Se António Sampaio da Nóvoa, o intruso de quem se fala, fosse um candidato assim tão mau e irrelevante, não se perceberia a enorme agitação que gerou. O antigo reitor de Lisboa provoca erisipela à direita por causa do cravo ao peito e traz de volta divergências mal resolvidas num PS cuja direcção deve ter perdido o número de telefone do seu candidato preferido para lhe poder perguntar se quer ou não avançar. Ou ele não lhe atende as chamadas, o que também será revelador.
O “ilustre desconhecido” – “ilustre” serve apenas para apoucar o antigo reitor – não tem a notoriedade dos protocandidatos que há anos desfilam nas televisões, nem do ilustre ausente com que o PS ainda sonha. Mas a omnipresença mediática durante anos a fio não traz apenas vantagens a quem dela usufrui. Podendo realçar as qualidades, também revela os defeitos e as fraquezas de quem se expõe.
Tal como Henrique Neto, Sampaio da Nóvoa tem de se apresentar mais cedo para se dar a conhecer. Não pode permitir-se o luxo de um Marcelo ou de um Santana, que têm tribunas televisas há anos, e muito menos de um Guterres, que dirá o 'sim' ou o 'não' quando mais lhe convier, confiando que, se o 'sim' ainda for hipótese, basta anunciá-lo dois ou três meses antes das eleições para as ganhar. Cada um gere o calendário como entende e de acordo com as suas circunstâncias porque uma candidatura presidencial é, ou deve ser, antes de mais, a decisão livre de um homem só.
É por isso que choca a violência com que, à direita como à esquerda, mas sobretudo no PS, foi recebida a notícia de que Sampaio da Nóvoa quer entrar na corrida. Choca, mas não surpreende. Algumas das fragilidades que lhe apontam são precisamente os seus melhores trunfos. Começando pela autonomia com que se apresenta e pela circunstância de vir de fora do sistema partidário, sem o qual, é certo, nenhum Presidente foi eleito antes, mas cuja força condicionadora é bastante menor hoje do que no passado ainda recente. Rui Moreira, o presidente da Câmara do Porto, aí está para o demonstrar. E não consta que, com a sua eleição, a democracia tenha corrido risco algum.
Todos somos VIP
O caso não se resolve na Justiça, mas é bom que a Justiça investigue, como foi anunciado, sem esperar pelo inquérito decidido pelas Finanças. O acesso aos dados fiscais dos cidadãos por milhares de pessoas que nem sequer são funcionários da Autoridade Tributária é um escândalo que envergonha o tão gabado Estado de Direito, cobrindo-o de ridículo. A vida privada dos contribuintes, em praticamente todos os domínios, está nas mãos do fisco. Não pode o fisco abrir mão da sua responsabilidade de a preservar. Ao delegar em terceiros, como parece estar a acontecer, faculdades que não devem ser delegadas, o Estado torna-se cúmplice activo de todas as canalhices e negociatas que podem ocorrer por essa via.
Garissa, Quénia
Contaram-se 147 corpos espalhados pelas salas e corredores da Universidade. Um a um, receberam o tiro na nuca destinado aos que não sabiam recitar o Corão. A guerra global alastra, enquanto o mundo assiste, sentado e quieto. A 'comunidade internacional' é uma ficção. A ONU não existe. A barbárie avança, o horror banaliza-se e, um dia, deixará até de haver notícia. É um assunto daqueles que o sofrem. E, como bem sabemos hoje, Garissa, Quénia, pode ser qualquer lugar.
Nota – No comentário da edição anterior sobre as eleições na Madeira, escrevi que “o BE colapsou” quando foi o partido que mais subiu. Troquei os resultados de 2015 com os de 2011. As minhas desculpas aos leitores e ao Bloco.