Voltando ao reconhecimento do público. Qual é o momento em que sente que as pessoas começam a olhar para si e o que muda na sua vida?
Foi no primeiro trabalho que fiz em televisão, para a SIC, a série Clube dos Campeões. A exposição é tão grande que acho que fiquei mais complexado. Por um lado é bom, gostas de ouvir as reacções das pessoas… Mas, por outro lado, é um choque muito grande porque não sabes como te comportar. Depois vais aprendendo a lidar com isso, mas, à medida que vais criando maior admiração por ti ou pelo teu trabalho, mais complexado vais ficar.
Como foi a fase do deslumbramento?
Foi boa, mas rapidamente percebes que isto é uma máquina trituradora, é fast-food. Felizmente tenho a formação toda em teatro e só comecei a fazer televisão mais tarde e não é o boom que é hoje. Tinha a noção das duas coisas, faço isto como opção de vida e não pela fama e pelo dinheiro. Obviamente que isso também é bom, mas é mais do que isso.
Recorda-se de cenas desagradáveis?
Sim, mas ainda hoje acontece. Tenho pessoas que me deixaram bilhetes muito descarados no vidro do carro, pessoas que me riscaram o carro, que não me bateram porque me defendi, em quem não bati porque as defenderam…
Já andou à pancada?
Sim, lá perto. Por todos os motivos: porque te insultam, porque chamam nomes à tua família, aos teus irmãos, do nada. As pessoas não conseguem separar as coisas, o que é outro problema. Enquanto actor, mexer com elas ao ponto de na rua dizerem coisas horríveis é bom, não sei é lidar com isso.
Já houve pessoas a quererem aproveitar-se do facto de ser conhecido?
Sim, por todos os motivos. Ou para entrar numa discoteca ou para conseguir um contacto ou para conseguir a rapariga ou o rapaz. Ou financeiramente. É terrível porque depois sai nas revistas quanto ganhamos e temos mensagens no Facebook de pessoas a pedirem dinheiro. As pessoas não sabem da nossa vida, sabem lá dos problemas e das dificuldades que temos!
Houve algum episódio fora do comum?
As coisas que mais me chocam são as pessoas que mandam fotografias dos filhos e dos familiares doentes a pedirem dinheiro. Às vezes são imagens que se percebe que são esquemas. Tive um caso muito complicado no Facebook de alguém que me insultava regularmente a mim e à minha família. Tinha uma noção completa de toda a minha vida, inclusive o nome dos meus cães e de onde eu vivia. Aquilo era um misto de u revolta, de sexo, de desejo, de tudo! Regularmente mandava-me fotografias de órgãos sexuais. Contactei a Polícia Judiciária para tratar do assunto e aquilo acalmou um bocadinho, mas é um pânico enorme quando as pessoas sabem tudo da tua vida. Mas de uma forma geral as pessoas são bondosas.
Como é que alguém do teatro se torna uma figura das novelas?
Considero e respeito as artes da mesma maneira, apesar de terem uma abordagem completamente diferente em termos técnicos. Mas, se pudesse, fazia só teatro, a minha grande paixão. Foram-me feitos os primeiros convites para televisão e comecei a gostar da situação económica que a televisão dá. Essa estabilidade é importante para a nossa independência, para a nossa família e para nós próprios. É importante porque queremos passar férias, queremos viajar, e no teatro não se tem isso. Durante muitos anos tive um contrato de exclusividade com a TVI, mas nunca quis deixar o teatro porque é realmente a minha paixão. Ando num duelo de gestão entre a minha verdadeira paixão e a minha paixão financeira.
Isso retrata a esquizofrenia do actor?
[Risos] Sim, bipolar e esquizofrénico. É uma gestão complicada de se fazer porque quero o melhor dos dois mundos e não é possível.
Nas novelas, quais são as situações mais caricatas? Já alguma vez teve de beijar uma actriz com mau hálito?
Então não? Há vários processos, quando uma pessoa tem regularmente mau hálito, tens a cortesia de lhe oferecer uma pastilha elástica. Se ela não quiser, há truques. Começas a ir à produção a pedir para escreverem menos cenas de beijos para ti.
Quem está do outro lado interpreta isso como consequência da sua orientação sexual?
