A olhar para o boneco

Um ramo de salsa transforma-se numa árvore, um fósforo a acender converte-se no som de um bombardeamento com gás mostarda e os soldadinhos de chumbo passam a ser os soldados da I Guerra Mundial, sujos, assustados, a sofrer nas trincheiras e a escrever cartas às mães sobre tentativas de recuperar o corpo de um amigo.…

Não fique a pensar que vai ter de levar uma lupa para assistir a este espectáculo: o campo de batalha em miniatura transforma-se numa espécie de filme de guerra criado em tempo real através da projecção de tudo o que acontece numa enorme tela. E se ainda não teve nenhum contacto com o FIMFA, é uma boa forma de perceber que quando se fala em marionetas não se pode limitar a imaginar bonecos a mexerem-se com a ajuda de cordas, como provam as cerca de 50 apresentações que o festival vai ter por Lisboa até 24 de Maio em vários palcos e até na rua (ver programação completa aqui).

“Ter um festival que acontece há 15 anos sem qualquer interrupção é qualquer coisa de extraordinário. Já trouxemos a Lisboa companhias de cerca de 30 países e mais de 290 espectáculos. Foi a pensar nisso que decidimos fazer uma edição comemorativa que traz de volta alguns dos momentos mais marcantes”, explica Luís Vieira, da companhia Tarumba, que organiza o FIMFA.

Isto significa que não é por acaso que o Hotel Modern está no início deste texto e também no início desta programação. “Para comemorar a data, decidimos voltar a trazer alguns dos momentos mais significativos de edições anteriores. Este foi um grande sucesso pelo mundo todo e foi um dos que mais marcou o nosso público”. Dentro da mesma lógica, estão de volta as torneiras e tubos que protagonizam uma adaptação de O Avarento que monopoliza água em vez de monopolizar dinheiro. “Também tem piada porque o próprio espectáculo faz 15 anos”. E ainda a companhia espanhola Hermanos Oligor, que traz um novo espectáculo mas que tem sido muito importante para o FIMFA. “Em La Máquina de la Soledad trabalham em torno de uma mala encontrada cheia de cartas de amor escritas em 1900”. 

Feitas as contas às três apresentações repetidas e referidas acima, resulta logo em três abordagens diferentes ao género teatral honrado pelo festival: pequenas formas, teatro de objectos e até teatro de objectos documental. “Procuramos todos os anos mostrar a diversidade que existe neste universo. E isso passa também por mostrar desde o mais contemporâneo às tradições mais antigas, como a nossa tradição dos bonecos de Santo Aleixo, que também vai estar presente”.

Mantendo ainda outras tradições, há também várias estreias garantidas, com destaque para Whispers, o mais recente trabalho da companhia belga Mossoux-Bonté. É uma experimentação em torno do som, que se transforma numa presença fantasmagórica entre o teatro e a dança. Sendo que a própria dança se constitui como elemento diferenciador da programação do FIMFA este ano, com presença em várias propostas: “É importante que as pessoas vejam como se consegue sempre fazer coisas novas”. Xavier Le Roy vai questionar o espaço da dança em Sans Titre, cinco criadores vão transformar a dança em arquitectura plástica em Hale e Duda Paiva vai dançar com estranhas figuras feitas de esponja em Bastard!

A própria Tarumba vai mostrar o seu trabalho, com o regresso de Cabaret de Insectos: Dracularium Freak, e convida outras companhias portuguesas – Teatro do Ferro e Teatro de Marionetas do Porto – que provam que a marioneta não vem apenas de fora, ainda que o caminho nem sempre seja fácil. “Depois de 15 anos já merecíamos que olhassem para nós de outra forma. O orçamento que tivemos em 2015 foi equivalente ao que tivemos no primeiro ano em que estávamos a começar um festival. É pena, mas parece que é cada vez mais complicado. E devia ser o contrário”.