Os gatos são uma moda, mas não de agora. Abraham Lincoln inaugurou com Tabby uma longa lista de gatos na Casa Branca. O escritor Alexandre Dumas era apaixonado por Mysouff, que o acompanhou enquanto escrevia Os Três Mosqueteiros. O poeta T. S. Elliot coleccionou gatos e nomes curiosos. Mr. Mistoffelles ou Old Deuteronomy são dois exemplos. E Charles Dickens ficou tão abalado com a morte do seu que embalsamou uma das patas e transformou-a num abridor de cartas. Finalmente, Charles Bukowski declarou: “Na minha próxima vida quero ser um gato. Dormir 20 horas por dia e esperar para ser alimentado”. Agora os seus textos sobre estes animais vão ser compilados no livro On Cats, lançado em Outubro deste ano, pela Canongate. Outra obra literária, The Guest Cat, do poeta japonês Takashi Hiraide, atingiu os tops de vendas nos EUA, França e Reino Unido, no ano passado. Tal como os livros de Tom Cox (entre eles O Bom, o Mau e o Felpudo, editado em Portugal), cujo protagonista, o gato The Bear, tem mais de 60 mil seguidores no Twitter. Já A Street Cat Named Bob, que foi vendido em 30 países e esteve no top alemão 27 semanas consecutivas, conta a história verídica do sem-abrigo Bowen e do seu gato Bob.
Estaremos a humanizar os animais de estimação? Maria João Fonseca, directora clínica do Hospital do Gato, em Lisboa, acha que sim. “As pessoas que têm gatos, mesmo aquelas que já os têm há muito tempo, têm igualmente um grande grau de desconhecimento em relação aos seus animais. 80% dos donos inquiridos no nosso estudo desconhecem comportamentos básicos dos gatos e têm tendência a humanizá-los. Resultado: não conseguem perceber os sinais que transmitem e portanto não prestam atenção quando põem as orelhas para trás ou abanam o rabo – sinais claros que não estão a gostar de algum comportamento do dono. O melhor é parar”, adverte a especialista.
Com uma estimativa que pode chegar a 992 mil gatos em Portugal, e aos 500 milhões em todo o mundo, o mercado está de olhos abertos para a população felina. No campo da medicina desdobram-se os estudos que demonstram benefícios claros do relacionamento entre pessoas e felídeos (ou entre pessoas e cães). O Medicall College of Georgia, nos EUA, demonstrou que crianças que crescem com cães e/ou gatos em casa apresentam uma redução de alergias em 50%.
Um estudo da Universidade de Wisconsin-Madison (EUA) vai pelo mesmo caminho ao indicar que uma criança que cresça com estes animais domésticos tem menos 30% de probabilidade de desenvolver asma. Por outro lado, o psicólogo Hal Herzog, no livro Some We Love, Some We Hate, Some We Eat (Alguns Adoramo-los, Alguns Detestamo-los, Alguns Comemo-los), apresenta outro estudo, segundo o qual um animal doméstico aumenta a esperança de vida de doentes cardíacos e diminui os níveis de depressão em idosos. Mas a ciência está a dar um passo ainda maior ao basear a investigação no pressuposto de que humanos e gatos partilham perfis genéticos que os faz serem susceptíveis a doenças como diabetes, asma e cegueira. Stephen O'Brien, geneticista do Theodosius Dobzahansky Centre em São Petersburgo, explicou ao The Guardian que os investigadores estão a trabalhar num projecto chamado 99 Lives (99 Vidas) que tem como objectivo determinar o perfil genético exacto de 99 gatos domésticos. Espera-se que os resultados ajudem a comunidade científica a chegar a novos tratamentos quer para pessoas quer para felídeos, além de ajudar os zoólogos a investigar a história evolucionária destes animais. Investigadores avançam até que o próprio ronronar (que se situa entre os 20 e os 140 Hertz) tem benefícios terapêuticos ao nível do bem-estar dos donos (estimando que os donos de animais domésticos vivem mais tempo), baixando os níveis de stresse e a pressão sanguínea, reduzindo em 40% as probabilidades de um ataque cardíaco. Os responsáveis por estes estudos vêm da Universidade da Carolina do Norte, que garante que o ronronar facilita também a cicatrização, aumenta a densidade óssea e tem propriedades anti-inflamatórias.
