarca chegou-nos este ano a série sobre o exercício do poder em que os políticos e jornalistas se revêem. Talvez porque, com carisma e humanismo, a primeira-ministra Birgitte Nyborg parece um modelo desejável de virtudes. Seja porque a negociação permanente de alianças do seu partido minoritário permite uma visão crítica do nosso rígido sistema partidário. Há porém quem reduza Borgen, que nos foi servida em dose diária na RTP2, ao estatuto de novela. Uma série em que até os spin doctors são figuras estimáveis parece demasiado nórdica para ser verosímil.
Breaking Bad: ‘O alquimista do crime’
Walt é um professor de química que se converte em alquimista de drogas sintéticas, após lhe ter sido diagnosticado um cancro terminal. “Eu não estou em perigo, eu sou o perigo”, diz, numa das tiradas mais citadas, a personagem principal, desempenhada pelo premiado actor Bryan Cranston. As cinco temporadas da aclamada série mergulham o espectador num submundo de crime violento e mostram um Walt cada vez mais duro, impulsionado pela vaidade e pela busca do poder. A série foi um enorme sucesso de público, mas a nossa classe política parece estar a milhas desta fábula de amoralidade e desespero.
Segurança Nacional: ‘Ansiolíticos e ataques de drones’
A heroína Carrie Mathison (Claire Danes) é bipolar e a sua doença, que lhe confere qualidades únicas, também a transforma numa bomba emocional. Esta agente da CIA, fortemente medicada, oscila entre a cerebral espia e a criatura frágil que ignora todas as regras, cedendo aos encantos de Brody, o marine suspeito de se ter convertido num operacional da Al-Qaeda. A proximidade histórica quase em tempo real é outra das razões do fascínio de Homeland – Segurança Nacional. Na última temporada seguimos por imagens de drone um ataque a um líder radical islâmico, numa aldeia afegã.
A Guerra dos Tronos: ‘No reino da fantasia’
Esta multipremiada série da HBO, campeã de audiências, envolve-nos numa guerra de poder . Vem na linha de sucessos como O Senhor dos Anéis e Harry Potter, misturando magia e aventura, batalhas e criaturas de fantasia. O apuro dos chamados valores de produção de A Guerra dos Tronos vai ao ponto de ter desenvolvido uma linguagem própria. As batalhas de sete famílias nobres pela terra mítica de Westeros parecem um bom divertimento para políticos? Sim, e a falta de entusiastas no meio partidário é difícil de explicar. Perdem máximas como esta: “Quando a neve cai e o vento branco sopra, o lobo solitário morre mas a matilha sobrevive”.
*Com Manuel A. Magalhães/ M.D./R.R./S.R.