Naufrágio: UE sabe que medidas deve tomar mas não está interessada, diz Ana Gomes

A eurodeputada socialista Ana Gomes considerou que a União Europeia (UE) sabe o que é preciso fazer para evitar as sucessivas tragédias com migrantes no Mediterrâneo e que são os Governos europeus que não querem tomar as medidas adequadas.

Naufrágio: UE sabe que medidas deve tomar mas não está interessada, diz Ana Gomes

"A Europa sabe há muito tempo o que tem de fazer e o Parlamento Europeu está farto de o repetir aos Governos e às instituições, ao Conselho e à Comissão Europeia. Se não tomaram as medidas foi porque não quiseram", disse à Lusa a deputada, que integra a Comissão de Liberdades Cívicas, Justiça e Assuntos Internos do Parlamento Europeu.

No imediato, é preciso ter uma estratégia para os salvamentos humanitários que, defendeu Ana Gomes, têm de ser feitos pelas marinhas dos países europeus, devidamente articuladas, e não por "navios mercantes que não estão apetrechados". Além disso, esses resgates não podem ser deixados a apenas alguns países, como Itália, mas deve ser toda a UE a responsabilizar-se.

"Temos uma missão de política comum de segurança e defesa na Somália para combater a pirataria e que até tem resultados. Porque não se faz o mesmo no Mediterrâneo", questionou.

Alem disso, referiu, uma agência europeia como a Frontex devia ter "capacidade de identificar traficantes de pessoas, capturá-los e levá-los a julgamento".

Além destas medidas mais imediatas, a eurodeputada pediu ainda mudanças em políticas de mais longo prazo que têm uma influência directa na vida dos migrantes e, logo, nas tragédias que quase diariamente acontecem no Mar Mediterrâneo.

Segundo a socialista, a UE precisa de uma política comum de migrações. Perante uma Europa em envelhecimento é necessário emigrantes, pelo que deve haver uma política estruturada que "abra vias legais para a migração". Ao mesmo tempo, defendeu, os líderes europeus têm de explicar essa necessidade às populações em vez de deixarem espaço para que forças xenófobas e populistas façam precisamente o discurso contrário.

Uma política de migração legal é também uma maneira de "tirar os proveitos àqueles que hoje exploram a imigração ilegal", referiu ainda.

Ana Gomes considerou ainda essencial uma política comum de asilo, quando a Europa tem à sua volta várias crises humanitárias e guerras e conflitos que produzem milhões de refugiados.

"A Suécia tem praticamente a mesma população de Portugal e recebeu mais de 80 mil refugiados no ano passado. Portugal recebeu pouco mais de 100 e muito graças aos estudantes sírios que vieram para Portugal pela acção do ex-presidente Jorge Sampaio. Isto é uma vergonha para Portugal e para toda a União Europeia", afirmou.

Por fim, Ana Gomes argumentou que para evitar a fuga de pessoas em direcção à Europa, que fogem da guerra, da miséria e de regimes autoritários, a UE precisa de vez de uma "política externa coerente e eficaz". 

A deputada destacou nomeadamente o caso da Líbia, de onde partem muitos barcos cheios de migrantes. No domingo, foi a cerca de 70 milhas a norte da costa Líbia que naufragou um barco com cerca de 900 pessoas a bordo. 

Enquanto relatora do PE para a Líbia, a socialista visitou por várias vezes o país africano e fez relatórios a pedir à Europa para ajudar a construir forças de segurança na Líbia, desmantelando as milícias. O próprio primeiro-ministro do país, assegurou, pediu a intervenção da UE nesse sentido em 2013, mas a UE "fez ouvido de mercador".

Ana Gomes foi ainda muito crítica com as políticas europeias de resolução de conflitos e ajuda de longo prazo em países de onde partem muitos dos migrantes que tentam atravessar o mediterrâneo para chegar à Europa, como Eritreia ou Somália. Mesmo no campo da ajuda humanitária, disse, a UE não se coordena e há campos de refugiados no Líbano ou no Iraque pagos com dinheiro europeu em que não há escolas a funcionar.

"O que estamos a fazer a milhares e milhares de crianças que não vão à escola é prepará-las para se tornarem terroristas, em vez de um dia voltarem ao seu país para o construírem. E, ao mesmo tempo, fazemos com que os pais dessas crianças não tenham outro objectivo senão vir para a Europa", afirmou.

Lusa/SOL