Através de um amigo, jantou pela primeira vez com José Sócrates num restaurante em Paris, em 2012, um ano depois tornou-se seu patrão, ao contratá-lo para a Octapharma, e acabou arguido no mediático processo Marquês. Pelo meio, uma das empresas que gere fez um contrato com o Estado líbio, o que o colocou na Operação Labirinto (dos vistos gold), que tem como arguido um dos homens com quem partilha negócios, Jaime Gomes.
Joaquim Paulo Nogueira Lalanda e Castro, de 58 anos, vive na Suíça, mas encontra-se no centro de uma labiríntica teia de ligações em Portugal. Do seu universo empresarial fazem parte sociedades anónimas, sociedades por quotas e offshores que ligam alguns dos arguidos daqueles dois casos judiciais.
Três das suas empresas surgem com ligações ao caso que envolve José Sócrates. Uma delas é a Octapharma AG, que a 1 de Janeiro de 2013 o antigo primeiro-ministro, por 12 mil euros mensais, como consultor para o Brasil. Um mês depois, este participou logo numa reunião em Brasília, com Lalanda e Castro e o ministro da Saúde daquele país, Alexandre Padilha.
Sócrates é amigo de Lula da Silva – o líder histórico do PT e figura influente da sucessora no cargo, Dilma Rousseff – e a sua contratação podia ajudar a garantir as relações comerciais da farmacêutica com o Estado brasileiro. Isto, numa altura em que já decorria uma acção civil colocada pelo Ministério Público Federal para impedir que a Octapharma continuasse a fazer contratos públicos com o Governo brasileiro. Esta acção surgiu na sequência do escândalo Máfia dos Vampiros, em que vários laboratórios e empresários, incluindo Lalanda e Castro, foram acusados de fraude na venda de hemoderivados ao Ministério da Saúde brasileiro (ver texto ao lado).
Outra empresa administrada por Paulo Lalanda e Castro referenciada na Operação Marquês é a DynamicsPharma – Comercialização de produtos Farmacêuticos, SA, mais centrada no mercado cubano e argelino. Sócrates recebia 12 mil euros por mês desta empresa, que tem como accionista uma offshore com base nas Ilhas Virgens Britânicas, a Ruby Capital Corporation.
No mesmo processo aparece também a Intelligent Life Solutions LLP, uma sociedade de responsabilidade limitada sediada no Reino Unido e que tem como accionistas duas offshores na Ilha de Man. Foi através desta entidade que Lalanda e Castro fez um contrato com a XMI, do Grupo Lena, para prestar serviços de revisão técnica de projectos relativos a hospitais a construir na Argélia. O negócio foi feito entre Lalanda e Castro e o também arguido do processo Marquês Carlos Santos Silva, na época em representação do Grupo Lena. Os dois foram apresentados por José Sócrates em Março de 2014.
A offshore das Ilhas Virgens, a Ruby Capital Corporation, é ainda accionista de uma sociedade anónima, a Convida, da qual o ex-patrão de Sócrates é administrador único. Esta empresa possuiu vários imóveis em Lisboa, entre os quais um apartamento no Heron Castilho (o mesmo prédio onde vive Sócrates e morou a sua mãe), que até recentemente esteve arrendado a Luís Cunha Ribeiro – presidente da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, de quem o líder da Octapharma é amigo há vários anos.
O amigo Jaime Gomes
Deste enredo empresarial faz ainda parte a Intelligent Life Solutions – Produtos e Soluções na área da Saúde SA. Esta empresa tem ligação a Jaime Couto Alves Gomes que foi sócio, na JMF Projects and Business, do ex-ministro da Administração Interna, Miguel Macedo, de Marques Mendes e de Ana Luísa Figueiredo – a filha de António Figueiredo, o antigo presidente do Instituto de Registos e Notariado que é arguido no processo dos vistos gold.
A ligação de Lalanda e Castro a Jaime Gomes é simples: a Intelligent Life Solutions (ILS) é detida por uma sociedade por quotas (X Cellentis – Marketing Lda) cuja empresa-mãe é a PARS – Consultoria e Prestação de Serviços SA, que tem Jaime Gomes como administrador único.