Não tem nada a ver com isso. Acho que sou um bom beijador e já beijei homens e mulheres, em teatro e em televisão, muito bem e com parceiros ideais. Mas também já me aconteceu o contrário. É terrível ter de dar um beijo apaixonado a alguém que está com os lábios tensos e não se mexe. Não passa nada para o espectador. Tive um espectáculo no Teatro Aberto em que precisava de dar um beijo apaixonado a um homem e era difícil perceber porque é que as pessoas não se entregavam de outra maneira. Problemas dessas pessoas. Tenho situações de colegas maldosos aos pontapés. Há colegas horríveis capazes de te lixarem os planos das câmaras, ao ponto de ter de lhes dizer para saírem da frente porque ninguém me vai ver em casa e que aquela atitude não vai fazer dele um melhor actor.
Isso acontece com frequência?
Sim. Ainda não tive de bater em nenhum, o João Perry já bateu em alguns.
Como é contracenar com pessoas que detesta?
Prefiro não contracenar. Pergunto primeiro à produção com quem é que tenho de contracenar, depois, se for mesmo mau, digo que não faço. Já tive de fazer grandes sacrifícios. Tenta-se ser o mais profissional possível.
E cenas de violência?
Essas então são as cenas mais caricatas. Aí usas a coisa a teu favor [risos]. Tive uma cena com um actor, que era um exagerado a representar, e quando há estas cenas, há truques que se usam. Houve uma cena em que ele se esticou e deu-me uma chapada a sério e eu reagi logo. Ele não estava à espera, deu-me outra e eu a seguir dei-lhe outra. Passo-me com truques e falta de profissionalismo dos colegas. Os miúdos novos não têm respeito nenhum pelos colegas, nem pela equipa técnica, que é a coisa que mais me parte o coração porque são as pessoas que estão ali 15 horas e depois são desrespeitadas. Já tive situações de ter sido violento com alguns colegas novos e metê-los no sítio porque não se admite.
Tem feito pouco cinema…
Não tenho feito nada…
Porquê?
Boa questão. Porque faço televisão há muitos anos e ainda existe um grande estigma em relação aos actores que fazem televisão, por alguma razão que não entendo. Em todo o mundo, os actores que fazem televisão, fazem teatro, mas aqui o círculo é tão fechado… A produção também é pouca…
Fez telenovelas de seguida a mais?
Talvez.
Qual foi o momento da sua carreira em que teve de trabalhar, apesar de não lhe apetecer de todo?
Quando morreu o meu avô, por exemplo, estava a fazer O Preço, no Teatro Aberto, e foi muito difícil. Mas também é complicado fazer matinés depois de uma noitada valente… Eu não gosto sempre de ser actor. Gosto muito mais de viajar, de estar com as pessoas, gosto de ser actor de vez em quando. É uma paixão que tenho, obviamente que sim, mas pode não ser para a vida. As paixões não são para sempre, os amores não são para sempre…
Mas podem ser…
Não penso nisso ansiosamente. Se daqui a um ou dois anos disser que tenho uma paixão que é o póquer e me apetecer só jogar póquer, se calhar deixo esta vida.
Joga muito?
Regularmente. Sempre a dinheiro. Na internet, ao vivo com um grupo de amigos e nos torneios no Casino do Estoril e no Casino de Lisboa.
Nunca perdeu muito dinheiro?
Não porque jogo torneios com limites fixos, ou seja, se perder tudo, não posso ir lá comprar mais. Se jogares a cash, podes meter mil euros, podes ir lá buscar mais mil, e podes lá meter a casa, a família, o cão. Nos que eu jogo, é limitado. Perdes as tuas fichas, acabou.
E já ganhou muito?
Como se costuma dizer no meio do póquer, acho que estou up nos torneios ao vivo e down nos torneios online. Ou seja, já ganhei mais do que perdi ao vivo e já perdi mais do que ganhei online. Mas é uma grande paixão que tenho. Outra das grandes paixões que tenho é o desporto e o crossfit, uma modalidade que está a crescer em todo o mundo.
É essa paixão que o leva agora a abrir um ginásio em Faro?
Foi um convite feito por dois grandes amigos que vivem no Algarve e que tinham uma vontade grande de montar uma box, um ginásio de crossfit, em Faro. Pratico a modalidade desde Agosto e fiquei completamente apaixonado. Achei que poderia ser um investimento bom…
E eles acharam que o seu nome era bom?
Obviamente que sim, também foi uma questão importante para eles. Perceberam que eu tinha esse lado mediático que lhes podia ser proveitoso e percebi que o conhecimento da área por parte deles – têm muitos anos de experiência na área – seria a parceria ideal. É mais um desafio.
Além do aspecto financeiro, em que é que se vai concretizar essa parceria no dia-a-dia?
Em nada porque não vou ter tempo [risos]. Tenho dois sócios gerentes que vão lá estar e eu vou estar a fazer televisão e teatro.
