Ricardo Salgado não será o responsável único pelos factos que conduziram ao colapso do banco e do grupo. Os seus familiares e os antigos gestores serão co-responsabilizados. A supervisão está mais activa e atenta do que no passado, mas ainda assim falhou e há espaço para melhorias. Incluir ou excluir o Governo da decisão de intervir no BES é o tema que cria maior discórdia entre os partidos.
As mais de 240 horas de audições reflectem-se em 422 mil sugestões de páginas na internet quando se faz uma pesquisa no Google. Dos trabalhos ficam muitas citações emblemáticas, acusações, contradições, apenas dois pedidos de desculpa e muitas lições para o futuro.
Ricardo Salgado é sinónimo de…
Caracterizar Ricardo Salgado até ao final de 2013 era um exercício relativamente simples: era o 'dono disto tudo' ou o 'banqueiro de todos os regimes'. Hoje, a resposta não é unânime. “O principal responsável” é a resposta lacónica mas assertiva do deputado do PS, Pedro Nuno Santos.
Miguel Tiago do PCP afirma: “Um capitalista que capturou parte do poder político e que montou um esquema de acumulação de dívida à custa da confiança dos depositantes, da economia portuguesa, muitas das vezes com cobertura legal”. A deputada do CDS Cecília Meireles ironiza a astúcia do ex-banqueiro: “Muito rápido a apontar responsabilidades a outros, mas incapaz de assumir a sua”.
O próprio Ricardo Salgado diria que foi caracterizado “com algumas classificações ridículas e irrisórias” e que sempre se considerou “idóneo”. “Hoje, sou um homem a lutar pela minha honra e dignidade da minha família”.
Caracterização do BES e do GES
Nas palavras do PS, o BES e o GES eram “instituições falidas” há muitos anos, exemplos de “má gestão” para o CDS e grupos “monopolistas” e paradigmáticos do “capitalismo” para o PCP. Salgado contestou, ainda no Parlamento, estas visões: “O GES era um grupo estruturante e um centro de racionalidade” e “investiu 8 biliões de euros em Portugal”.
Momentos cómicos
Há vários episódios caricatos, como a crise de urticária que a sala 6 do Parlamento provocou a dois deputados do PSD. Regra geral, os deputados mostram-se contidos a mencionar episódios cómicos, já que a gravidade e a complexidade dos temas em análise exigia seriedade. Mas existiram vários momentos de descontracção.
“Houve alguns momentos cómicos, mas nasceram quase todos do cansaço e não das situações em si”, diz a deputada do CDS.
O PCP recorda uma questão feita por um dos depoentes: “Oh, senhores deputados, há dez anos, quem não confiava no Dr. Ricardo Salgado?”. Os deputados comunistas Miguel Tiago e Bruno Dias levantaram o braço, gerando alguma risada.
Pedro Nuno Santos escolheu o 'episódio gajo', com o PS: “Quando o meu camarada José Magalhães se esqueceu de desligar o microfone, enquanto trocava impressões comigo”. Após entregar documentos a Manuel Fernando Espírito Santo, José Magalhães afirmou: “Estou só a distrair a atenção. A pergunta não é sobre o documento (…) É uma questão de desequilíbrio, mais nada. O gajo não sabia que tínhamos o documento”.
Episódios lamentáveis
Para quem acompanhou os trabalhos da comissão, afirmar “agora tive uma Bava” é sinónimo de “não ter memória, não saber, não ter informações, não poder responder” e muitas outras variantes lexicais do esquecimento protagonizado por Zeinal Bava.
A audição ao ex-presidente da PT é, por isso, o momento mais lamentável para a deputada do CDS. Mariana Mórtagua, a deputada-estrela do BE, chegou mesmo a embaraçar o gestor: “É um bocado amadorismo para quem ganhou tantos prémios de melhor CEO do ano, da Europa e arredores, não é?”.
O PCP recorda os ex-governantes que se recusaram a ir ao Parlamento e “o bloqueio às perguntas do Partido Comunista ao Presidente da República”. O PS lamenta as “sucessivas desculpas de José Guilherme para fugir ao escrutínio da Comissão”.
Audições mais complicadas
Para o PS, a audição mais fácil foi a do commissaire aux comptes. Afinal, Machado da Cruz não estava em parte incerta, foi ao Parlamento e adoptou uma postura “cooperante”. Do outro lado do barómetro está “Zeinal Bava, porque obstaculizou o esclarecimento dos factos”. O CDS apontou as últimas audições como sendo as mais fáceis, “porque serviram sobretudo para esclarecer contradições e pontas soltas”, ao passo que o carácter mais técnico do testemunho do presidente da KPMG tornou a audição complicada. O PCP invocou maiores dificuldades nas audições a Ricardo Salgado, Carlos Costa, Machado da Cruz e José Castella.
Elogios e críticas
O método utilizado por Fernando Negrão na presidência da comissão, bem como o seu rigor e imparcialidade, são elogiados entre os deputados. Entre as críticas, Zeinal Bava é recordado outra vez: “Gozou com o Parlamento, mas quem ficou mal foi o antigo melhor gestor do mundo”, afirma o deputado do PS.
Processos em curso
O BES já conquistou o título de banco com maior número de indícios de fortes práticas irregulares. No Banco de Portugal estão em curso vários processos sancionatórios. As investigações apontam para actos dolosos de gestão ruinosa em detrimento de depositantes, investidores e demais credores.
Do lado do supervisor dos mercados financeiros, foram abertos processos de averiguações preliminares a cerca de 80 investidores que realizaram vendas expressivas de acções ou instrumentos relacionados. Estão também a decorrer processos de contra-ordenação contra o BES e empresas do GES. Todas as situações detectadas pelos supervisores com potencial relevância criminal foram já comunicadas à Procuradoria-geral da República. Há ainda sete processos contra a resolução do BES, que envolvem o Estado, o supervisor e a Comissão Europeia.
Alterações legislativas
No decurso dos trabalhos foram identificadas matérias que carecem de alterações legislativas. Os supervisores e os grupos parlamentares têm em carteira um vasto conjunto de propostas para impedir colapsos idênticos ao do BES no futuro. A composição dos grupos bancários, a relação com partes relacionadas e com entidades em outras jurisdições é uma das áreas que será alvo de atenção. As práticas de governo, gestão e controlo do risco e auditoria deficientes têm espaço para melhorias.
Próximos passos
O deputado Pedro Saraiva, do PSD, tem a responsabilidade de redigir o relatório preliminar da comissão até ao dia 16 de Abril. Os partidos terão sete dias – até 23 de Abril – para apresentar eventuais propostas de alteração. A versão final deverá estar concluída a 29 de Abril. Depois , o relatório será votado e aprovado.
Discórdia entre partidos
Dificilmente haverá consenso na primeira versão do relatório. No entanto, a grande maioria das conclusões do documento deverá merecer pequenos ajustes. A avaliação da actuação do Governo promete ser o ponto mais fracturante. Os partidos da oposição – PS, PCP e BE – apontam o dedo à supervisão e ao Governo. Por sua vez, os partidos da coligação – PSD e CDS – tentarão desresponsabilizar o Executivo.
Envio do relatório à PGR
Tal como já sucedeu noutras comissões, é expectável que o relatório final seja enviado à Procuradoria-geral da República. As matérias de facto apuradas, bem como a documentação recolhida, poderão contribuir para as investigações em curso.
sandra.a.simoes@sol.pt