Afinal, o Governo bateu o pé à troika!

1. Durante meses ouvimos a narrativa, criada pelo PS e por toda a oposição, de que o Governo foi além da troika. Que Passos Coelho foi um perigoso ortodoxo que se deixou convencer pelas doutrinas neoliberais dos responsáveis do FMI – caindo no ridículo de manter uma postura de absoluta subserviência face à delegação dos técnicos…

2. Assim foi com António José Seguro – assim continuou, e parece continuar embora em silêncio profundo, com António Costa. Os líderes socialistas acusaram Passos Coelho e o Governo de não saber negociar com a troika, de revelar uma incapacidade profunda de bater o pé aos ditames das organizações internacionais. Os portugueses, através da narrativa criada pelos líderes da oposição, ficaram convencidos de que Passos Coelho se tornou um amigo incondicional dos representantes da troika, aceitando de bom grado qualquer medida por eles aventada. A troika queria flexibilizar o mercado de trabalho, liberalizando os despedimentos? O Governo de Passos Coelho dava! A troika – com o FMI à cabeça – queria diminuir a TSU? O Governo Passos Coelho ia logo na conversa. A troika, sob influência máxima do FMI, queria privatizar a educação e a saúde? Pois Passos Coelho e a sua equipa não hesitavam em desmantelar os sistemas públicos de saúde e educação. Enfim, segundo a narrativa da oposição, a aliança Passos Coelho/FMI seria um casamento perfeito.

3. Sucede, porém, que sabemos hoje que se tratava de um casamento de fachada. Afinal, ao contrário da história vendida pelo PS, a relação entre o FMI e o Governo de Portugal foi uma relação mais marcada pela tensão e pelo conflito – do que pela harmonia de interesses ou pela comunhão de programas/medidas ideológicas. Os responsáveis do FMI, na sua infinita soberba, consideravam que Portugal não era um protectorado – esse, ao mesmo, dispõe de uma soberania limitada. Não: os responsáveis do FMI julgavam que Portugal se tratada de um território colonizado pelos mercados financeiros, que tinha descido tão baixo que merecia o estatuto de “rato de laboratório” das teorias aprendidas pelos responsáveis do FMI nas respectivas universidades. Como o recém-licenciado que está ao rubro para entrar no mercado de trabalho e aplicar os seus conhecimentos, os responsáveis do FMI – que andaram anos para experimentar as suas teorias em países europeus e gostariam de um país, apesar de tudo, mais calmo e menos problemático que a Grécia – não queriam perder a oportunidade de aplicar a cartilha económica e financeira que aprenderam durante anos, mas que nunca haviam aplicado. Ou melhor: nas poucas vezes que aplicaram as suas ideias, a coisa correu mal. Havia, pois, uma vontade dos responsáveis do FMI em promover um ajuste de contas com a história à custa de Portugal e dos portugueses.

4. A verdade é que o principal opositor da aplicação da medida cegamente austeritária proposta pelo FMI foi – nada mais, nada menos – que o Governo liderado por Pedro Passos Coelho. Desde a descida do salário mínimo, até à eliminação do despedimento por justa causa ou diminuição ainda superior das indemnizações por desemprego, foi Pedro Passos Coelho e os seus Ministros que se recusaram a ceder à troika. Com o episódio caricato de o Ministro da Economia Álvaro Santos Pereira – calmo por natureza – se ter insurgido com os responsáveis do FMI, vociferando contra a sua exigência de redução do salário mínimo! Álvaro Santos Pereira e Pedro Passos Coelho defenderam, a um tempo, os trabalhadores portugueses e o conjunto da economia nacional face às exigências draconianas do FMI.

5. Vem agora, no último fim-de-semana, o líder da representação do FMI criticar o Governo porque não implementou as reformas estruturais propostas pelo Fundo. Não se percebe: a Comissão Europeia critica o Governo porque foi longe demais no esforço exigido aos portugueses – o FMI, outro credor integrante da troika, critica o Governo por fazer pouco! Os deuses andam mesmo loucos – ou melhor, as instituições (para não chamar os diabinhos) andam mesmo loucos!

6. Mas a posição crítica do FMI em relação ao Governo Passos Coelho mostra que o Governo não se vergou, não se ajoelhou (como dizem os radicais socialistas) às exigências dos credores internacionais: antes, bateu o pé ao FMI, sempre que tal se impunha para defender o superior interesse de Portugal. Isto também explica a incapacidade política de António Costa: afinal, os slogans propagandísticos de que o Governo não teve peso negocial e que “foi além da troika” já não têm peso político. E são – como os factos demonstram – pura narrativa sem adesão à realidade.

7. Afinal, Passos Coelho ficou aquém da troika, sem deixar de assegurar a solvabilidade do Estado. O que, convenhamos, não é mau – embora a sua actuação não seja isenta de críticas.

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