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Ex.mo Senhor Presidente,
Ex.mos Senhores Deputados,
I
Gostaria de agradecer a oportunidade de, uma vez mais, depor
perante os Senhores Deputados e poder esclarecer as principais
dúvidas suscitadas pelos trabalhos desta Comissão Parlamentar
(que tenho acompanhado, com atenção) e elucidar, na medida
do possível, os equívocos das tabelas de uma auditoria que
foram divulgadas pela comunicação social, poucos dias antes da
minha audição, uma delas a menos de 48 horas. Muito
obrigado.
Entendo que os trabalhos desta Comissão têm sido muito
relevantes, permitindo cruzar explicações e, por vezes, acentuar
contradições, que já se haviam manifestado no passado.
Estes cinco meses, somados ao meio ano que vivi antes da saída
do BES, mostraram como na opinião pública se criou uma
imagem rápida e simples sobre este caso e os seus
responsáveis.
Como se trata de um processo muito complexo, que exige
provar factos, ouvir pessoas, comparar versões e isso leva muito
tempo, o julgamento rápido e sumário foi este:
Ricardo Salgado era o único responsável. Porque tinha
mandado, desde os anos 90, em todos os actos, de todos os
gestores das empresas do GES e do BES, assim como em
políticos de sucessivos governos e em reguladores que não
tinham poder para forçar a sua saída, mesmo tendo desejado
fazê-lo.
Na minha primeira audição, sublinhei que terei acertado
algumas vezes e falhado muito na minha vida, o que, hoje,
reitero de forma transparente.
Não pretendo – nem nunca pretendi – refugiar-me no
desconhecimento, até porque a ignorância de factos não é
sinónimo de imunidade.
Não pretendo – nem nunca pretendi – sustentar que nada sei,
que nada fiz ou que nada tenho a ver com nada.
Mas, seguramente, não terei tudo a ver com tudo, como tantas
vezes tem sido sugerido, na opinião pública.
Digo-vos – com toda a sinceridade – que, no passado, acreditei
que lutava pelo melhor para o País, o Banco e o Grupo, que me
integrava numa equipa de pessoas livres e responsáveis, que as
escolhas que faziam eram as corretas e que o acolhimento que
elas mereceram durante muitos anos pelo Estado português,
pela comunidade empresarial, nacional e estrangeira e pela
comunicação social, era a prova dessa correção.
Hoje, que perdi o que foi a minha vida de trabalho de mais de
40 anos, só quero lutar pela minha honra e da minha Família,
explicando o que fiz, num contraditório objetivo e com armas
iguais.
Sei que os anos que me restam de vida serão passados nessa
luta e que a maioria daqueles que me rodearam com honras e
solicitações fingirão nunca me ter conhecido ou dirão que se
enganaram anos a fio.
Lamento, profundamente, todos os que foram prejudicados
pelo desfecho da situação do BES/GES e nunca esqueci ou
esquecerei os Clientes, Colaboradores e Acionistas, que em nós
confiaram.
Tenho, no entanto, a consciência de que, tal como aconteceu
no passado quando enfrentei difíceis crises internacionais,
também, agora, me esforcei até ao último dia – com a
incansável Equipa do BES – para proteger o Banco e
salvaguardar o interesse dos Clientes, Colaboradores e
Acionistas.
Esta consciência advém de factos objetivos e documentados.
Vejamos, então, os factos objetivos e documentados, que
considero importante esclarecer aos Senhores Deputados, e
que foram revelados em face dos trabalhos, entretanto,
desenvolvidos pela Comissão.
II
Vou começar por tentar esclarecer, na medida do possível, as
questões suscitadas numa tabela do primeiro capítulo da
“auditoria forense”, a que, surpreendentemente, apenas tive
acesso pelos jornais.
* * *
Oito meses após o anúncio da auditoria forense pelo Senhor
Governador do Banco de Portugal, em 2 de Julho de 2014, o
supervisor divulgou, parcialmente, “findings” ou “descobertas”
de um trabalho encomendado a uma consultora.
O juízo que se pretendeu passar com a divulgação das
conclusões resumidas do primeiro capítulo foi claro:
“desobedeci 21 vezes ao Banco de Portugal e causei a
destruição do BES”.
No entanto, procedendo a uma leitura atenta da tabela do
primeiro capítulo da auditoria que foi divulgada, verifica-se o
seguinte:
Primeiro: o próprio relatório reconhece que as informações e
documentos analisados na auditoria são insuficientes.
Prova disso resulta de terem sido eliminadas do documento
enviado para esta Comissão todas as páginas que, no final do
relatório, sintetizam as diversas limitações da “auditoria”,
tecnicamente designadas por “limitações de âmbito”.
Certamente que os Senhores Deputados registaram que, no
final do documento, estão quatro páginas em branco.
Ao longo do relatório do primeiro capítulo, é afirmada, por
inúmeras vezes, a falta de prova ou informação relevante.
Pelo menos, em 10 “descobertas” do relatório é referido que
não foi disponibilizada informação ou prova ou, então, que a
informação existente é inconclusiva.
Segundo: fica-se sem perceber como a consultora que elaborou
o relatório de auditoria foi contratada em 2 de Março de 2015 e
emitiu o trabalho final no dia seguinte. É isso que diz o
documento.
Terceiro: a auditoria baseou-se, exclusivamente, em informação
prestada pelo Banco de Portugal e pelo Novo Banco, leia-se,
“Banco de Portugal”.
Aparentemente, não houve a preocupação de confirmar a
informação junto de terceiros, obtendo documentos sobre as
sociedades portuguesas e estrangeiras mencionadas no
relatório.
Quarto: as “descobertas” que, em 3 de Agosto de 2014, o
Banco de Portugal pré-anunciou como práticas fraudulentas são
apresentadas, passados 7 meses, como “potenciais”
desobediências, como, por exemplo, a falta de preenchimento
de um questionário por um administrador (não identificado) ou,
ainda, a concessão de um empréstimo à habitação, de 255 mil
euros, a um administrador não executivo, que não teria sido
aprovado pela maioria exigível da Administração [findings
25 e 23].
