A ponte-postal

Poucas cidades dispõem de um ex-líbris compósito tão forte quanto Barcelos. Habituámo-nos de tal modo a simbolizar Paris na Torre Eiffel ou Londres no Big Ben que a tendência é procurar, para cada cidade, um monumento singular que lhe sirva de emblema, esquecendo que a maior parte das vezes tal não funciona. 

Ou porque o monumento eleito não é suficientemente apelativo ou fotogénico, ou porque não é forte o bastante para se destacar de outros monumentos da mesma cidade, ou por mil e um outros motivos. 
E esquecemos que às vezes o que não se encontra num edifício ou numa escultura está escancarado num conjunto urbano único, que torna essa identificação imediata. 
É o que se passa com Barcelos e a sua ponte medieval, Monumento Nacional desde 1910. 

Esta obra, construída originalmente no início do século XIV, é um belo exemplar de ponte medieva, de raro perfil horizontal, com seis arcos desiguais de volta perfeita, sendo maiores e mais elevados os dois do meio, e com talha-mares góticos a montante dos seus pilares, mas está longe de ser suficientemente original e marcante para, só por si, representar a cidade. 
O que a torna especial é o seu enquadramento. Vista da margem sul do Rio Cávado, a ponte desemboca no sopé de uma colina, ondulada e ajardinada a poente e transformada em abrupta muralha de granito a nascente, no cimo da qual, altaneiras, estão as ruínas do Paço dos Condes de Barcelos ou Duques de Bragança, também classificado Monumento Nacional em 1910. 

Era um castelo apalaçado em estilo gótico construído por iniciativa de Afonso I, 8.º Conde de Barcelos e 1.º Duque de Bragança, na primeira metade do século XV, tendo planta rectangular, uma torre e quatro chaminés de grande altura. 
Abandonado no século XVI, já era ruína no início do século seguinte e entrou em decadência acelerada após o terramoto de 1755, que lhe infligiu danos significativos, vindo a torre a desabar em 1801. Em 1872, face ao estado calamitoso das ruínas – que ameaçavam mesmo a segurança pública -, o Município determinou demolir o que restava, acção que só não foi totalmente concluída devido aos numerosos protestos populares que se fizeram ouvir. 

O que esses protestos salvaram é o que hoje se pode admirar: algumas paredes e uma enorme chaminé tubular! 
Mas é o suficiente para marcar de forma indelével a retina dos passantes, tanto mais que, por trás, surge ainda o figurino da Igreja de Santa Maria Maior, ou Igreja Matriz, classificada Monumento Nacional em 1927. É uma obra de transição do românico para o gótico mas com aspecto geral românico, de austera fisionomia compacta de granito e torre sineira robusta e atarracada. 
Esta, em diálogo com a chaminé do Paço condal, vem dar uma carga ainda mais intensa à imagem de bilhete-postal, com tudo para agradar aos apaixonados por ambientes arcaicos, que o conjunto já emana. Assim, para quê procurar outras insígnias quando se tem este quadro único e de refinada beleza para representar a cidade?