Pesadelo somali regressa ao Quénia

O mais mortífero ataque terrorista dos últimos 17 anos, que no dia 2 roubou a vida a 147 pessoas na Universidade de Garissa, voltou a expor a ineficácia da luta do Governo queniano contra o grupo somali al-Shabab. O líder da oposição – que iniciou o combate aos islamistas na Somália em 2011, era então…

Pesadelo somali regressa ao Quénia

Foram mais de 15 horas de terror no campus universitário de Garissa, cidade situada a cerca de 150 quilómetros da fronteira com a Somália. Com o nascer do dia, quatro homens armados passaram facilmente pelos dois únicos guardas do complexo antes de invadir os dormitórios onde repousavam mais de 800 alunos.

Os relatos de quem sobreviveu mostram um método semelhante aos das dezenas de ataques que já levaram à morte de mais de 400 quenianos desde o início das operações contra o grupo somali que tem ligações à al-Qaeda.

Os homens encapuçados gritaram para os alunos saírem dos seus quartos, prometendo poupar a vida a quem o fizesse voluntariamente. Muitos estudantes acreditaram, mas nem todos tiveram o destino prometido: tal como no ataque a um luxuoso centro comercial de Nairobi – onde em 2013 o al-Shabab fez 67 vítimas -, os terroristas questionaram e verificaram a filiação religiosa dos estudantes, poupando apenas os muçulmanos. A maioria cristã foi alinhada nos corredores e executada com tiros na cabeça. Pelo meio, muitos foram obrigados a telefonar aos pais, para os informar de que estariam prestes a dar a vida por uma retaliação do al-Shabab contra a intervenção militar do Quénia no seu país de origem.

No próprio dia, o motivo era confirmado na reivindicação do ataque por parte da liderança do al-Shabab. Em comunicado, o grupo islamista lembrou uma velha reclamação somali sobre o território do Leste do Quénia, onde se inclui Garissa, que apelidou de “terra muçulmana colonizada”. E justificou a escolha da universidade com o facto de a considerar “parte do plano queniano para espalhar o seu cristianismo e a infidelidade”.

Críticas a Kenyatta

O ódio pelo sistema de ensino – partilhado por outros grupos islamistas africanos, como o Boko Haram – não é uma novidade no al-Shabab, o que motivou críticas da imprensa e da oposição queniana face à falta de segurança num alvo provável de terrorismo. Mas a acção do Governo presidido por Uhuru Kenyatta tem estado no centro das críticas principalmente devido ao tempo que a força de elite do exército levou a chegar ao local do atentado.

Baseada em Nairobi, a 370 km de Garissa, a equipa terá chegado mais tarde ao campus universitário do que jornalistas e políticos que também estavam na capital quando se iniciou o ataque. Um atraso importante, tendo em conta que essa força terminou rapidamente com um ataque que se prolongava há 15 horas, durante as quais o reduzido número de atacantes conseguiu repelir a acção dos militares instalados em Garissa.

Kenyatta, que na véspera criticara o facto de Reino Unido e Austrália avisarem os seus cidadãos para o perigo de viajar para o Quénia – “não ouvi nada sobre avisos de viagens para Paris, onde recentemente se deu um ataque terrorista” -, decretou três dias de luto nacional. E admitiu que a “prevenção do terrorismo é dificultada pelo facto de os planeadores e financiadores desta brutalidade estarem profundamente inseridos” na sociedade queniana.

O Presidente apelou à comunidade muçulmana do país – cerca de 10% dos 44 milhões de quenianos – para que esta ajude à denúncia de um radicalismo que diz “não nascer da noite para o dia”. Kenyatta considera que este é fomentado “à luz do dia, nas madraças, nas casas e nas mesquitas com imãs radicais” e a sua tese é apoiada pela identificação do principal suspeito do planeamento do ataque de Garissa: Mohamed Mohamud, um antigo professor da madraça da cidade que o Governo considera ser líder de uma “extensa rede terrorista no interior do Quénia”.

O Executivo oferece 20 milhões de xelins quenianos (cerca de 200 mil euros) a quem ceder informações que levem à captura de Mohamud, já depois de ter detido um guarda da universidade e de um cidadão da Tanzânia, acusados de cumplicidade no ataque. E a Força Aérea do país bombardeou duas bases do al-Shabab no Sul da Somália, numa operação que os responsáveis garantem não ser de retaliação.

Trata-se apenas de mais uma incursão no conflito iniciado no final de 2011 pelo então Presidente Raila Odinga, que agora diz ser tempo de repensar a estratégia: “Os EUA costumavam ter muitos soldados na Somália, mas retiraram. O Quénia também devia retirar os seus soldados da Somália”, disse o agora líder da oposição de um país onde já se discute a construção de um muro ao longo dos 700 km de fronteira com o vizinho islâmico. O ministro do Interior, Mwenda Njoka, já anunciou a primeira construção entre Mandera (Quénia) e Bulahawa (Somália), cidades que diz estarem “juntas uma à outra sem se conseguir dizer onde começa uma e acaba a outra”.

nuno.e.lima@sol.pt