A propósito deste último exemplo – classificado por certa
comunicação social como um “desvio de fundos” para a Família
Espírito Santo –, está em causa um empréstimo à habitação
que:
– obteve parecer favorável da Comissão de Auditoria, em 23
de Julho de 2013;
– foi aprovado, por unanimidade, na reunião do Conselho de
Administração, de 26 de Julho de 2013; e
– foi divulgado na página 74 do relatório de governo de 2013 e
na página 302 do próprio prospeto de aumento de capital,
de Maio de 2014.
Ou seja, nos trabalhos da auditoria forense, não houve o
cuidado de ler todas as atas das reuniões da Administração do
BES.
De resto, seria, no mínimo, estranho que alguém que quisesse
ocultar uma irregularidade o divulgasse publicamente, num
relatório de governo e num prospeto.
Quinto: o relatório de auditoria confirma que o saldo da conta
escrow foi, efetivamente, utilizado para reembolsar os Clientes
que subscreveram papel comercial.
Tanto assim é que, na comparação entre o saldo da conta
escrow e o montante da dívida emitida pela ESI, o relatório
não assinalou qualquer “finding” ou “descoberta”, conforme
resulta da respetiva página 16.
Nem poderia ser de outra maneira, porque os movimentos da
conta escrow eram reportados – diariamente – ao Banco de
Portugal.
Sexto: fica por perceber a razão pela qual nas “descobertas” 7,
8, 10, 11 e 12 do relatório é apontado, como “potencial
desobediência”, o reembolso de papel comercial a verdadeiros
Clientes de retalho, enquanto Clientes não institucionais, como,
por exemplo, os Clientes do BES Açores, BEST ou os
Clientes 360.
Na verdade, não se vislumbra qualquer razão para se
discriminar um Cliente apenas porque reside nos Açores.
Aliás, na carta que o Senhor Governador do Banco de Portugal
enviou à Senhora Ministra das Finanças, em 7 de Julho de 2014
(a que tive acesso no site do “Expresso”), é explicado o que
passo a citar: atentos os “possíveis efeitos decorrentes do risco
reputacional, em resultado de um evento de incumprimento do
ramo não financeiro do GES (…), o BES assegurará, em caso de
incumprimento da ESI ou da Rio Forte, o reembolso da dívida
colocada em clientes não institucionais que a tenham subscrito
através do BES ou de uma das suas participadas” – fim de
citação.
Também os Drs. Jorge Martins e João Freixa já confirmaram,
nesta Comissão, que os Clientes de retalho que,
prioritariamente, teriam direito ao reembolso de papel
comercial correspondiam, precisamente, aos Clientes
particulares não institucionais ou não qualificados.
Em suma, Senhores Deputados, nas “descobertas” 7, 8, 10, 11
e 12 do relatório de auditoria é imputada a potencial
desobediência de reembolsar Clientes particulares. Vivo bem
com esta suspeita.
Sétimo: à exceção das cartas de conforto – situação em que
consegui identificar e reitero a minha intervenção –, o relatório
de auditoria não indica a atuação concreta de qualquer
administrador do BES.
Oitavo: é incompreensível que a emissão das cartas de conforto
seja rotulada como potencial gestão ruinosa, quando, para além
de não serem uma garantia e estarem sujeitas a condições, os
destinatários nem sequer pretenderam fazer-se valer das
mesmas, tanto quanto sei. Portanto, não existe qualquer
prejuízo ou dano patrimonial.
Nono: é, de todo, inexplicável como o relatório de auditoria
conseguiu emitir “potenciais” juízos sobre a exposição da ESFIL
e do ES Panamá à ES Resources e ESI, apesar de o âmbito da
auditoria referido pela consultora, no último parágrafo da
página 8, ter incidido “apenas sobre o Grupo BES”.
Ora, a ESFIL, ES Panamá, ES Resources e ESI não fazem parte do
Grupo BES.
Isto para além de que, como referido na carta que o Senhor
Vice Governador enviou à ESFG, em 4 de Junho de 2014, o
regulador salientou o que passo a citar: “o BdP não é
responsável pela supervisão individual das filiais bancárias da
ESFG localizadas fora de Portugal” – fim de citação.
Décimo: o ring-fencing estabelecido pelo Banco de Portugal, na
carta de 3 de Dezembro de 2013, não proibia o BES de conceder
crédito a entidades financeiras do Grupo ESFG, como a ESFIL e o
ES Panamá.
Tanto assim é que, apenas em 30 de Junho de 2014, o Banco de
Portugal decidiu emitir uma instrução adicional no sentido de,
a partir daí, proibir o BES de conceder financiamento às
entidades financeiras do GES que não integrassem o Grupo BES.
Isto inutiliza a “descoberta” 1 da auditoria.
Décimo Primeiro: é referido que empréstimos do BCP e do
Montepio teriam sido reembolsados com dinheiro da conta
escrow.
O que aconteceu é muito simples: aproximava-se a data de
vencimento de papel comercial e era necessário reembolsar os
clientes. Porém, pontualmente nessa data, a conta escrow não
tinha saldo suficiente, uma vez que aguardava a entrada de
fundos, a curto prazo, resultante de desinvestimentos do GES
não financeiro.
Para proteger os Clientes (e a reputação do BES), foi necessário
recorrer a financiamentos de curto prazo, junto do BCP e do
Montepio, cujo capital foi utilizado, exclusivamente, para
reembolsar os Clientes.
Quando foi reposto o saldo na conta escrow, na sequência dos
desinvestimentos concretizados pelo GES não financeiro, foram
então reembolsados os financiamentos.
Décimo Segundo: A “potencial desobediência” por
financiamento concedido a sociedades operacionais do GES, na
área da saúde – como o Hospital da Luz –, não configurou
qualquer incumprimento das instruções do Banco de Portugal.
Como é reconhecido no relatório de auditoria, estes
financiamentos foram reembolsados (até porque o IPO da ES
Saúde foi concretizado com sucesso) e diziam respeito a meras
renovações de linhas de crédito anteriormente em vigor. Ou
seja, não foram concedidos novos financiamentos.
