Maria-vai-com-as-outras

Entre tomar uma mão cheia de Lexotan ou um Aspegic e sem conseguir decidir se é melhor apostar nuns saltos altos vermelhos ou ficar em casa a ouvir crescer o pêlo da alcatifa, encontra-se apenas uma mulher. E de robe. Mas em António e Maria, em cena no CCB até 16 de Maio, esta mulher…

No início de tudo está então Maria, esta personagem que se desmultiplica. Mas também Maria Rueff, sozinha em palco, e que já andava há muitos anos com vontade de levar para cena personagens femininas dos livros de António Lobo Antunes. “Tinha 14 anos quando li Memória de Elefante e tornou-se o grande livro da minha adolescência. Agora percebo também como encontrei em António Lobo Antunes todo o material que usei no meu percurso de actriz e comediante, todos os tipos portugueses”, explica.

E até podiam ser apenas eles os dois nomes que figuram no título do monólogo, uma Maria e um António. Não fosse dar-se o caso de serem dois nomes muito portugueses que pretendem ser mais abrangentes. “Os heróis dos livros dele somos todos nós. Não há figuras míticas. Só o doméstico, o comum. Por isso não há nenhuma rainha. Só pessoas como uma Celina ou uma prima Bé”. E também não podiam ser só eles porque, ainda que só uma pessoa suba ao palco, é um projecto que foi amparado por muitas mãos. O primeiro convite foi para o encenador Miguel Seabra e para o Teatro Meridional, por afinidades estéticas, e o segundo foi para o escritor Rui Cardoso Martins, responsável pela adaptação.

Escrever com tesoura

“Parti de tudo e mais alguma coisa. Tenho em casa todos os livros dele, reli muita coisa, mas algumas personagens só tive mesmo de ir recordar. A adaptação foi escrita com tesoura”, explica Rui Cardoso Martins. Lobo Antunes não participou no processo a não ser na escrita dos livros e na autorização para que os usassem – que surgiu, por coincidência, também no CCB, numa celebração da sua obra literária para a qual convidou Maria Rueff como leitora.

É entre vários espelhos com uma poltrona no meio que se espalha a voz feminina mutante que conduz o espectáculo. “Encaixa tudo muito bem na filosofia do Teatro Meridional. É um autor da lusofonia e é o desafio da adaptação de um texto não dramático”, lembra Miguel Seabra, que chegou a ser colega de Maria Rueff na Escola Superior de Teatro e que nunca teve dúvidas sobre as capacidades dramáticas de uma actriz normalmente associada à comédia. “É capaz de ir desde a água pelos joelhos até ao Oceano mais profundo”.

Ela e as mulheres todas que leva a cena e que são, dizem os envolvidos, “a chave mais directa para tentar entender os livros e a cabeça de Lobo Antunes”.