Pesada, consistente, intensa no sabor, de uma cor amarela acastanhada, a broa de Avanca revela-se uma descoberta, através da experiência sensorial que nos transporta para os alimentos mais simples que começam por fazer parte da nossa alimentação assim que deixamos o leite materno. Por isso, quando se sente aquele sabor, remetemo-nos para uma memória que não se identifica no tempo e no espaço, mas que se reconhece no aconchego do que nos saciava a fome.
A fundação da Confraria da Broa d’Avanca, em 2004, acontece pela vontade de um grupo de avancanenses seguros da broa enquanto elemento matriarcal da alimentação local. Esta confraria surge pela promoção, divulgação e defesa da broa produzida em Avanca, com especial ênfase na preservação da sua autenticidade. Por que os produtos não se esgotam no seu sabor ou valor económico, esta Confraria não esqueceu, desde a sua origem, a valorização do património paisagístico, religioso, arquitectónico e museológico associado à broa de Avanca. Por isso, usualmente, o plano de actividades anual é rico, sumarento e cheio de iniciativas, como o Ciclo do Milho, a Rota dos Moinhos, a Feira da Broa e a Gastrobroa.
O Ciclo do Milho, pela importância pedagógica que assume junto dos mais novos, é uma das iniciativas de maior impacto por dar a conhecer as várias fases da produção do milho. O público jovem fica, assim, a conhecer a preparação da terra, a sementeira, o sachar e o arrendar, a rega, a monda, o cortar da ‘bandeira’ ou do ‘penacho’ ou do ‘pendão’, a desfolhada, o malhar e o limpar do milho. Percebem que, no passado, quem tratava a terra para a obtenção do milho tinha um longo caminho a percorrer, com o necessário esforço físico que todas as fases envolviam. Era um ror de etapas e de tarefas que levavam a que o milho fosse de elevada qualidade e quantidade. Tal iniciativa, além de demonstrar a importância do milho no ciclo agrícola local, também permite relevar todo o património cultural imaterial inerente a tais tarefas, como os trajes de trabalho, as práticas agrícolas, o vocabulário, os cantares e a gastronomia. Em suma, todos os elementos culturais usuais no cultivo do milho.
Vale a pena referir a Rota dos Moinhos que esta Confraria promove, dada a ligação da broa aos 12 moinhos de água que ainda existem na freguesia com actividade regular. Todos os anos, no fim-de-semana mais próximo do Dia dos Moinhos (7 de Abril), participam nesta rota grupos oriundos de várias zonas do país. De bicicleta, os participantes têm a oportunidade única de conhecer as particularidades do funcionamento dos moinhos de água. É de ressalvar que, através do trabalho desenvolvido pela Confraria, muitos destes moinhos estão a ser recuperados e em três deles já é possível amassar e cozer a broa. Este ano, a 12 de Abril, irá decorrer uma nova edição da Rota dos Moinhos, que já se adivinha com larga participação.
Esta visita a Avanca e aos seus moinhos pode ser o ponto de partida para a descoberta do concelho de Estarreja, terra ribeirinha onde os verdes campos imprimem à paisagem uma beleza ímpar. Rodeada de campos agrícolas férteis e próxima da ria de Aveiro, é um concelho onde os visitantes sentem a natureza de uma forma particular nos oito percursos BioRia (www.bioria.com) e se deixam deslumbrar pelo mosaico de ricos habitats, onde impera a biodiversidade.
A Feira da Broa de Avanca, uma mostra e venda de broa cuja receita reverte para instituições de solidariedade social, é o mote para a Gastrobroa. Assim, em Outubro, a Confraria da Broa de Avanca, em parceria com os restaurantes locais, assegura a broa consistente, compacta e de cor amarela acastanhada seja o principal atractivo das ementas, quer enquanto elemento principal, quer enquanto entrada e acompanhante da refeição.
A broa domina o universo desta Confraria. A simples, mas tão saborosa e importante broa é o centro das atenções dos confrades que vêem neste produto tradicional local o motivo, o elo, o vínculo que os une. E quem conhece os confrades da Confraria de Avanca sabe o apreço, quase devoção, que têm à sua grande broa que nos mata a fome e sacia também a vontade de confraternizar, rodeados por amizade. É um grupo de amigos que se distingue ao longe pelo gabão preto usual dos lavradores ricos. Um grupo que se reconhece, sobretudo, pela amizade calorosa com que sempre nos recebe em terras de Avanca e pela vontade férrea na preservação das tradições locais. Pratica-se assim, no âmago desta confraria, a fraternidade, quer entre confrades, quer entre confrarias e quer ainda entre instituições que prezam a gastronomia como um pilar da identidade nacional. Uma broa tão saborosa quanto saborosa é a amizade que une os confrades e os faz trabalhar em prol de uma causa maior.
* presidente das confrarias gastronómicas portuguesas