De resto, seria – no mínimo – má gestão cortar as linhas de
crédito que já estavam em vigor. Aliás, segundo sei, o Hospital
da Luz mudou de Banco e está a proporcionar lucros a outras
instituições financeiras, precisamente porque o BES cortou
novos empréstimos.
Isto mostra que o ring-fencing “cego” prejudicou o BES, em vez
de o proteger.
Décimo Terceiro: a “potencial desobediência” resultante da
falta de um parecer de advogados luxemburgueses quanto à
validade do mandato conferido ao BES para vender a
Tranquilidade não tem qualquer sentido, por dois motivos
muito simples.
Por um lado, o parecer jurídico em causa apenas foi pedido em
2 de Junho de 2014 e, depois, tornou-se inútil, porque veio a ser
constituído um penhor financeiro, a favor do BES, sobre as
acções da Tranquilidade.
Por outro lado, a Tranquilidade veio a ser vendida – embora por
pressão dos reguladores -, através da execução de um penhor
financeiro constituído pela Partran. Assim, a venda da
Tranquilidade foi eficaz.
Por último: as “descobertas” indicadas no relatório de auditoria
reportam-se, unicamente, a “potenciais” – sublinho,
“potenciais” – desobediências que, na presente data, estão por
demonstrar.
Isto apesar de, na conferência de imprensa de 3 de Agosto de
2014, o Senhor Governador do Banco de Portugal ter afirmado
que foram desenvolvidos “esquemas fraudulentos” e
“gravemente prejudiciais ao interesse do Banco Espírito
Santo”; estou a citar.
Finalmente, quero esclarecer esta Câmara que, no passado mês
de Fevereiro, fui confrontado com um projeto de decisão
administrativa do Banco de Portugal, na qual o regulador
“presume” – repito, “presume” – que sou responsável pelo
agravamento da situação financeira do BES, apenas porque fui
administrador deste Banco até 13 de Julho de 2014.
Perante esta situação, solicitei ao Banco de Portugal a consulta
do processo administrativo, tendo-me sido respondido que o
processo é composto, unicamente, pelo próprio projeto de
decisão.
Portanto, não há nada para consultar, porque o regulador
entendeu ser desnecessário produzir qualquer prova.
Em face destas circunstâncias e de uma pré-condenação
anunciada de viva voz e em direto, em 3 de Agosto de 2014, fui
obrigado a suscitar, nesse processo administrativo, um
incidente de suspeição do Senhor Governador, por manifesta
falta de isenção.
Aguardo, há mais de um mês, a decisão dos restantes membros
da Administração do Banco de Portugal, apesar de a lei obrigar
que o incidente de suspeição seja apreciado em oito dias.
Da mesma forma, a omissão do conteúdo integral do primeiro
capítulo do relatório e a falta de prova patente na auditoria
forense retiram-me o direito de contraditório, que pressupõe
sempre uma situação de igualdade.
Por último, faço uma referência às alegadas conclusões do
segundo capítulo da “auditoria forense” sobre o BESA, que,
uma vez mais, foram noticiadas pelos jornais há menos de 48
horas, apesar de, supostamente, estar em causa um
documento confidencial.
Como os Senhores Deputados compreenderão, o facto deste
segundo capítulo ter começado a ser noticiado há menos de 48
horas (sem reprodução integral nos meios de comunicação
social que o anunciaram) não permite que me pronuncie sobre
as suas “descobertas”, com o rigor que a situação exige.
É, no entanto, notório que a falta de prova já reconhecida no
relatório do primeiro capítulo da auditoria leva a que alguns
procurem “construir um processo” na comunicação social.
Além destas circunstâncias, o facto de o segundo capítulo
assentar – inacreditavelmente – as suas conclusões em notícias
divulgadas pela comunicação social elimina a possibilidade de
exercer, com igualdade e rigor, qualquer contraditório.
Neste contexto, estou privado dos meios de defesa
reconhecidos a qualquer cidadão de um Estado de Direito,
razão que me impede de participar ativamente e responder às
acusações feitas pelo Banco de Portugal.
III
Passemos, agora, aos factos objetivos essenciais para
identificar a causa da destruição do BES, que podem ser vistos
com clareza, após mais de três meses de depoimentos e da
divulgação de documentos e informações, a que, na minha
primeira audição, não tinha tido acesso.
Recordo que o relatório da KPMG deixou claro que a dívida
contraída pelas empresas do GES foi alocada à sua atividade.
Não houve desvio de fundos.
IV
Em primeiro lugar, a questão que tem suscitado maior atenção
é a colocação de dívida do GES não financeiro em Clientes de
Retalho do BES.
Neste ponto, importa clarificar um facto prévio, que está
documentado, apesar de ser, recorrentemente, ignorado.
É um facto que, aquando da emissão e colocação do papel
comercial, a Administração do BES salvaguardou que o
pagamento do capital e da remuneração não fosse,
juridicamente, garantido pelo BES.
Aliás, na carta que o Senhor Governador do Banco de Portugal
enviou ao Senhor Presidente da CMVM, em 19 de Fevereiro de
2015, foi confirmada a inexistência de garantia jurídica, por
parte do BES.
Ainda assim, entendeu-se que a confiança e os interesses dos
Clientes deviam ser salvaguardados. Apenas assim o BES ficaria
protegido.
Importa, portanto, perguntar o que foi feito pela anterior
Administração para proteger o BES e seus Clientes?
A resposta sobre os esforços feitos para reembolsar os Clientes
que subscreveram dívida da ESI (incluindo ES Property e
ES Industrial) e da Rioforte Investments (em base individual)
está nas contas do BES relativas ao 1.º semestre de 2014
[página 9], que foram assinadas pela nova Administração:
• Em 31 Dezembro de 2013, a dívida da ESI e da Rioforte
colocada em Clientes de Retalho do BES ascendia a
2.044 milhões de euros;
• Em 30 de Junho de 2014 (13 dias antes de eu cessar
funções), a dívida da ESI e Rioforte colocada em Clientes de
Retalho reduziu para 597 milhões;
Ou seja, em apenas seis meses, foram liquidados 1.447
milhões de euros, o que corresponde a uma redução
de 70,79%.
Repito: uma redução de 70,79%, em apenas seis meses.
