Sem Abrigos, Marcelo, TVI e Oeiras

Tenho assistido nesta última semana em silêncio a todo um desencadear de sensacionalismo e aproveitamento político deplorável da situação de dois sem-abrigo, promovida pela TVI e por Marcelo Rebelo de Sousa.

Até há cerca de dois anos lidei com os sem-abrigo em causa como munícipes na terra onde fui durante quatro anos presidente de Junta.

Após o comentário semanal de Marcelo Rebelo de Sousa e o anúncio da visita do próprio ao local numa perspectiva de populismo deplorável, eleitoral e circunstancial, achei que era tempo de escrever sobre o assunto por quatro razões que descrevo, pois a informação trazida ao grande público em parte é ocultada e outra é alterada conforme os objectivos políticos e jornalísticos dos intervenientes.

A primeira razão de escrever este artigo tem a ver com a ocultação da peça jornalística que veio a público, e que a meu ver deveria ter sido abordada, é o facto de o sem-abrigo Juan estar a viver debaixo da ponte, devido à falta de integração na sociedade, após ter cumprido uma pena de homicídio na prisão e ao facto de sofrer de esquizofrenia. Pelo facto de ser cubano e este país ter regras muito “duras” no regresso de cidadãos com registo criminal ao país, Juan ficou impossibilitado de regressar ao país por demanda das autoridades de Cuba.

Em todos os momentos da abordagem da TVI a este assunto não constatei que em algum momento a jornalista dissesse que a doença em questão e a falta de tratamento clinico estivessem na origem da razão de Juan estar a viver debaixo da ponte. No entanto foi dito que a culpa era da crise, da troika, etc… Um erro de palmatória jornalística…
 
A segunda razão tem a ver com a falta de humanidade dos actuais autarcas eleitos em Oeiras. O Fernando está a viver há dois debaixo da ponte, fiquei extremamente admirado quando vi a reportagem porque durante todo o período enquanto fui presidente de Junta, permiti ao Fernando vender castanhas e outros produtos na freguesia e especialmente nas inúmeras festas que a junta de freguesia promovia. De um momento para o outro parece que os autarcas eleitos e com funções executivas em Oeiras, não permitiram a continuidade da venda do Fernando na freguesia, provocando que a situação económica do Fernando se agudizasse, aparecendo agora alguns políticos e responsáveis associativos a tirarem dividendos da situação de quem passa dificuldades, tendo sido eles próprios também responsáveis por isso.

A terceira razão deste meu artigo tem a ver com as declarações erradas de Marcelo Rebelo de Sousa acerca da competência daquele território e das intervenções de construção realizadas.

O território em questão não é da competência do Instituto das Estradas de Portugal mas sim do Instituto da Água. O local foi alvo de intervenção há quatro anos e as intervenções foram efectuadas de forma a criar segurança aos sem-abrigo que já passam por ali há mais de 25 anos e a evitar que os moradores tivessem as suas casas inundadas. Com esse objectivo foi construído um muro e empedrado todo o chão com verbas exclusivas da junta… O que era terra passou a ser pedra. Em todo este processo a junta de Freguesia da Cruz Quebrada-Dafundo e o Instituto da Água foram os únicos intervenientes, havendo a recusa determinada da Câmara Municipal em intervir na área, criando grandes complicações no orçamento da Junta de que era presidente. A existência de sem-abrigos naquele local sempre foi uma razão menor para a autarquia e líderes associativos que agora aparecem a dizer que fizeram e aconteceram…

A quarta e última razão tem a ver com o facto de salientar o espírito de uma comunidade onde cresci estar a ser louvado.

Apesar de haver por aí alguns jornalistas coma intenção de realçar só as desgraças das pessoas, elogio o espirito de solidariedade dos oeirenses e em especial dos cruz quebradenses e dafundenses que realmente é muito especial e que está a ser agora descoberto por aqueles que se movimentam nos corredores do poder e que só se lembram de quem sofre quando têm eleições à porta…

*Ex-presidente de Junta da Cruz-Quebrada-Dafundo – Zona onde se encontram os dois sem-abrigos a viverem debaixo da ponte