E quando, no passado dia 29 de Abril, o Ministério Público ordenou 34 buscas – incluindo ao gabinete do secretário de Estado Paulo Núncio, ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), a serviços do Ministério das Finanças e à Direcção-geral dos Assuntos Consulares e Comunidades Portuguesas –, os inspectores procuraram dados relativos à vinda de cidadãos líbios e os pedidos de reembolso de IVA feitos pela Intelligente Life Solutions, assim como o enquadramento da sua actividade.
Esta empresa fez, em 2013, um contrato com a Líbia para o acolhimento e tratamento em Portugal de doentes líbios e aparece referida na Operação Labirinto, nomeadamente nas escutas.
Num acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa sobre um recurso interposto por Manuel Palos, ex-director do SEF, também arguido na Operação Labirinto, é referida a teia de ligações: devido a um atraso na aprovação dos vistos, Jaime Gomes, «com o apoio do ministro» (Miguel Macedo), terá pedido a Palos que resolvesse a questão. E passado algum tempo, notam os juízes, o SEF emitiu um parecer sobre os vistos para os líbios – antes sequer de o pedido oficial dar entrada na embaixada.
A ILS tem ainda como sócio o médico Nelson Sousa Pereira e teve como sede, até 2009, o escritório do advogado Luís Barros Figueiredo. Este é, aliás, accionista da X Cellentis – Marketing Lda e da JAG – Consultoria e gestão Lda que tem como sócio maioritário e gerente Jaime Gomes.
Este e Barros Figueiredo estão no circuito de Lalanda e Castro desde o início da sua carreira na área farmacêutica.
‘É um estratega’
Lalanda e Castro começou como delegado de informação médica. Foi conhecendo o meio e integrou em 1986 a empresa que fez de distribuidora local da Octapharma AG. Em 1992, criou uma subsidiária em Portugal (a Octapharma Produtos Farmacêuticos Lda). «Foi um sucesso muito rápido», diz uma antiga funcionária, recordado que a empresa tinha praticamente o mercado total do plasma e derivados de sangue no país, conseguindo, durante os anos 90, ganhar a maioria dos concursos públicos para a venda de produtos com Factor VIII (cuja falta causa a hemofilia).
No início eram apenas quatro ou cinco funcionários e trabalhavam num pequeno apartamento numa praceta perto da Avenida dos EUA, em Lisboa. Mas cresceu depressa e mudaram-se para o bairro da Graça. Entre os seus colaboradores na Octapharma estavam já nessa altura Jaime Gomes e Luís Barros Figueiredo. O primeiro foi seu director-geral-adjunto, entre 1990 e 2000, tendo depois ido para o Brasil trabalhar na mesma empresa como director-geral. Já Barros Figueiredo era o advogado que lhe tratava dos concursos públicos.
«Ele é muito inteligente e um estratega», recorda aquela antiga colaboradora, sublinhando que apesar de ter quase a totalidade do mercado, estabelecia sempre metas de crescimento. Por os objectivos terem sido cumpridos, chegou a levar os 20 funcionários para um fim-de-semana em Londres.
Quem o conhece nota que sempre foi cuidadoso com a imagem, e nunca escondeu que gostava de se relacionar com políticos. Quando contratou o ex-primeiro-ministro viu o seu nome surgir nas páginas dos jornais por a Octapharma ter facturado seis milhões de euros entre 2005 e 2011, anos em que Sócrates liderou o Executivo.
Decidiu ir viver para a Suíça quando foi convidado para trabalhar como administrador na empresa-mãe do grupo, a Octapharma AG, ficando com a tutela da área do marketing. Passa a vida em aviões e já conheceu 160 países. Apesar de estar longe, continua a comandar o laboratório português com a ajuda de três directores, tendo ganho até hoje 267 contratos com o Estado português, num valor superior a 32 milhões de euros.
Um dia após o ex-primeiro-ministro ter sido preso, Paulo Lalanda e Castro contratou o advogado Ricardo Sá Fernandes para o defender. Três dias depois, despediu José Sócrates.
catarina.guerreiro@sol.pt
Caso Sócrates: Lalanda e Castro também é réu na Máfia dos Vampiros