«O cego era eu», conta Bruno Brites quando começou a aventura pelo mundo dos livros em Braille. A primeira etapa desta viagem começou no Duncan and Jordanstone College of Art and Design, na Escócia, para onde Bruno rumou em 2010, para fazer o Mestrado em Design. Na mala levava uma pergunta: «Sendo eu um designer gráfico, um agente de comunicação, até que ponto seria possível comunicar na ausência dos sentidos? Estamos habituados a comunicar visualmente mas e se de repente não pudermos comunicar dessa forma?».
A partir daí, nunca mais sossegou. Primeiro tentou explorar criativamente o Braille com conceitos de bolds, itálicos, diferentes tamanhos de letras (ou melhor, de pontos). Mas aí deparou-se com a primeira dificuldade: «Não dava para explorar tipograficamente o Braille no interior do livro, porque se eles já são grandes, iam ficar enormíssimos – um único livro do Harry Potter pode ter 50 volumes em Braille. Mas se em vez disso explorasse a estética do livro, as capas, o ser mais apelativo ao toque, o criar uma relação emocional, isso sim podia dar margem de trabalho».
Regressado a Portugal, já com uma menção honrosa no International Design Awards para a sua tese de mestrado, juntou-se à ACAPO – Associação dos Cegos e Amblíopes de Portugal e à Casa Fernando Pessoa. Foi aí que 'pescou' a Mensagem. «Essa resiliência que está muito associada à Mensagem, escrita em 1934, foi o que quisemos transpor para aqui. Era o livro certo para entregar este projecto ao mundo. E sendo o Braille um veículo de acesso ao conhecimento, foi juntar 2+2 e criar este movimento inclusivo à boleia do Fernando Pessoa».
O resto da história foi o design e a emoção a falar mais alto. «Os nossos colaboradores disseram que a cortiça é um material muito agradável de ler, por que é suave e quente, em oposição à cerâmica, que é suave, mas fria, o que acabou por fazer também uma ligação com a simbologia da terra vs. mar, vindo a cortiça literalmente da terra e ter esse lado mais quente, e a cerâmica estar associada ao mar e ao desconhecido. Depois temos a representação simbólica do barco com um ponto em madeira». Mas até aí chegar, Bruno debateu-se com a dúvida de como se representa um barco para uma pessoa cega. «Muitas vezes não existe essa percepção conceptual e abstracta do que é um barco e nós não queríamos cair no erro comum de fazer uma imagem a duas dimensões achando que a pessoa cega vai perceber que aquilo é um barco. E nesse sentido achámos que o melhor era ir por esse caminho do abstracto e simbólico».
E porque quer ser um livro inclusivo, a cultura táctil convive tranquilamente com a cultura visual. A obra divide-se em duas partes, uma em Braille e outra escrita a negro, com referências sobre onde está cada poema nas duas metades do livro. Foram aliás as suas características de inclusão e acessibilidade que lhe garantiram no ano passado o Prémio Engenheiro Jaime Filipe atribuído pelo Instituto Nacional de Reabilitação. De resto, todos os processos de encadernação são artesanais e por isso não é de estranhar que esta seja uma edição especial, limitada a 30 exemplares. Mas mesmo assim não é para estar fechada a sete chaves. Alguns livros já estão disponíveis para consulta na ACAPO, na Casa Fernando Pessoa, na Fundação Calouste Gulbenkian, no Instituto Nacional para a Reabilitação e na Biblioteca Nacional.
Com 160 mil pessoas com deficiência visual em Portugal e 20 mil cegas, das quais apenas duas mil sabem ler Braille, poder-se-ia pensar que estamos a falar de uma obra para um nicho. Mas é precisamente essa ideia que Bruno quer desconstruir. «Claro que há gadgets tecnológico que podem facilitar a leitura a pessoas cegas mas isto tem consequências em hábitos de leitura e ao nível da dinamização da parte cognitiva do cérebro. Da mesma maneira que nós, normovisuais, não vamos deixar de ler livros só porque temos televisão ou computador. Temos essa afectividade e relação emocional com os livros, mais até emocional do que de acesso a informação. Se isso faz sentido para nós, por que não faz sentido para as pessoas cegas?».
patricia.cintra@sol.pt
Criatividade em rede
A segunda edição do Festival IN decorre na FIL, em Lisboa, até domingo. Este ano o tema é 'Network Society' e tem como objectivo divulgar uma cultura de inovação e criatividade em rede. O festival apresenta-se igualmente como uma plataforma de inclusão e promoção das Indústrias Culturais e Criativas junto de potenciais investidores, como organismos públicos e privados e instituições de ensino. A apresentação da Mensagem tem lugar amanhã, sábado, às 16h30.