De acordo com um acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, que responde ao recurso de um dos arguidos envolvidos no esquema de corrupção, Miguel Macedo deu uma “ordem ilegal” e “favoreceu ilegalmente interesses privados lucrativos” de António Figueiredo, ex-director do Instituto dos Registos e Notariado, e do seu amigo e ex-sócio Jaime Gomes.
Desde logo, o MP admite que as buscas feitas em Novembro passado ao Ministério da Administração Interna “visavam colher precisamente prova indiciária da actuação de Miguel Macedo”. Os investigadores já então sabiam que o governante terá dado ordem directa ao então director do SEF para que este nomeasse um oficial de ligação em Pequim “em prol de interesses lucrativos de natureza privada dos arguidos António Figueiredo e Jaime Soares”. Manuel Jarmela Palos obedeceu, alegadamente para cair nas “boas graças” do ministro, mas a nomeação só não aconteceu porque, no início de 2014, uma fuga de informação terá boicotado os planos.
Esta ordem ficou registada em escutas telefónicas. Em Janeiro de 2014, Figueiredo conta a Jaime Gomes que “o nosso amigo” (que os investigadores suspeitam ser uma referência a Macedo) deu instruções para se nomear alguém do SEF para a China para agilizar a concessão de vistos. Figueiredo disse que “era porreiro” se pudessem encontrar-se “um bocadinho com o Dr. Miguel” para lhe apresentarem Xia (sócio de Xhu, também arguido no processo) e jantarem. Mais tarde, Jaime conta que terá conversado com o ex-governante, e que lhe terá dito: “Então espera aí que vou ligar ao Palos… são gajos cinco estrelas, eu adoro os gajos, estarei com eles. Agora, não vamos andar a encher pneus, porra”. A 4 de Fevereiro, Miguel Macedo liga a Figueiredo e combina encontrarem-se pessoalmente para falarem “em termos do desenvolvimento lá da outra coisa”. A proposta de nomeação de um oficial em Pequim deu entrada no MAI a 17 de Março.
Ministério Público não pediu levantamento da imunidade
Os desembargadores lembram, no entanto, que Miguel Macedo está vinculado à imunidade parlamentar dadas as actuais funções de deputado.
A verdade é que, apurou o SOL, à comissão parlamentar para a Ética, a Cidadania e a Comunicação não chegou, até à data, nenhum pedido de levantamento da imunidade parlamentar, por parte do Ministério Público.
Já hoje, o ex-ministro disse que aguarda resposta ao requerimento que tomou a iniciativa de enviar, em Novembro passado, à Procuradora-Geral da República a pedir para ser ouvido no caso dos vistos ‘gold’, para prestar os esclarecimentos que a procuradoria entenda necessários. “Aguardo serenamente que essa audição possa ocorrer por forma a que esclareça aquilo que entendam que deve ser esclarecido”, afirmou, escusando-se a fazer mais comentários”.
Questionada pelo SOL, fonte oficial da Procuradoria-geral da República não quis confirmar a existência destes indícios nem se o ex-governante foi entretanto constituído arguido, justificando que o processo está em “segredo de Justiça”. “O Ministério Público não deixa de investigar todos os factos susceptíveis de integrarem eventuais ilícitos criminais”, acrescentou apenas fonte do gabinete de Joana Marques Vidal.
Há, segundo avança o diário i, outros indícios que comprometem Macedo. Por exemplo, nas vésperas do Natal de 2013, Zhu Xaiaodong (um dos empresários chineses constituídos arguidos no processo), em agradecimento ao então ministro, ofereceu-lhe três volumes de tabaco e duas garrafas de vinho. E Macedo terá retribuído, oferecendo-lhe dois bilhetes para a final da Liga dos Campeões, angariados junto do presidente da Federação Portuguesa de Futebol.