Gostaria de sublinhar que, no plano de recuperação abordado
com o Banco de Portugal, através da carta de 10 de Dezembro
de 2013, estava previsto que, até ao final de 2014, fossem
reembolsados 1.500 milhões de euros.
Ou seja, em Junho de 2014, tinha sido reembolsado 96,47% do
valor que, inicialmente, havia sido estimado reembolsar até ao
final de 2014.
* * *
O que ficou, então, por fazer para proteger os Clientes de
Retalho do BES que tinham subscrito a dívida da ESI e Rioforte?
Liquidar 597 milhões.
E por que razão?
A conclusão é óbvia: o processo que vinha a ser promovido,
com sucesso, ao longo do 1.º semestre em 2014, foi
interrompido – trata-se de um facto objetivo.
Deixo as associações de factos no tempo para os Senhores
Deputados.
No entanto, há uma evidência que não pode ser ignorada.
Dos dois mil milhões de provisões que o Banco de Portugal
mandou o BES constituir em 23 de Julho de 2014, o BES afetou
856 milhões de euros, nas contas do 1.º semestre de 2014, para
acautelar os interesses dos Clientes que subscreveram dívida
emitida pelo GES e pela ESFG, atento o risco reputacional que
resultaria do eventual incumprimento do reembolso dos títulos.
Aliás, em 7 de Julho de 2014, o Senhor Governador do Banco de
Portugal escreveu uma carta à Senhora Ministra das Finanças
(carta de que não tinha conhecimento quando, pela primeira
vez, vim à Comissão), em que referiu o seguinte, passo a citar:
“o Banco de Portugal requereu ao BES a elaboração de um
plano de contingência, (…), com vista a mitigar os riscos
decorrentes de um cenário do incumprimento de entidades do
ramo não financeiro do GES”.
Nesta mesma carta, o Senhor Governador acrescentou o
seguinte: “o BES assegurará, em caso de incumprimento da ESI
ou da Rio Forte, o reembolso da dívida colocada em clientes não
institucionais que a tenham subscrito através do BES ou de uma
das suas participadas”.
No entanto, como resulta da carta remetida pelo Senhor
Governador do Banco de Portugal ao Senhor Presidente da
CMVM, em 19 de Fevereiro de 2015, o regulador do setor
bancário entendeu, agora, que está impedido de acautelar os
interesses dos Clientes, transferindo a solução desta questão
para outra entidade administrativa.
Isto apesar de, repito, “ter sido posto dinheiro de lado” para
pagar aos Clientes.
Estes são os factos objetivos. Deixo as conclusões para os
Senhores Deputados.
V
Em segundo lugar, outro dos pré-julgamentos que alguns têm
procurado sedimentar é que a exposição direta do BES ao GES
não financeiro teria levado à destruição do BES.
Elemento essencial neste capítulo – de que se tem aqui “ouvido
falar” – é o ETRICC 2, em que foi avaliada a exposição direta do
BES ao GES não financeiro.
E por que digo “ouvir falar”?
Simplesmente porque o Relatório do “ETRICC” é referido todos
os dias, mas o seu conteúdo é, quase sempre, ignorado.
Aliás, foi com espanto, que, nos últimos dias, vi referido que o
ETRICC era o “plano do Salgado”.
Vejamos, então, os factos objetivos.
Quem determinou a realização do ETRICC?
O Banco de Portugal.
Quem definiu os termos do ETRICC?
O Banco de Portugal.
Nas palavras do próprio regulador, passo a citar: “Os trabalhos
do ETTRIC 2 foram realizados por um auditor independente, com
base em termos de referência e orientações definidas pelo
Banco de Portugal. Os trabalhos decorreram entre outubro de
2013 e fevereiro de 2014 e envolveram 55 recursos, dos quais
18 colaboradores do Banco de Portugal” – fim de citação
[documento de enquadramento sobre o ciclo de inspeções
transversais]
Quem preparou o Relatório do ETRICC?
A PricewaterhouseCoopers, a auditora que, mais tarde, veio a
acolher o Diretor e Diretor-Adjunto do Departamento de
Supervisão Prudencial (respetivamente, Dr. Luís Costa Ferreira e
Dr. Pedro Machado), conforme comunicado pelo Banco de
Portugal, em 30 de Outubro de 2014.
Quem escolheu a PricewaterhouseCoopers?
Foi o Banco de Portugal.
O que já se “ouviu dizer” nesta Comissão permite referir que
teria sido difícil nomear um auditor com maior ceticismo
profissional.
Pois bem, em que termos foi definido o ETRICC?
O ETRICC pretendeu saber se o GES teria capacidade de, dentro
de um determinado período, gerar dinheiro para fazer face às
responsabilidades assumidas.
Qual foi o tempo que, aquando do início do ETRICC, o Banco de
Portugal decidiu conceder ao GES não financeiro para este
poder ser viável?
A resposta está na página 12 do Relatório do ETRICC: 10 anos,
mais, concretamente, de 2014 a 2023.
Qual foi a resposta da PricewaterhouseCoopers sobre a
viabilidade do GES não financeiro?
Destaco dois aspetos do Relatório ETRICC, que passo a citar:
• “Mesmo considerando o cenário de desvio superior [ou
seja, pior cenário de concretização do plano de
recuperação], o equity da ESI em 2018 e 2023 continua a
ser positivo” – fim de citação [página 25].
• A Rioforte não tinha qualquer imparidade [página 32].
Neste contexto, sublinho dois factos objetivos:
(i) Primeiro: foi o Banco de Portugal que tomou como bom o
horizonte temporal de 10 anos. Não foram o GES, o BES ou eu
próprio que, à partida, pedimos tempo.
Apenas se pretendeu que o período de recuperação
estabelecido no ETRICC fosse respeitado.
(ii) Segundo: bastaria metade – repito: metade – do período de
10 anos para que a ESI recuperasse, porque o próprio relatório
do ETRICC refere que o equity da ESI seria positivo logo em
2018; ou seja, 5 anos antes do prazo limite.
O plano de recuperação do GES foi interrompido, por falta de
tempo.
