Boring ou não, eis a questão

“José Mourinho tornou-se o treinador tacticamente mais astuto do mundo. Ele ganha quase todos os jogos que é suposto ganhar e sabe como não perder nos mais importantes”.

Chris Cosky, adepto do Chelsea residente em Londres, recorre ao pragmatismo que caracteriza o técnico português para rebater os críticos, que acusam o novo campeão inglês de praticar um estilo de jogo aborrecido.

“O Chelsea jogou um futebol excitante na primeira metade da época e ganhou o direito de terminá-la da forma que melhor serve os seus interesses”, diz ao SOL este indefectível de Mourinho, co-autor do blogue chelseafcblog.com. “Definitivamente, as tácticas dele não são aborrecidas e o desafio para os outros é descobrir uma maneira de o derrotar. Até lá, acredito que o Chelsea vai dominar o futebol inglês”.

O debate sobre o tipo de jogo adoptado pelos blues ganhou lastro na recente visita ao Arsenal. No 13.º encontro sem uma vitória de Arsène Wenger frente a José Mourinho (0-0), os adeptos da casa despediram-se a cantar “boring, boring Chelsea” – e o Chelsea ser ou não ser aborrecido tornou-se o assunto do momento na Premier League.

Para Chris Cosky, é tudo uma questão de perspectiva: “Se José Mourinho fosse seleccionador de Inglaterra e a levasse à vitória no Campeonato do Mundo com o mesmo estilo de jogo, não haveria uma única pessoa a queixar-se”.

Pelo menos os adeptos do clube de Stamford Bridge não se lamentam. Logo no jogo a seguir com o Leicester (3-1), certos de que o troféu de campeão já não lhes escaparia, ripostaram com sarcasmo, entoando eles próprios o ‘boring, boring Chelsea’. E depois de, graças ao triunfo de domingo sobre o Crystal Palace (1-0), se ter confirmado o quinto título da história do clube – o primeiro em cinco anos e o terceiro pela mão de Mourinho –, parecem ainda mais convencidos do caminho percorrido.

A lição do Brasil de 82

“O futebol moderno envolve estratégia e também análise estatística e outras informações. Oque o Chelsea tem feito é maximizar o seu jogo em busca dos resultados que precisa. Ganhar por 1-0 ou 5-0 dá os mesmos pontos”, sublinha ao SOL Guilherme Neto, do núcleo oficial de adeptos no Brasil.

Para solidificar a sua opinião, este adepto brasileiro do Chelsea recorda a selecção canarinha de 1982, vista por muitos como o exemplo supremo do futebol-arte. Reuniu talentos como Sócrates, Zico, Falcão ou Júnior, mas falhou no Mundial de Espanha. “Com essa geração de 82 ficou a lição de que nem sempre o futebol espectáculo é sinónimo de conquistas”.     

O Chelsea apresentou duas caras na Premier League desta época. Até à recepção ao Manchester City na 23.ª jornada, a 31 de Janeiro, a equipa exibiu o seu lado mais criativo, com Fàbregas e Oscar no meio-campo a proporcionarem uma dinâmica que rendeu 51 golos, à média de 2,3 por jogo. Everton (6-3) e Swansea (4-2 e 5-0) tiveram direito a goleadas e houve apenas três vitórias por um golo de diferença.

Desde esse duelo da segunda volta com o City, os blues passaram a correr menos riscos. Defender bem tornou-se prioritário e o meio-campo foi reforçado com homens de combate, como Ramires ou o central Zouma. Resultado: dos nove triunfos, oito foram obtidos pela margem mínima e a média caiu a pique para 1,4 golos por encontro.

“Não concordo com os críticos que dizem que somos aborrecidos. O futebol profissional é sobre ganhar jogos, independentemente da forma como se ganha”, sustenta ao SOL Andrew Eldridge, da associação de adeptos do Chelsea, nada preocupado com a mudança de paradigma a meio do campeonato: “Sou adepto há 45 anos e gosto de conquistar troféus”.

Fora das bancadas de Stamford Bridge, as opiniões são bem mais divergentes. Treinadores como Wenger ou Pellegrini apontam o dedo ao conservadorismo do Chelsea, que nenhum adversário directo conseguiu vergar – vitória e empate com o Manchester United e o Arsenal, duplo empate com o Manchester City e um triunfo sobre o Liverpool (falta o segundo jogo).

“Como se diz no meu país, os cães ladram e a caravana passa”, soltou Mourinho no domingo, já na pele de campeão, enunciando uma série de virtudes da sua equipa, com especial ênfase nos golos marcados em detrimento da posse de bola.

Apesar da recessão na segunda metade da época, o Chelsea segue a dois golos do City e soma mais três do que o Arsenal e mais dez do que o United. “Se calhar, quando os meus netos jogarem, iremos apreciar apenas os jogadores a passarem a bola. É o futebol que se joga na Lua, numa superfície com alguns buracos e sem golos”, ironizou o técnico português, antes de disparar outra das suas imagens de marca: “Para mim, continua a ser um jogo sobre meter a bola na baliza do adversário e evitar que ela entre na nossa”.

Em Stamford Bridge agradecem.

rui.antunes@sol.pt