Golpe nas arábias

Foi durante anos um país aparentemente imutável: sob a mão de ferro da Casa de Saud e a gozar os proveitos do petróleo, a Arábia Saudita destacou-se pelo conservadorismo e por não arriscar no tabuleiro geoestratégico. Tudo mudou com a entrada em cena do novo Rei, Salman, de 79 anos, mas também dos novos sucessores.

Aos cem dias de reinado, Salman já deu mais sinais de mudança do que nos dez anos do antecessor, Abdullah. É sensível à opinião das redes sociais: já despediu um ministro da Saúde após um vídeo mostrar um cidadão queixoso da qualidade de um hospital a ser insultado pelo ministro. A mesma sorte teve um assessor do Rei na segunda-feira, após ter agredido um fotógrafo quando este registava o cumprimento entre Salman e o homólogo marroquino, Mohamed VI, momento que também se tornou viral. 

A única mulher presente no Governo, a vice-ministra da Educação, foi afastada na remodelação ocorrida há dias. Num país que continua a tratar as mulheres de forma discriminatória ao ponto de não poderem conduzir automóveis, aparenta ser mais uma machadada na esperança feminina de progresso rumo à dignidade. Mas há sinais contrários. Pela primeira vez, as mulheres serão chamadas a votar. Será em Agosto, em eleições municipais. E nesta semana foi nomeada uma mulher, Thoraya Obaid, para presidir o comité dos direitos humanos da Shura, o conselho consultivo do monarca.

Rei morto, herdeiro deposto 

Mas a mais importante de todas as medidas de Salman, até agora, foi a mudança da linha sucessória. Apagando a vontade de Abdullah, o novo Rei retirou o meio-irmão Muqrin da lista de sucessores. Para o seu lugar foi o ministro do Interior, Mohammed bin Nayef, 15 anos mais novo, o primeiro príncipe herdeiro que não é filho de Ibn Saud, o primeiro Rei da Arábia Saudita. 

Como Nayef não tem filhos varões, foi designado seu sucessor o primo – e filho de Salman – Mohammed bin Salman. Aos 35 anos, acumula poder: ministro da Defesa, chefe do protocolo real e chairman da petrolífera Aramco. A empresa, por sua vez, deixa de estar dependente do Ministério do Petróleo.

Da renovação ministerial, registe-se ainda a saída de Saud bin Faisal do posto de ministro dos Negócios Estrangeiros ao fim de quarenta anos de serviço. Para o seu lugar foi chamado de Washington o embaixador Adel bin Ahmed Al-Jubeir. Estas mexidas tiveram como resultado um novo perfil do país no que se refere ao seu papel de potência regional. 

O vizinho Iémen é o mais recente exemplo da agressividade com que Riade passou a tratar os seus rivais. As milícias xiitas Houthi, apoiadas pelo Irão, e os aliados do anterior Presidente Saleh, financiado pelos Emirados, têm sido bombardeados por uma coligação liderada pela Arábia Saudita. Além das infra-estruturas atingidas no país mais pobre da região, os ataques – realizados sem aval das Nações Unidas – fizeram centenas de mortos. Uma demonstração de força do filho do Rei. 

Na terça-feira, pela primeira vez, os iemenitas responderam, entrando em território saudita, tomando postos e reféns e bombardeando a cidade de Najran. Resultado: três mortos e a certeza de que o conflito está longe de terminar.
Também na Síria o reino de Saud passou a ter um papel mais interventivo. Com relações renovadas com a Turquia de Erdogan, o apoio a grupos de combatentes anti-Assad que não o Estado Islâmico começa a dar frutos no Norte sírio.

É neste contexto que Barack Obama recebe na próxima semana os líderes do Conselho de Cooperação do Golfo. Em Camp David, nos dias 13 e 14, o Presidente dos Estados Unidos vai tentar convencer os países árabes de que um acordo sobre a questão nuclear com o Irão – país muçulmano, mas não sunita nem árabe – é positivo para o Médio Oriente. Não será fácil.

cesar.avo@sol.pt