O tempo que o GES pretendeu que fosse concedido; ou, sendo
rigoroso, o tempo que foi fixado no trabalho encomendado
pelo Banco de Portugal.
A asfixia do GES não financeiro – quer em termos de tempo,
quer em termos da impossibilidade prática de obter
financiamento – ignorou, integralmente, o Relatório do ETRICC.
VI
Em terceiro lugar, relativamente à sucessão da governance no
BES, vou ser objetivo e tenho de voltar a este assunto, porque a
intervenção do regulador nesta matéria teve duas
consequências que foram aqui explicadas em outras audições:
(i) a volatilidade do valor das ações do BES; e (ii) a fuga de
depósitos.
Foram estas duas circunstâncias que determinaram a destruição
do BES.
Prova disso é o facto de, dias antes da intervenção do Banco de
Portugal na sucessão da governance, ter sido concluído um
aumento de capital com o melhor resultado de sempre, o que
apenas foi possível porque, até aí, existia confiança no BES.
Isto demonstra, sem margem para dúvida, que não houve nexo
causal entre o problema identificado na ESI, no final de 2013, e
a quebra de confiança no BES, que ocorreu apenas a partir de
20 de Junho de 2014.
Se o problema da ESI tivesse causado a quebra de confiança e
a destruição do BES, o aumento de capital de Maio-Junho de
2014 jamais teria sido feito, com absoluto sucesso.
Vamos, então, aos factos.
O que foi feito para assegurar uma transição pacífica no
governo do Banco e, por conseguinte, a estabilidade do BES?
Como já referi, por carta de 31 de Março de 2014, manifestei ao
Senhor Governador do Banco de Portugal inteira
disponibilidade para proceder à transição da governance do
BES.
Nesta carta, acrescentei o seguinte: “Não serei eu que por
qualquer motivação pessoal dificultará essa desejável
evolução” – fim de citação.
Por referência a Março de 2014, o Dr. Rui Silveira (anterior
administrador do BES, responsável pelo pelouro jurídico) referiu
o seguinte nesta Comissão, passo a citar:
“o diálogo com o Banco de Portugal iniciou-se no mês de Março
relativamente a definir os perfis das pessoas que,
eventualmente, poderiam ser candidatas aos lugares na
governance futura do BES. E o nome do Dr. Morais Pires, como
o nome do Dr. Goes, foi falado e nunca houve qualquer
oposição por parte dos meus interlocutores junto do Banco de
Portugal” – fim de citação.
Passando para 16 de Junho de 2014 (quando foi concluído o
aumento de capital), o Senhor Governador solicitou ao BES que
a Assembleia Geral fosse convocada até às 17 horas, do dia 20.
Nesta sequência, foram enviadas para o Banco de Portugal as
propostas da convocatória, com o nome do Dr. Amílcar Morais
Pires para novo CEO. Conforme foi aqui dito pelo Dr. Rui
Silveira, “Não houve oposição do Banco de Portugal”.
Perguntemos, então, o que não foi feito em prol da
estabilidade do BES?
Apesar de o Senhor Governador me ter pedido reserva até data
mais próxima da Assembleia Geral, sobre a indicação da nova
Comissão Executiva, a proposta da sua nomeação foi divulgada
na imprensa (por fonte que desconheço), na manhã de 20 de
Junho de 2014.
Esta circunstância, a par de a convocatória para a assembleia
geral ter sido divulgada para o mercado sem a indicação dos
novos membros da Comissão Executiva, levou a que as ações do
BES tivessem caído a pique e, portanto, a CMVM fosse obrigada
a ordenar a sua suspensão.
Aliás, a CMVM informou que apenas levantaria a suspensão das
ações se fossem indicados os membros que viriam a ser
propostos para a Comissão Executiva do BES.
Ora, porque já tinham ocorrido conversações com o Banco de
Portugal sobre a proposta de nomeação do Dr. Amílcar Morais
Pires como CEO, e na impossibilidade de contactar o Senhor
Governador, enviei-lhe o seguinte e-mail, em 20 de Junho de
2014, que iniciei assim:
“Mais uma vez venho pedir-lhe com urgência a autorização
para darmos a indicação do Amílcar Morais Pireis como
próximo CEO” – fim de citação.
Como se compreende, dois membros da Comissão Executiva do
BES (o Dr. Rui Silveira e eu) não teriam o devaneio de, “mais
uma vez” – repito, “mais uma vez” – trazer para a “linha da
frente” um nome que, após dois meses de conversações,
tivesse merecido a oposição, reserva ou indiferença do Banco
de Portugal.
O que o Banco de Portugal respondeu ao e-mail de 20 de
Junho de 2014?
Nesta mesma data, o Senhor Governador respondeu o seguinte,
passo a citar: “Tomei boa nota do email que teve a gentiliza de
me remeter. (…) O Banco de Portugal espera, como tal, que o
candidato proposto (…) o seja nos termos estatutariamente
previstos.
Essa comunicação não pode, porém, levar implícita a proposta
que um determinado candidato terá supostamente merecido o
acordo prévio do Banco de Portugal” – fim de citação.
Este e-mail de resposta inutilizou dois meses de conversações,
porque nada disto tinha sido referido; e…
… para além disso, lançou uma suspeição genérica sobre a
idoneidade dos novos membros propostos para a Comissão
Executiva e causou a desconfiança sobre o BES por parte do
mercado – em particular, dos investidores –, sobretudo porque
o Dr. Amílcar Morais Pires liderou o aumento de capital do BES,
que havia sido concluído há escassos quatro dias.
Chamo a atenção para esta troca de comunicações que referi na
minha primeira audição, porque ela demonstra que o regulador
não compreendeu o que se estava a passar no mercado e a
necessidade de assegurar, sem hesitações, a estabilidade do
BES.
VII
Em quarto lugar: vamos aos factos que inviabilizaram a
capitalização complementar do BES, com fundos privados, que
era necessária para neutralizar a desconfiança, que acabei de
explicar.
Os factos objetivos que traduzem o comportamento do
regulador do setor bancário nesta matéria causam, no mínimo,
estupefação.
