Não nos mandem

Short message service – é o que quer dizer sms: serviço de mensagens curtas. O que é que aconteceu para que a política se reduzisse a isto? 

Dois anos depois da crise governativa, Passos Coelho vem contar, numa biografia, que Paulo Portas se demitiu por sms. Em que é que esta revelação contribui para a felicidade dos portugueses e para a solidez da governação? Cheira apenas a vingança – e das pequeninas, insidiosas, que são as de pior odor e as que menos adiantam à mudança do mundo.

Uns dias antes, António Costa entendeu responder por sms a um texto do Expresso em que se sentiu ofendido. Pergunto de novo: para quê? O que aconteceu ao clássico ‘direito de resposta’? Por que razão não optou o líder do Partido Socialista por utilizar esse direito – ou, o que seria talvez mais sensato, em particular nesta época de ebulição pré eleitoral, deixar passar a ofensa como uma simples e quotidiana desvantagem da exposição pública?

A aceleração da vida contemporânea leva-nos a, insensivelmente, perder a noção da importância relativa das coisas.

Um primeiro-ministro devia abster-se de divulgar pormenores das suas quezílias com companheiros de coligação.

Um candidato a primeiro-ministro devia abster-se de enviar mensagens ofendidas a jornalistas, escrevam eles o que escreverem: sei muito bem que difamações e ofensas à honra doem, oh se doem, e que contar com a Justiça para as apagar é uma miragem; mesmo que a honra não se tivesse tornado a espécie de OVNI jurídico em que, de um modo geral, se tornou, a demora judicial é sempre tanta que, a haver redenção, os danos serão já irrecuperáveis.

Mas, na política, a consideração do interesse geral deve ser sempre superior – por sincero idealismo (isso que é ou deve ser a raiz de toda a acção pública) ou por pura estratégia: o povo quer soluções para o desespero socioeconómico em que vive, não quer saber das tricas entre os senhores A e B.

Essas tricas têm por única consequência a desmobilização do voto, e a mistificação demagógica. Levam as pessoas a dizer aquelas coisas terríveis que matam a possibilidade da própria política: são todos iguais, não querem saber de nós, etc. É assim que se cria o descrédito nos partidos e se abre espaço para a demagogia pura.

O descrédito da política tradicional tem feito crescer a extrema-direita na Europa – e, o que é mais grave, tem enfraquecido a própria ideia de Europa.

A política tornou-se um território de brigas pessoais e números, sempre diferentes, sempre trágicos e apresentados como fatalidades sem alternativa.

Faltam, na Europa como neste início de campanha eleitoral em Portugal, ideias políticas, visões de sociedade que não se resumam ao modo de cobrar mais impostos ou de atingir determinados patamares pré-estabelecidos de défice.

O PSD dá um tiro no pé ao fazer do programa do PS o centro da sua campanha, enviando 29 perguntas ‘técnicas’ sobre o dito (por carta, porque por sms seria demasiado longo), e propondo para o dito programa uma ‘auditoria’ independente.

O PS dispara também sobre si mesmo ao entrar num registo puramente contabilístico: as pessoas estão fartinhas da dança dos números, entidades abstractas manipuladas por ‘especialistas’ póstumos da crise.

O que as pessoas sabem é que os seus bolsos continuam vazios e as suas vidas continuam sem esperança. Não nos mandem sms das vossas vaidades beliscadas: falem-nos de uma sociedade onde valha a pena viver.