O fungagá musical

Assim que Beatriz Noronha coloca os instrumentos no chão, individualmente à frente de cada aluno, alguns tentam agarrá-los de imediato. A professora lembra que têm de ser pacientes e que só quando terminar de distribuir todas as pandeiretas e maracas é que podem pegar-lhes. A aula vai a meio, já há alguma excitação entre as…

O fungagá musical

Controlar assim mais de 20 alunos de um e dois anos só é possível, diz Beatriz Noronha, porque os conhece desde o berçário, quando começou a transmitir-lhes estímulos musicais. É por isso com alguma destreza que hoje seguem as instruções da educadora, tocando os instrumentos grande parte das vezes nos tempos e nos ritmos certos. “Há adultos que não conseguem marcar os compassos assim”, diz orgulhosa, especialmente tratando-se de alunos que estão agora a começar a falar. 

Mas o que levou esta arquitecta e cantora (lançou este mês, com o nome artístico Bia, o seu disco de estreia a solo, Chi-Coração) a dar aulas de música a bebés? “Há uns anos a vida levou-me a estar ligada às pediatrias dos hospitais e, para distrair as crianças internadas, comecei a levar a guitarra e canções nas minhas visitas”, recorda. Ao testemunhar a reacção efusiva das crianças internadas, Beatriz começou a interessar-se pelo tema e a pesquisar informação sobre pedagogia musical. Foi assim que decidiu apostar em formação – “até porque a arquitectura já estava pelas horas da amargura” – e tomou conhecimento da metodologia desenvolvida por investigadores como Edwin Gordon e compositores como o alemão Carl Orff, autor da cantata Carmina Burana.

A teoria de Gordon defende que a música é apreendida da mesma forma que a nossa língua materna: primeiro ouvimos outros a falar, numa segunda fase tentamos imitar, depois começamos a improvisar, pensando através da língua, com as palavras a terem sentido à medida que ganhamos experiência e conhecimentos. Por fim, somos capazes de criar as nossas próprias frases e organizá-las de uma forma lógica, até aprendermos a ler e a escrever.

E é isso mesmo que Beatriz Noronha constata nas aulas que lecciona no Infantário Piloto Diese, onde a classe de música faz parte integrante do programa desde os quatro meses. “Acredito que quanto mais cedo uma pessoa tiver formação musical, mais desenvolvida será. Tenho cerca de 500 alunos, dos zero aos cinco anos, e muitas vezes são os próprios pais que comentam que sentem que os filhos que têm música desde os primeiros meses estão mais desenvolvidos para a idade”.

Segundo a professora, contribui para esse crescimento mais acentuado o facto de as aulas não se resumirem a cantar, entreter ou descobrir que há instrumentos que emitem sons. “Estas aulas são de uma exigência brutal. Não estou aqui para ser 'fofinha'. Tenho momentos 'fofinhos', claro, mas puxo por eles para descobrirem o alcance da voz, através da exploração de entoações diferentes, e a coordenação do corpo com a marcação de compassos”. A par disso, reforça, já há vários estudos científicos que mostram que a actividade do cérebro é mais rica em indivíduos que estudam música. “Está provado que as ligações entre os hemisférios do cérebro são fisicamente mais grossas em quem aprendeu o vocabulário musical desde cedo”.

Actualmente, Beatriz tem mais de 500 alunos, mas salienta que isso não significa que, no futuro, haverá mais meio milhar de músicos no país. “Mais inteligentes, talvez”, afirma.

Uma das suas alunas é a pequena Camila, de dez meses, que acompanha hipnotizada a cadência do ocean drum, um instrumento musical de percussão que reproduz sons que se assemelham às ondas do mar.

“Quando as minhas filhas mais velhas vieram para esta escola, a música para os mais pequeninos era opcional. Mas acho óptimo que tenha passado a fazer parte do programa porque sempre ouvi dizer que a música estimula outras áreas. Eu estudei música desde os seis anos e sempre fui boa aluna. Se está directamente relacionado não sei, mas é um facto”, comenta Mariana Santa Marta, a mãe de Camila.

As aulas para bebés são, muitas vezes, as mais exigentes porque é difícil manter a atenção por muito tempo dos mais pequeninos, especialmente quando, nestas idades, a sua única participação é observarem. Mas ao fim de 30 minutos, quando começam os primeiros protestos irrequietos, Beatriz comenta que esta aula correu muito bem. “Havia bebés novos, que nunca me tinham visto na vida, e não choraram”. Ajuda o facto de a professora ir munida com imensos apetrechos para os estimular e não ter medo de fazer 'má figura'. “Isto não é para todos. Não basta ter formação e saber de música. Na maior parte das vezes temos de ser palhaços porque estas aulas têm de ser uma valente diversão”. 

alexandra.ho@sol.pt