* * *
Consideremos um “ponto de partida” recente: conforme
comunicado ao mercado, em 10 de Julho de 2014, o BES
detinha, em 31 de Março de 2014, um buffer de capital de
2.1 mil milhões de euros acima do rácio mínimo regulamentar
(considerando o aumento de capital realizado em Junho).
Portanto, o BES estava sólido.
No entanto, após a conclusão do aumento de capital do BES,
em 16 de Junho de 2014, a instabilidade criada pelo Banco de
Portugal na sucessão da governance causou a desconfiança do
mercado.
Neste contexto, pergunto: o que deveria ser feito?
Capitalizar, complementarmente, o BES.
É, pois, legítimo perguntar: por que motivo o BES não foi
recapitalizado?
Neste ponto, agradeceria a particular atenção dos Senhores
Deputados, dada a seriedade dos factos, que vou descrever.
* * *
Nos dias 10 e 11 de Julho de 2014 – isto é, em apenas dois
dias –, o BES registou saídas de caixa de 2 mil milhões de
euros, entre retirada de fundos por clientes da Venezuela, de
Espanha, depósitos de clientes de retalho em Portugal, entre
outros.
No próprio dia 11 de Julho de 2014, através de conferência
telefónica, uma equipa do BES discutiu a situação de liquidez
do banco com o Departamento de Supervisão do Banco de
Portugal, que foi representado pelo Dr. Luis Costa Ferreira e
Dr. Pedro Machado.
Nesta conferência telefónica, o Banco de Portugal questionou
o BES sobre a potencial utilização da Emergency Liquidity
Assistance (“ELA”).
O BES respondeu que, nesse próprio dia, havia sido enviada
para o Banco de Portugal uma lista de ativos para garantia da
utilização da linha de emergência, mas que ainda se
desconheceria o montante de caixa que seria possível obter.
Portanto, o Banco de Portugal estava ciente que, em 11 de
Julho, passou a ser necessário injetar capital adicional no BES.
Para fazer face a estas dificuldades, ainda em 11 de Julho de
2014 (pelas 18h), foi realizada uma reunião da Administração
do BES, sobre a Negociação com a Blackstone & Weil.
Na ata desta reunião, ficou referido o seguinte, passo a citar: “O
Senhor Dr. Ricardo Espírito Santo Silva Salgado tomou a palavra
para referir que a B&W lhe havia (…) apresentado uma possível
configuração de um plano de reforço dos capitais do BES, mas
que, face ao contacto igualmente havido com o BdP, esta
entidade aparenta ter algumas dúvidas quanto à adequação da
mesma. (…) E, prosseguindo, salientou que a B&W se mostrou
disponível para conversar com o BdP, tendo, no entanto, o
Senhor Governador advertido que seria negativo o
conhecimento público da existência desses contactos com a
B&W quando a mensagem a transmitir é, precisamente, a da
solidez do BES” – fim de citação.
Abro aqui um parêntesis para recordar que foi esta mensagem
de tranquilidade que o Senhor Governador do Banco de
Portugal transmitiu, quando veio ao Parlamento, em 18 de
Julho de 2014.
Mas, regressemos, então, aos factos objetivos.
Perante a oportunidade única de reforçar o capital do BES com
recurso a fundos privados, insisti junto do Senhor Governador,
através de carta de 12 de Julho de 2014, na qual referi o
seguinte:
“Considero importante nomear a Blackstone & Weil para
apresentarem propostas concretas de potenciais investidores
institucionais. Temos conhecimento que a KKR poderá desde já
reunir com as equipas do Banco desde que não haja oposição
por parte do Banco de Portugal para tal”.
O que respondeu o Banco de Portugal?
Através de carta, de 13 de Julho de 2014, o Banco de Portugal
referiu o seguinte, passo a citar:
“entende o Banco de Portugal que (…) os contactos e
negociações com vista a uma potencial operação de aumento
de capital e eventual entrada de novos accionistas no capital
do BES deverão ser estabelecidos pela Comissão Executiva
assim que a respectiva composição passar a integrar os
membros entretanto propostos (…), o que virá a acontecer
muito em breve com a respectiva cooptação” – fim de citação.
Ora, a cooptação dos novos membros da Comissão Executiva do
BES ocorreu, nessa mesma data, 13 de Julho de 2014.
Em bom português, o regulador inviabilizou a injeção
complementar de fundos privados no BES, o que viria a exigir
escassos 16 dias depois.
Acresce que, de acordo com informação publicamente
anunciada pela Bloomberg e pelo Wall Street Journal, ainda em
16 de Julho de 2014, o importante fundo americano Third
Point LLC encetou contactos com o Banco de Portugal, com
vista a colaborar no reforço do capital do BES (à semelhança do
que fez quanto a outros bancos no sul da Europa).
No entanto, o Banco de Portugal apenas terá “tomado nota” da
disponibilidade e referido que o BES não carecia de um reforço
de capital.
Isto, 13 escassos dias antes de o regulador exigir que o BES
apresentasse, em 48 horas, um plano de reestruturação,
incluindo um aumento de capital, conforme irei precisar mais
adiante.
Entretanto, em 23 de Julho de 2014, o Senhor Vice Governador
do Banco de Portugal remeteu uma carta ao BES, na qual impôs
uma provisão de dois mil milhões de euros, para assegurar a
exposição creditícia perante as entidades do GES.
Esta imposição administrativa não observou as boas práticas em
matéria de constituição de provisões.
Em síntese, inviabilizou-se o BES.
Aliás, o Third Point LLC e o Juiz da insolvência da ESFG já
instauraram processos judiciais relativos às medidas de
resolução.
Recordo, perante esta Comissão, que o Senhor Governador do
Banco de Portugal referiu o que passo a citar: há “o risco de
matarmos o animal com a protecção do animal; temos que
saber claramente que há um espaço, que é o espaço que tem
que ser dado para o desenvolvimento da atividade financeira” –
fim de citação.
Esse espaço não foi dado ao BES e, parafraseando o Senhor
Governador, dias mais tarde, o animal morria.
Em 29 de Julho de 2014, o Banco de Portugal enviou uma carta
ao BES, na qual exigiu a implementação das chamadas
“medidas de intervenção corretiva”, incluindo a apresentação
de um plano de reestruturação, com a calendarização de um de
aumento de capital com recurso a fundos privados.