Também vai fazer uma peça de teatro agora…
Sim, no Teatro Aberto. Uma peça do americano Lillian Helman, The Little Foxes, com encenação do João Lourenço, com o João Perry, o Virgílio Castelo e a Luísa Cruz. O elenco é maravilhoso e a peça é óptima, trata de questões familiares fortes, heranças, conflitos muito interessantes.
Quando estreia?
Começámos os ensaios agora. O João gosta de fazer dois meses de ensaios, portanto no princípio de Junho. Depois estamos dois meses em cena, ficamos o mês de Agosto de férias, e voltamos para mais um mês em Setembro.
Não se cansa de fazer todas as noites a mesma coisa?
Cansa muito. Tenho de dizer as mesmas palavras, mas não tenho de fazer os mesmos tempos. Mudo algumas coisas. Apesar de ser sempre diferente, é cansativo.
Por que o faz se é cansativo? É masoquista, além de ser bipolar e esquizofrénico?
Acho que são precisamente essas qualidades que fazem de mim um bom actor [risos]. Acho que não sou o melhor actor do mundo, mas considero-me um bom actor. Tenho uma noção justa sobre aquilo que sou, mas não me considero a última Coca-Cola. Alguns traços de personalidade são importantes para ter chegado onde cheguei. Ser bipolar, esquizofrénico, não ter certezas e ter muitas dúvidas, ter instinto e subjectividade, são alguns traços de personalidade que considero importantes para se ser um bom actor.
A nível de actores, tem alguma referência?
Uma das minhas grandes referências morreu há pouco tempo, o Philip Seymour Hoffman. Tenho também o Sean Penn, Al Pacino, Jack Nicholson, Marlon Brando, o Edward Norton noutro registo, Leonardo DiCaprio numa outra geração. E tenho referências femininas que acho incríveis, a Meryl Streep, Scarlett Johansson. Portugueses também tenho alguns. O João Perry é um dos actores fundamentais, Luís Miguel Cintra, gosto muito do Albano Jerónimo, do Ivo Canelas, do Filipe Duarte, do Diogo Morgado.
Falou do Diogo Morgado. Qual é o seu grande sonho na representação? Também é chegar a Hollywood?
Sim, todos os actores sonham receber uma estatueta. E não acho completamente impossível, é mais complicado ter a oportunidade certa do que esse momento. Desde muito cedo que queria estudar nos EUA e nunca fui porque as coisas sempre se sucederam de uma forma tão natural e tão boa aqui, que foi sempre um projecto adiado. As minhas relações familiares também me prendem um bocadinho.
O que é um dia perfeito para si?
Um dia carregado de amor, mas já não tenho dias perfeitos há muito tempo. Nas diferentes formas. Não sei se de amor, mas de prazer, acho que é a palavra melhor. Amor não é a palavra certa, porque leva para a pessoa com quem estás e eu não quero direccionar só para isso.
É capaz de definir?
Acordo, tenho relações sexuais, depois apanho um táxi para o aeroporto e vou viajar para algum sítio desconhecido. Alguma surpresa que me façam. E depois ter um jantar romântico, obviamente aqueles clichés, ter experiências que ainda não vivi, quer físicas quer metafísicas.
Tem 20 anos de carreira. Qual o momento mais alto?
São picos, isto não é crescente. Comecei num pedestal, porque me estreei muito bem, com a sumidade do teatro, intelectualmente falando. Depois tive trabalhos com o João Perry e com o Diogo Infante… São picos, é um batimento cardíaco. Mas dá para escolher: a minha formação, a minha estreia, o trabalho em televisão com o Rui Vilhena, os dois últimos trabalhos que fiz no Teatro Aberto, o período de aprendizagem com o Teatro da Garagem…
E agora está novamente numa fase em que concilia teatro e televisão, já que vai participar na próxima novela da TVI.
Sinto-me bem nesta fase de vida. Sinto-me confortável comigo mesmo, satisfeito e com vontade de fazer novos projectos. Mas já tive fases muito negras, de grande tristeza e de grande introspecção.
Ao ponto de pensar em suicidar-se?
Nas primeiras juventudes, sobretudo por causa da separação dos meus pais. São alturas em que se põe tudo em causa, todos os valores. Tudo aquilo que tens como certo na vida já não existe. Aí sim, mas gosto tanto de viver. Não tenho medo da morte, mas tenho medo de não viver aquilo que quero viver, de não ter tempo, do tempo ser curto. De morrer não, até estou curioso.
rita.porto@sol.pt e vitor.rainho@sol.pt
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