“A mãe é a única personagem constante e está ali a projectar os seus desejos na filha. Mas o espectáculo na verdade é sobre ausência, sobre perda, e usa muito a palavra cinismo. Para os gregos, o cinismo era uma filosofia, uma forma de desapego para se poder viver melhor”, explica Mickael de Oliveira, autor do texto e co-criador com Nuno M. Cardoso – o mesmo encenador com quem já tinha trabalhado na peça anterior, Boris Yeltsin. Também por isso Mónica Calle (a mãe) estabelece o tom logo no início: “As pessoas são uma merda e ninguém quer saber do teu bem-estar”.
Apesar de estar agora em palco, a primeira versão do texto existe desde 2006, altura em que se chamava O Que É Teu Entregou aos Mortais e venceu o Prémio Nova Dramaturgia Maria Matos. “Fui trabalhando noutras coisas e depois percebi que já não me revia. A história mantém-se, mas tive de mudar a forma. Deixou de ter um pathos trágico e passou para um pathos cómico e grotesco”.
O lado grotesco não tem só a ver com o uso de máscaras de animais ou com o surgimento de uma boneca insuflável onde não se está à espera. “Há uma deformação da ideia de personagem e até de ficção. E há o lado monstruoso de ser um espectáculo constituído por quadros, quase como um desenho animado contemporâneo com traços carregados, meta-caricaturas”.
Nem sequer Oslo, a capital da Noruega, é aquilo que parece. “Eu e o Nuno estávamos lá quando falámos em fazer este espectáculo, mas aqui simboliza uma espécie de paraíso. Nem que seja por ter um estado social que funciona”.