Tudo isto em 48 horas.
Ou seja, o Banco de Portugal exigiu – a uma comissão executiva
recém-nomeada e em 48 horas – aquilo que o próprio regulador
havia descartado poucos dias antes.
À semelhança das demais comunicações do Banco de Portugal,
a carta, de 29 de Julho de 2014, teve um propósito estritamente
protocolar: "preparar o terreno” para as medidas de
resolução.
É que a carta, de 29 de Julho, visou cumprir – formalmente – o
artigo 144.º do RGICSF, que determina que a resolução apenas
pode ser aplicada, desde que as ditas “medidas de intervenção
corretiva” não tenham permitido recuperar a instituição de
crédito ou, então, se considere que seriam insuficientes.
Com a carta de 29 de Julho, o regulador procurou apenas
cumprir a letra do “protocolo”.
Já PADRE ANTÓNIO VIEIRA dizia que "Em nenhuma parte como em
Portugal se gasta tanto papel, ou se gasta tanto em papéis".
VIII
Em sexto lugar: uma rápida alusão – também com base em
factos objetivos – à questão de saber o que foi feito junto dos
responsáveis políticos para evitar que o GES afetasse o BES.
Nas respostas que remeti a esta Comissão, já detalhei as
reuniões que tive com responsáveis políticos.
Hoje, apenas pretendo salientar um aspeto muito concreto,
principalmente com referência às reuniões ocorridas em Maio
de 2014.
Nestas reuniões, transmiti aos responsáveis políticos que, por
força do ring-fencing imposto ao BES, as empresas da área não
financeira do GES necessitavam de obter financiamento junto
de outros bancos, o qual seria reembolsado a médio prazo.
Não se tratava de socializar prejuízos, mas tão-somente obter
apoio institucional que viabilizasse a constituição de um
sindicato bancário internacional (eventualmente, liderado pela
Caixa Geral de Depósitos), que suprisse as necessidades de
financiamento do GES, a médio prazo.
Recordo que, quando os outros bancos portugueses estavam
em processo de recapitalização com fundos públicos, a partir de
2011, o BES – sem essa faculdade – concedia empréstimos às
empresas públicas, que estavam a ser obrigadas a reembolsar
créditos concedidos por bancos estrangeiros.
No entanto, as preocupações transmitidas não se ficaram por
aqui, por uma simples razão: é que a crise no GES não
financeiro afetaria a reputação do BES e a confiança do
mercado no Banco.
Foi, precisamente, esta a contingência que transmiti aos
responsáveis políticos sobre a situação do BES, porque a
confiança é o principal ativo de qualquer banco.
Outra evidência da alusão às contingências do GES sobre o BES,
nas reuniões realizadas em Maio de 2014, é a carta que a
Senhora Ministra das Finanças enviou ao Senhor Governador
do Banco de Portugal, em 13 de Junho de 2014.
Nesta carta, a Senhora Ministra das Finanças referiu o que
passo a citar: “Na sequência das nossas conversas sobre a
situação no grupo BES e em particular no que respeita ao banco
BES, e com o intuito de as documentar adequadamente,
informo-o que tenho vindo a ser contactada por diversos
responsáveis no grupo e no Banco que me alertaram para
eventuais riscos para a estabilidade financeira advenientes da
situação” – fim de citação.
Julgo que esta carta é, suficientemente, esclarecedora dos
esforços feitos perante os responsáveis políticos, em Maio
de 2014.
Em resposta à Senhora Ministra das Finanças, já em 7 de Julho
de 2014, o Senhor Governador reconheceu a existência do
possível contágio do GES ao BES (designadamente por efeito do
risco reputacional), mas assegurou que o BES estaria preparado
para resistir a um cenário de insolvência do GES.
Tendo em atenção o carácter, absolutamente, crucial desta
carta, vou citar as palavras do Senhor Governador:
“É de notar que o montante desta provisão [isto é, a provisão de
700 milhões imposta pelo regulador à ESFG] assentou num
plano de desalavancagem da ESI com riscos de execução
elevados, o que justificou que o Banco de Portugal tenha
imposto um reforço sucessivo das medidas de “ring-fencing”
entre o grupo bancário e o ramo não financeiro no GES, de
modo a mitigar os riscos de contágio entre os dois ramos do
GES. (…) o grupo BES terá capacidade para acomodar os
efeitos negativos decorrentes de um cenário de reestruturação
ou insolvência do ramo não financeiro do GES”.
Na citada carta, o Senhor Governador acrescentou que, mesmo
que o BES não tivesse capacidade para resistir à materialização
dos riscos do GES não financeiro e não conseguisse reforçar os
seus rácios com a injeção de fundos privados, encontrava-se
“disponível uma linha de recapitalização pública”.
Repito: 27 dias antes das medidas de resolução, o Senhor
Governador referiu que, caso fosse necessário, estava
“disponível uma linha de recapitalização pública”, estou a
citar.
Senhores Deputados, perante estas palavras ditas em 7 de Julho
de 2014, pergunto então: quem forçou a resolução?
Por último, não posso deixar de salientar que, segundo a ata da
reunião do Comité Nacional para a Estabilidade Financeira, de
18 de Julho de 2014, a Senhora Ministra das Finanças “referiu
que os desenvolvimentos recentes do BES/GES levantam
questões de estabilidade financeira”.
Senhores Deputados, para que fique claro: nas reuniões com os
responsáveis políticos, não fui pedir qualquer favor. Antes fui
pedir apoio institucional e senti que era meu dever advertir as
autoridades, atempadamente, para o risco sistémico, que
poderia advir da incompreensão do conglomerado misto, que
era o GES/BES.
Infelizmente, não estava enganado.
IX
Antes de me colocar à disposição dos Senhores Deputados para
responder, gostaria de abordar a questão que muitos têm
colocado.
Para onde foi o dinheiro?
* * *
O dinheiro não foi para os “bolsos” dos acionistas, entre os
quais se encontrava a Família Espírito Santo.
Mas, o dinheiro não desapareceu.
