"Num país com uma produção cinematográfica incipiente, onde os filmes servem, muitas vezes, de inspiração para bocejos e anedotas, nasceu e viveu, ao longo de mais de cem anos, um dos nomes maiores do cinema ocidental", escreve a autora nas primeiras páginas deste livro, a propósito do realizador português que morreu a 02 de Abril aos 106 anos.
Em declarações à agência Lusa, Rute Silva Correia explicou que começou a preparar o livro em 2011 e quis mostrar "o lado mais intelectual" do cinema português. Esta biografia foi concluída a 01 de Abril, na véspera do realizador morrer, disse.
"Tinha feito um livro sobre a Maria Eugénia e uma tese de mestrado sobre Agustina Bessa-Luís. Depois pensei em Manoel de Oliveira, que teve uma vida preenchidíssima. Foi um processo longo de pesquisa", disse.
Em cerca de 200 páginas, acompanhadas de várias fotografias, a autora conta a vida de Manoel de Oliveira – com os capítulos repartidos por décadas – recorrendo a outras biografias já editadas sobre o realizador, entrevistas gravadas, depoimentos de quem trabalhou de perto com ele, tudo com um enquadramento social e cultural da época.
"Nascido e criado na alta burguesia portuense, Manoel de Oliveira era o apanágio daquela cultura urbana tão característica, e aparentemente paradoxal para quem não conhece o Porto; uma conjugação da educação conservadora com um idealismo quase revolucionário. Nunca seria um cineasta do regime, nunca aceitaria encomendas do regime. Por outro lado, obedecendo ao primordial respeito pela hierarquia, nunca seria um militante da oposição", lê-se no livro.
Segundo Rita Silva Correia, Manoel de Oliveira sabia que este livro estava a ser preparado, mas não participou nele, nem foram feitas entrevistas. Entre a documentação consultada está o processo do realizador na PIDE, quando foi detido na década de 1960.
"Manoel de Oliveira – O homem da máquina de filmar" traça o perfil de um "humanista não político" cujo cinema contém "temas fundamentais da cultura ocidental": "das configurações do divino, do mal e da compaixão à reflexão sobre a condição humana, os convencionalismos sociais do amor e as suas subversões, para não falar na recorrência a textos nucleares da literatura portuguesa".
Rute Silva Correia recorda quando Manoel de Oliveira foi à Alemanha de Leste estagiar nos laboratórios da AGFA e regressou "com um monte de latas de película a cores", para rodar o documentário "O Pintor e a Cidade"; as primeiras presenças em Cannes; a relação com o produtor Paulo Branco e com a escritora Agustina Bessa-Luís; o impacto do filme "O amor de perdição".
"Assumia-se responsável pelos seus filmes, mas não pela idade, um capricho da natureza. Sem pressa de chegar ao outro mundo. A sua maior preocupação era não ter tempo para deixar feitos todos os filmes que gostaria. Não sabemos se no outro mundo se podem fazer filmes. Certos só temos aqueles que o cineasta, que quer ser escritor quando nascer outra vez, por aqui foi filmando", assina a autora.
Rute Silva Correia, que nasceu em Lisboa em 1981, tem formação em comunicação social, estudos românicos, música e fotografia. É autora do livro "Maria Eugénia — A Menina da Rádio" e do romance "O ano em que não ia haver verão".
Lusa/SOL