Jorge Cid, veterinário e presidente da Associação Portuguesa de Médicos Veterinários Especialistas em Animais de Companhia, subscreve estas conclusões: “Há até estudos que dizem que o convívio de um adolescente com um animal – neste caso, um gato – aumenta o aproveitamento escolar”.
Tendo por base estes benefícios, na Ásia proliferam, desde 1998, os cafés especializados em gatos. No Japão, onde estes espaços florescem, é possível pagar 3 euros por meia hora em contacto com estes animais. Uma das razões para o sucesso deste negócio (só em Tóquio já há 40 espaços destes) é que em muitas casas japonesas é proibido ter animais de estimação.
Com efeitos mais práticos e ainda mais mediáticos, chegam histórias de gatos que 'salvaram' a vida dos donos. Susan Marsh-Armstrong, diabética, desmaiou devido a um pico de hipoglicemia durante a noite na sua casa de banho. Segundo contou ao The Guardian, foi o gato Charley que foi acordar o marido à cama para lhe dar uma injecção de emergência. Outra gata, Masha, salvou um bebé no frio da Rússia, aquecendo-o, e colocou a cidade de Obninsky no mapa. Alguns meses antes, tinha sido Tara, uma gata doméstica, a salvar Jeremy Triantafilo, de quatro anos, que estava a ser atacado por um cão. O vídeo correu a internet e a gata tornou-se uma celebridade.
Mas nem sempre as relações entre pessoas e gatos é assim tão harmoniosa. Os problemas de comportamentos em gatos domésticos levou o Hospital do Gato a convidar Vicky Halls, uma enfermeira especialista em felídeos e autora de seis livros sobre o assunto (entre eles Cat Confidential, The Secret Life of Your Cat e Cat Detective, este último com tradução portuguesa), para uma palestra em Lisboa no passado mês de Março. Com uma plateia cheia, a mensagem principal foi “não há dois gatos iguais” mas há formas de compreender melhor estes animais, que, segundo estudos recentes, não foram domesticados, mas antes se domesticaram a si próprios. Ou seja, optaram por ficar perto de humanos para usufruir de alimentação e protecção. “As pessoas têm que perceber que os gatos são caçadores e por isso vão defender-se quando se sentirem ameaçados”, defende Vicky Halls. “Mas a verdade é que se forem criados com humanos, vão beneficiar da interacção social com estes. No entanto, os donos têm que perceber que estar na mesma divisão do que o gato, já é uma enorme interacção. Agora imagine pegar-lhe ao colo. É quase uma invasão de privacidade!”. A 'encantadora de gatos' continua: “Para o gato, sentar-se ao lado dos donos é já uma enorme demonstração de afecto”.
Para a especialista, “não há gatos agressivos, há gatos em que a agressão é um problema comportamental, consequência de um estado emocional”. Vicky Halls considera que normalmente este tipo de comportamento traduz medo, frustração, defesa ou até dor. Maria João Fonseca, do Hospital do Gato, realça que “antes de se tornar agressivo, o animal já deu sinais que alguma coisa não estava bem. A questão é que os donos insistem nas festas, no pegar ao colo e depois acabam por ser mordidos ou arranhados. Depois há os gatos que foram recolhidos na rua e que levam algum tempo a habituar-se ao ambiente 'de casa'“. Por isso, Maria João adverte que qualquer pessoa que vai adoptar um gato deve informar-se sobre as particularidades do animal – se foi sociabilizado com outros nas primeiras semanas de vida, sem tem vacinas em dia, se está desparasitado. “Se chega cá uma pessoa para adoptar um gato e está muito preocupada com os pêlos, com o não entrar no quarto dos donos, com mantê-lo apenas numa parte da casa, desaconselho-a vivamente a adoptar. Os gatos são naturalmente territoriais e uma porta fechada significa que não está a 'controlar' a situação. Quanto aos pêlos, temos os Esfinge, totalmente sem pêlo. É a única solução”, aconselha com ironia.
patricia.cintra@sol.pt