Primeiro: como já referi, o relatório elaborado pela KPMG sobre
a ESI demonstra que não houve qualquer desvio de fundos.
Segundo: basta ver, com atenção, as contas do BES do 1.º
semestre de 2014 e as contas do Novo Banco, que foram
divulgadas em 9 de Março de 2015, para concluir que não
houve desvio de dinheiro.
Ainda em 30 de Junho de 2014, o BES tinha um capital próprio
de 3.732 milhões de euros, conforme atestam as contas
consolidadas do 1.º semestre de 2014.
Ainda em 30 de Junho de 2014, o custo com imparidades e
contingências registado nas contas consolidadas do BES,
relativo a reforço de provisões e similares, ascendia a 4.253
milhões de euros.
Ou seja, o reforço das provisões e similares registado, no final
do 1.º semestre de 2014, ascendia a quase 6 vezes mais do que
um ano antes.
É necessário chamar, de novo, a atenção para que a
constituição de uma provisão é uma operação meramente
contabilística que reduz o valor do capital próprio, mas não
implica saídas de dinheiro à data da sua constituição.
Repito: as provisões não implicaram a saída de dinheiro de
caixa, aquando da sua constituição.
Apesar de, em 30 de Junho de 2014, as contas consolidadas do
BES apresentarem:
– um capital próprio de 3.732 milhões de euros;
– ativos por impostos diferidos de 1.940 milhões; e
– um custo com imparidades e contingências (incluindo
provisões e similares), no 1.º semestre, no valor de 4.253
milhões de euros,
os Acionistas e os Clientes de papel comercial – que estavam
em processo de reembolso – nada receberam.
Tudo, então, indica que foi o Novo Banco quem beneficiou.
Isto é, o dinheiro não desapareceu. Os ativos transitaram para o
Novo Banco, por decisão do regulador.
Aliás, pode verificar-se que, no balanço de abertura do Novo
Banco, os ativos por impostos diferidos que foram transferidos
do BES para o Novo Banco não foram apenas os 1.940 milhões
de euros registados nas contas de 30 de Junho, mas sim
2.865 milhões de euros, que foram registados em 4 de Agosto
de 2014.
Segundo me é dado saber, do ponto fiscal, a própria
Autoridade Tributária não aceitou – já em Fevereiro de 2015 –
que parte dos ativos por impostos diferidos fossem
transferidos para o Novo Banco.
Mais: as provisões que haviam sido impostas pelo Banco de
Portugal ao BES quanto às obrigações emitidas no 1.º semestre
de 2014 foram, agora, reduzidas, o que possibilitou “compor” as
contas do Novo Banco, num valor adicional estimado em cerca
de 450 milhões de euros.
Acresce que, relativamente ao crédito sobre o BESA (agora,
Banco Económico), constata-se que o Novo Banco regista
benefícios de 688 milhões (apesar de o crédito do BES sobre o
BESA ter sido provisionado a 100%, aquando da primeira
avaliação feita no balanço preliminar, logo em 4 de Agosto de
2014). Portanto, qualquer benefício que se venha a concretizar
deveria ser atribuído ao BES.
Por último, em 22 de Dezembro de 2014 (faltando nove dias
para o “fecho” do exercício), o Banco de Portugal considerou
oportuno tomar uma deliberação que permitiu aumentar o
capital próprio do Novo Banco, em mais 548 milhões de euros
(por efeito de uma rectificação de reserva relativa a um
empréstimo concedido ao BES pela Oak Finance).
Isto é, para “melhorar” o Balanço do Novo Banco, foram
prejudicados os Acionistas do BES e os Clientes que não houve
tempo para reembolsar.
Portanto, o dinheiro não desapareceu.
X
Concluo: procurei basear a minha intervenção em factos
objetivos, que, aliás, estão documentados.
Estes e outros factos permitem, comprovadamente, concluir o
seguinte:
• num primeiro momento, enquanto permaneci no BES, o
Banco de Portugal questionou sistematicamente a Garantia
Soberana de Angola, para depois fazer-se valer desta
garantia, na Assembleia da República, em 18 de Julho de
2014 e acabar por – poucos dias depois – a relegar como
ativo tóxico para o “banco mau”;
• num primeiro momento, o Banco de Portugal não se opôs à
proposta de nomeação do Dr. Amílcar Morais Pires para
CEO do BES e pediu reserva nesta matéria, para depois
suscitar dúvidas publicamente;
• num primeiro momento, em meados de Julho de 2014, o
Banco de Portugal recusou, por duas vezes, a injecção de
capitais privados no BES, para poucos dias depois exigir a
apresentação de um plano de aumento de capital, em 48
horas;
• num primeiro momento, o Banco de Portugal ordenou a
constituição de provisões para acautelar a exposição
indireta do BES ao GES e proteger os Clientes de Retalho
que subscreveram papel comercial, para depois referir que
não tem competência para solucionar os interesses destes
Clientes e transferir o problema para a CMVM;
• num primeiro momento, o Banco de Portugal sustentou
que, caso o BES não fosse capaz de acomodar a
materialização dos riscos do GES, estaria disponível uma
linha de capitalização pública, para depois argumentar que
esta solução não era possível.
Pela minha parte, confesso que continuo sem compreender a
atuação do regulador.
* * *
Lamento que, num Estado de Direito como o nosso, ainda exista
quem pretenda uma “Justiça de pelourinho”, sem direito a
defesa ou mesmo sem direito a um processo condigno.
Podem ter a certeza que estarei sempre ao dispor de todas as
instâncias do Estado e apenas ambiciono explicar os meus atos
e as razões que me guiaram na gestão dos últimos meses da
vida do BES.
Mas acreditem que me defenderei até ao limite das minhas
forças, pois apesar de todos os erros que possa ter cometido ao
longo de uma vida de trabalho, de uma coisa tenho a certeza:
nunca, em momento algum, tive intenção de prejudicar os
interesses do BES, dos seus Clientes, Colaboradores e
Acionistas.
Agradeço ao Senhor Presidente e aos Senhores Deputados a
atenção que me concederam, ficando, agora à disposição para
esclarecer as questões que entendam pertinentes.