Importante praça-forte, Almeida foi protagonista em vários episódios da história portuguesa, reforçando a sua condição de local estratégico. Do tempo em que os mouros povoavam aquele extremo geográfico até às Invasões Francesas, vários e ricos são os momentos em que os nossos monarcas depositaram toda a confiança na capacidade defensiva de Almeida, como porta de entrada no território português. Vale a pena conhecer a história de Portugal através das histórias de Almeida.
Contudo, se no passado esta vila se distinguiu pela sua posição estratégica e capacidade defensiva na manutenção da independência de Portugal, sobretudo dos perigos vindos de Castela, hoje sobressai a sua capacidade de estabelecer relações com os amigos do lado de lá da raia. Esse é o espírito da comunidade e também da Confraria Gastronómica dos Aromas e Sabores Raianos, que se esforça por promover o território e a gastronomia de Almeida, não esquecendo as cumplicidades com as populações para além da fronteira. Além de tudo, esta atitude mostra como as identidades se formam no cruzamento do espaço e do tempo e sobrevivem a contendas de séculos, pois são os homens que se cruzam na fronteira e que sabem o valor da cumplicidade.
A Confraria Gastronómica dos Aromas e Sabores Raianos leva este preceito muito a sério e, por isso, desde 2010, contamos com um grupo de confrades que acreditam que numa acção conjunta entre 'portugueses de cá' e 'espanhóis de lá' se pode ultrapassar as dificuldades de lugares que, independentemente das fronteiras que os separam, vivem problemas comuns. Assim, percebendo o que os une mais do que os separa, confrades de Almeida e de Ciudad Rodrigo criaram uma confraria gastronómica, mostrando como esta instituição ibérica pode contar também a história da aproximação de comunidades. Nas palavras dos confrades desta Confraria, “aqui não temos fronteira. Os nossos vizinhos de lá não são inimigos de ontem, mas os nossos irmãos da raia com os quais, em parcerias, podemos constituir um mundo melhor superando as crises que ciclicamente nos afectam”. É salutar este espírito que mostra uma descomplexada atitude com o passado e onde, em vez de contendas ou possíveis invasões, se escolheu a parceria entre 'os de cá' e 'os de lá' da raia para criar desenvolvimento sustentável.
Dizem os confrades que Portugal não é só litoral. De facto, atrevemo-nos a dizer que Portugal não é, sobretudo, litoral. Encontramos Portugal neste vasto território que acompanha a raia e que nos surpreende pela paisagem ainda virgem da descaracterização do litoral e onde as populações, conscientes do que os identifica, escolhem caminhos de parceria e de cumplicidade para promover o seu território que, em situação alguma, se deixa dividir por uma fronteira.
Esta é talvez a maior lição desta confraria. Pois, a defesa, a promoção e a valorização da gastronomia local é já o seu dever estatutário. Evidência desta atitude própria das gentes da raia, que se estimam e respeitam, é a celebração da sua VII cerimónia capitular em território para lá da raia em Ciudad Rodrigo. Com um protocolo e um programa lúdico muito atractivo, será uma oportunidade de descobrir o excelente trabalho desenvolvido por esta confraria que se empenha na construção de um “mundo melhor”.
Até a gastronomia local mostra como a proximidade entre Almeida e Ciudad Rodrigo é também o ponto forte da alimentação de séculos. Releva, necessariamente, em território do planalto, o marrano que era morto no entrar do Inverno e as suas carnes e partes várias objecto de imensas utilizações e propósitos. As carnes nobres tinham como destino a salgadeira, as menos nobres os enchidos que, no resto do ano, serviriam de alimento a um povo habituado à agrura da escassez alimentar. São esses sabores e aromas que os confrades desta confraria 'juraram a pés juntos' fazer renascer, dando a todos os que os visitam uma oportunidade de conhecer a gastronomia local. Gastronomia que, tal como o território, mistura os temperos, o saber-fazer, as tradições de 'cá e de lá' da raia.
Distantes geograficamente, estes confrades demonstram que as confrarias podem e devem servir para criar laços. Podem e devem servir para promover territórios no seu todo, além da gastronomia. Podem e devem servir para atrair visitantes a locais onde a mão do homem se faz notar num cenário em que o céu e a terra se confundem e se tocam. Talvez, esta atitude seja o reflexo da memória que ficou dos que fizeram a história de Almeida e da raia e que sempre souberam que para além das fronteiras vivem homens com plena noção da humanidade que os absorve.