O factor ‘Apre!’

O ponto de exclamação não é inocente. Com esse ponto, o acrónimo de Aposentados, Pensionistas e Reformados transforma-se numa interjeição que exprime espanto, irritação, impaciência ou repulsa. Tudo o que pretendem transmitir estes reformados, por se considerarem “o grupo escolhido para o massacre fiscal” do ‘ajustamento’. Nos dicionários da Porto Editora, ‘Apre!’ aparece com um…

Só por si, o nome da organização – “cívica, laica e apartidária”, como se declara nos estatutos, se bem que a sua presidente pertença agora à Comissão Nacional do PS – é todo um programa, cujo fim último consiste em mudar, ou, pelo menos, influenciar, as políticas que interessem aos reformados. Num país onde a vida pública com visibilidade e força mediáticas é dominada pelos partidos, a 'Apre!' tornou-se, em escassos dois anos, uma associação com voz e força na sociedade. Isso deve-se, não só aos sacrifícios impostos aos pensionistas, mas também à firmeza tranquila e à capacidade da sua líder, professora aposentada e ex-directora de uma escola pública de referência em Coimbra. 

Os reformados, não correspondendo a um grupo social homogéneo, mas a um universo de grupos sociais muito diferenciados, apresentam-se como um imenso mercado eleitoral, com perto de 3,5 milhões de votos. Os partidos gostam de lhes agradar, especialmente aos mais desfavorecidos, em vésperas de lhes pedirem o voto. Houve até um que se propôs representá-los nos anos 1990, mas revelou-se um fracasso, como é provável que aconteça a outro formado recentemente com esse mesmo objectivo: o Partido Unido de Reformados e Pensionistas. 

Já o aparecimento de associações deste tipo, quer se situem à esquerda, como a 'Apre!', quer noutras áreas políticas, deve ser encorajado porque estimula e enriquece o debate público.
Desde que não se comportem como meras extensões dos partidos ou se deixem dominar por eles, mal adquirem representação e notoriedade. Só assim terão influência real, não apenas na definição das políticas, mas também nos resultados eleitorais. O voto dos reformados vai pesar, e muito, na votação do próximo outono.

Com os PEC trocados

Não será a Bíblia do PS, como António Costa se apressou a esclarecer, mas já é alguma coisa. O relatório sobre o cenário macro-económico elaborado por economistas escolhidos pelo líder do partido é, no essencial, a versão socialista do Documento de Estratégia Orçamental para os próximos quatro anos que o Governo apresenta em Bruxelas sob o título de Programa de Estabilidade (o velho PEC). No país ideal, os partidos da maioria e aquele que tem mais hipóteses de vir a substitui-los trabalhariam em conjunto para que pudesse ser levado a Bruxelas o Programa de Estabilidade mais consensual possível. Sem prejuízo de cada um assumir e defender depois as posições próprias que não tivessem obtido acordo. 

Algo que faria sentido, já por ser delicada a situação do país, já porque, havendo eleições no Outono, o Governo que delas sair pode ter de começar a trabalhar com o PEC trocado. Mas o país ideal não existe. Além de que, sendo diferentes os caminhos propostos para se chegar ao almejado crescimento, não o são tanto, se exceptuarmos os cortes em pensões com que o Governo ameaça e que o PS repudia, no que diz respeito aos objectivos definidos e quantificados.

Cofres cheios, bolsos vazios

No país dos “cofres cheios” – uma expressão desastrada que há-de perseguir a ministra das Finanças até ao fim do seu mandato – quase um quarto da população é pobre ou está em risco de o ser. Isto acontece depois das transferências sociais porque, sem elas, cerca de metade dos portugueses (47,8%) estariam nessa condição. Em Janeiro, comentando os dados do INE relativos a 2013, o primeiro-ministro observou que eles eram “o eco daquilo por que passámos” e “não a situação que vivemos hoje”. 2013, dizia, foi “o ano mais difícil”.

Parece que não. Um relatório da Caritas Europa conhecido esta semana afiança que Portugal foi o país que teve o maior aumento do risco de pobreza em 2014. Pior do que a Grécia, com a qual, segundo o discurso oficial, não lembra ao diabo compararmo-nos. Pelos vistos, o “eco daquilo por que passámos” é cada vez mais forte. E vai ouvir-se durante muitos anos, apesar de os “cofres cheios”, neste momento, permitirem que vamos pagando aos credores. Convém por isso, que os responsáveis políticos – os do poder e os da oposição – pensem duas vezes antes de tentarem iludir a dura e triste realidade.