Às críticas dos que estão contra por considerarem que é um atentado à privacidade e às liberdades individuais, o primeiro-ministro francês respondeu que a lei é «necessária e proporcional» e que se ajusta à realidade de novas tecnologias. Manuel Valls recordou que a decisão de se criar uma nova lei «foi tomada pelo Presidente [François Hollande] em Junho de 2014». Mas o ataque ao semanário satírico Charlie Hebdo, a 7 de Janeiro, deu o empurrão final. Duas semanas após o assassínio de jornalistas e ilustradores, Valls apresentou um pacote com novas medidas de combate ao terrorismo, no valor de 450 milhões de euros a gastar nos três anos seguintes – e que incluiriam a contratação de cerca de 2.700 pessoas, das quais 1.100 ocupariam postos de trabalho nas secretas francesas.
Com 438 votos a favor, 86 contra e 42 abstenções, na terça-feira, foi aprovado o projecto-lei de vigilância, que no final do mês deverá ser revisto pelo Senado. François Hollande já garantiu que o documento passará ainda pelo crivo do Conselho Constitucional gaulês, pelo que pode sofrer algumas alterações.
Big brother na rede
Isso não impediu o bastonário dos advogados, Pierre Olivier Sur, de contestar a legislação, alertando para «uma ameaça grave às liberdades públicas».
Com pano de fundo da prevenção do terrorismo e da defesa nacional, a lei prevê que sejam analisados metadados através de algoritmos complexos. Ou seja, 'caixas negras' que analisam todos os dados técnicos (localização, sites consultados, palavras de pesquisa, etc.), mas não os conteúdos, e que poderão «revelar, apenas com base na análise automática de elementos anónimos, uma ameaça terrorista».
O Governo diz por isso que esta pesquisa de milhões de comunicações, feita através das 'caixas negras' nos fornecedores de internet, não é intrusiva. Se o programa encontrar algo suspeito, o utilizador em causa será investigado – saindo então do anonimato.
Os detractores da lei consideram que é espionagem, tal como a praticada pela agência de segurança norte-americana NSA, que Edward Snowden denunciou. E nem a criação de uma Comissão Nacional de Controlo das Técnicas de Informação – composta por deputados e magistrados – tranquiliza quem está contra porque estas escutas permanentes serão feitas sem mandados judiciais.
Neste momento, os serviços de segurança franceses vigiam cerca de três mil pessoas no país. Destas, 1.300 têm nacionalidade gaulesa ou são estrangeiros a residir em França, sob suspeita de no último ano terem mantido ligações a redes terroristas na Síria e no Iraque. Os próprios assassinos do Charlie Hebdo estavam já referenciados.
O que levou a deputada da Frente Nacional Marion Maréchal-Le Pen a votar contra o projecto-lei: «Não posso aprovar esta lei porque não posso dizer aos franceses que a segurança deles vai custar-lhes a liberdade», afirmou a neta de Jean-Marie Le Pen.
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