Nada que seja novidade. Excepto a descoberta cirúrgica do Público, que vasculhou os passados do contribuinte Pedro Passos Coelho, descobrindo que foi relapso no cumprimento de algumas obrigações fiscais e devidas à Segurança Social. Pecados que o próprio admitiu. dando-os como saldados. Mas não arrumou o assunto como devia e desabou o Carmo e a Trindade.
As esquerdas puseram-se em movimento, gritando a sua virgindade na matéria e respirando transparência. Arranjaram uma petição, como é da praxe, dinamizada pelos correligionários do costume, incluindo gente do PS, que nestas coisas nunca falha.
Para arrefecer o fervor dos exaltados, António Costa ainda ensaiou um certo distanciamento, consciente da trovoada em formação e acautelando outros telhados de vidro. Mas foi sol de pouca dura. O histórico Manuel Alegre saiu das brumas para lhe impor, em estreita harmonia com os peticionários, que pedisse a demissão do primeiro-ministro.
Para quem o oiça, Alegre aparenta estar refeito do sufoco da dívida de campanha das presidenciais de 2011, liquidada a desoras, graças a generosos donativos entregues numa 'conta solidária' e à prestimosa ajuda do PS de Sócrates – que, segundo o insuspeito José Lello, “se envolveu pessoalmente para que nada falhasse”. Mais vale tarde do que nunca. E os amigos são para as ocasiões.
Sem grande originalidade (e já que a gratidão não é uma figura de estilo), Alegre juntou a sua voz à de Sócrates, que, alvoroçado, a partir de Évora, veio a terreiro suscitar dúvidas sobre o carácter do primeiro-ministro, cujo comportamento, no seu verbo afiado, ficou “próximo da miséria moral”. Não lhe ocorreu menos.
E tudo isto porque Passos Coelho teve o topete de afirmar nas jornadas parlamentares do PSD, que nunca usou o cargo “para enriquecer”. Ficou o caldo entornado.
De alma lavada, Sócrates desfiou o seu rosário de lamentos , em quatro parágrafos, aproveitando-os para se vitimizar como objecto de uma cabala política. Não é inédito.
A auto-vitimização constitui, aliás, um dos mais apetecidos tiques a que recorre, desde as contingências da licenciatura a outras embrulhadas que lhe bateram à porta.
Sensível ao opróbrio, Ferro Rodrigues veio em seu socorro, partilhando a indignação, por temer o atropelo do direito à 'presunção de inocência'. Fê-lo com o mesmo desvelo com que prodigalizou rasgados elogios e genuína admiração pelo ex-primeiro-ministro, após a sua investidura como líder da bancada parlamentar do PS.
O estremecimento de Sócrates coincidiu com o timing escolhido pela revista Sábado para publicação de um dossiê de 22 páginas com 'os documentos confidenciais' que, alegadamente, explicam o processo que o mantém detido.
Razão bastante para a defesa interpor mais um habeas corpus com vista à libertação imediata do seu cliente, secundada por outro requerimento subscrito por um grupo de cidadãos.
Este imenso ruído mediático retirou espaço às primeiras conclusões, já conhecidas, da auditoria forense ao BES, pedida pelo Banco de Portugal. E foi pena.
De facto, o rol de irregularidades e de desobediências continuadas ao supervisor – apuradas pelos auditores -, contrasta com o discurso frio e estudado de Ricardo Salgado, em sede de Comissão de Inquérito. Quem tenha assistido ao seu testemunho, há-de achar que o trabalho da Delloite respeita a outro planeta.
Recorde-se que já em Agosto do ano passado, quando foi aplicada a medida de resolução ao BES, o governador do Banco de Portugal dissera que “o Grupo Espírito Santo (…) desenvolveu um esquema de financiamento fraudulento entre as empresas do grupo”.
Mas sete meses depois desta intervenção pública de Carlos Costa, ninguém foi constituído, sequer, arguido.
Nos Estados Unidos, Bernard Madoff, autor confesso da maior fraude na história da Bolsa de Nova Iorque, foi condenado a 150 anos de cadeia, seis meses e meio depois de ter sido descoberto o seu esquema, que lesou milhares de investidores ao longo de duas décadas. Foi em 2009.
Por cá, enquanto os media se afadigam a esquadrinhar as declarações de rendimentos do primeiro-ministro – com culpas próprias, é certo -, o escândalo financeiro do BES, associado à destruição de valor da PT , ficam a marinar.
A 'presunção de inocência' não pode ungir expedientes dilatórios. Cabe à Justiça, num Estado de Direito, agir com eficácia e sem demoras. A moralidade pública deve começar por aí.