Chainho de amigos

Um encontro com António Chainho não é para falar de um disco, ou só de um disco, por muito importante que este seja. Não nos perdemos em salamaleques reverenciais, mas o tempo voa porque a conversa é desfiada com a mesma vivacidade e engenho com que o guitarrista de 77 anos enche o palco sonoro.…

Cumplicidades é o nome do álbum que celebra as cinco décadas dedicadas à guitarra portuguesa. Sendo um álbum de colaborações, e tendo em conta o título poder-se-ia esperar que contasse com as participações de músicos como Carlos do Carmo ou Rodrigo. Mas António Chainho não foi por aí. Escolheu um leque variado, de gerações mais novas e de sonoridades bem diversas, de Sara Tavares a Fernando Ribeiro (dos Moonspell), do basco Kepa Junkera ao trompetista Raul d'Oliveira. Mas também de outras colaborações mais habituais, casos de Filipa Pais e de Ana Vieira. E chegou a gravar com uma pessoa que ainda não conheceu, a Vanessa da Mata. “Queria ter um cantor brasileiro, porque considero que o Brasil tem a melhor música popular do mundo. Pensei em convidar a Maria Bethânia, mas também está a comemorar os 50 anos de carreira e estava a gravar na mesma altura do que eu. A editora, a Sony, sugeriu a Vanessa da Mata”.

Quanto aos restantes, Chainho desconhecia a admiração que alguns tinham pelo seu trabalho, mas outros há muito estavam rendidos à sua arte. “Por exemplo, o Pedro Abrunhosa, que conheci há muitos anos quando ele apareceu. Disse-me na altura que gostava de trabalhar comigo. Mas cada um seguiu o seu caminho. Quando lhe liguei mostrou-se muito honrado e encontrámo-nos logo na semana seguinte”.

Destaca ainda outros encontros, que revelam verdadeiras cumplicidades. “O Rui (Veloso) é uma máquina. Combinámos encontrar-nos em casa dele para jantar. E convidou um amigo que veio de propósito do Porto para fazer francesinhas. E eu que não gostava muito de francesinhas! Foi uma noite memorável. E depois voltei lá três vezes para tocar no estúdio. Já o Paulo de Carvalho, tinha tocado num disco dele. Pediu-me para fazer a letra e fiquei muito feliz porque me revi na minha vinda do Alentejo para Lisboa. Uma grande surpresa para mim foi o lado fadista da Ana Bacalhau. Quando esteve aqui em casa fiquei rendido à sua interpretação. Fiquei arrepiado”.

Chainho mostra-se satisfeito com o resultado final. “O disco encheu-me as medidas porque teve um produtor que ajudou muito o trabalho, que é o Ciro Bertini, e por ter todos estes cantores de qualidade”.

Cúmplices em palco

À venda desde o passado dia 23, Cumplicidades vai ser apresentado ao vivo pela primeira vez no dia 10 no Centro Cultural de Belém. Um momento especial, porque António Chainho vai conseguir reunir à sua volta vários dos cúmplices. Além das vozes de Ana Vieira e Filipa Pais, do baixo de Ciro Bertini, da viola de Tiago Oliveira e da percussão de Ruca Rebordão (músicos que o acompanharão em futuros concertos), estão garantidas as presenças em palco de Ana Bacalhau, Helder Moutinho, Paulo de Carvalho, Paulo Flores e Pedro Abrunhosa.

Chainho tem 77 anos. Como é que o envelhecimento afecta a destreza e a capacidade de tocar? “Para as faculdades não se perderem tanto tenho de trabalhar o dobro. Para preparar estes espectáculos tenho de trabalhar quatro ou cinco horas por dia”. E explica o porquê. “Muitas vezes não é só não ter a facilidade de execução, mas a confiança. Era uma coisa que falava com o Carlos Paredes. Ele contava-me que se o convidassem para um concerto com pouca antecedência recusava. A preparação tem de ser feita para que a parte psicológica não ser ultrapassada pela técnica dos dedos”.

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