Quais são os restaurantes que frequenta?
Se quero ir comer marisco, vou ao Nunes. Ia muito ao Ramiro, mas está confuso para arranjar mesa. Gosto de ir ao indiano. Vou ao sushi do Aguinaldo porque era o meu sushiman e gosto dele. Vou comer peixe ao Montemar, porque não tenho nenhum restaurante em cima do mar. Mas de resto tenho tudo.
Não sente curiosidade de ver o que os outros chefes estão a fazer?
Tenho, mas não tenho tempo. E quando tenho tempo não quero levar um tiro no pé.
Por que diz isso?
Prefiro ir ver lá fora. Mas tenho muita curiosidade em ir à Cevicheria e ao Talho porque já vi que o Kiko [Martins] é uma pessoa que sabe o que está a fazer.
Como vê a restauração portuguesa?
A restauração em Portugal tem um problema grave que vai ter de mudar: os impostos. É vergonhoso o que se está a passar. É um tiro no pé. Entre a ASAE e os impostos fomos fustigados com perseguições, em que os mais sérios são os que acabam sempre por pagar e aqueles que eles queriam ir buscar que são os do cafezinho e do restaurante da mãe e da prima, continuam. Além disto, em Portugal, temos uma mentalidade muito grave em relação a pagar nos restaurantes. Deparo-me muito com isso, porque trabalho com matéria-prima muito cara. No K.O.B., por exemplo, dizem que é caríssimo, mas um bife wagyu do Japão é uma iguaria, não é carne de hambúrguer de seis euros. O português ainda não percebeu isto. Há muito essa ideia de que o Olivier é caro. Não acho que seja. A nível europeu sou baratíssimo. Aqui no Petit Palais pode-se começar com um gin caro, depois com entradas, pratos e sobremesas, café, vinho e ainda um digestivo, deve pagar 100 euros [por pessoa]. Se formos ao Costes, em Paris, pagamos muito mais do que aqui e não se come tão bem. O comum português compara o Petit Palais a uma cervejaria, mas estou no centro da cidade, tenho 30 empregados, vallet parking, os melhores DJ, decoração espectacular e alta gastronomia.
No passado disse que sentia que não lhe davam valor. Não será esse olhar uma consequência de ter saído da cozinha e dizer o que ainda há pouco disse sobre os chefes?
Acho que é um cocktail de coisas. Tenho uma imagem um bocadinho agressiva para quem não me conhece. Quando me conhecem dizem-me muitas vezes: ‘Estava à espera que fosses outra pessoa porque falam isto de ti’. Quando uma pessoa tem sucesso, começa a ganhar dinheiro, a ter mais poder e contacto com pessoas de poder, é normal que crie invejas. Este país é muito pequenino e eu sou uma pessoa muito exposta. É uma mistura bombástica. Quando se tem muito sucesso há sempre alguém a dizer mal. As pessoas não conseguem lidar bem com o sucesso dos outros. Eu fico contente com o sucesso dos outros.
Fica contente, ou é-lhe indiferente, que tenhamos cada vez mais estrelas Michelin?
Fico contente, mas não é uma coisa que me atraia. Acho que ter uma estrela Michelin é um handicap. Uma estrela Michelin faz logo com que seja caro. A minha linha é completamente diferente. Tenho restaurantes comerciais, com onda, onde se come muito bem. Um restaurante Michelin não tem onda. Não gosto desse tipo de restaurantes. Além disto, para mim, um restaurante tem de ser rentável e os restaurantes Michelin não são rentáveis. Mas cada um sabe do seu negócio.
Isso soa à conversa de quem está a olhar para a maçã do quintal do vizinho…
Tive dois restaurantes onde tinha merecido ‘largo’ a estrela. No Bairro Alto tive uma Mention e não me deram a estrela porque era um restaurante sem as condições que eles exigiam. No Olivier Café também tive a menção. Aqui no Petit Palais, ainda no outro dia o chefe me estava a falar nisso. Mas tenho medo, um restaurante com estrela Michelin assusta mais.
As suas primeiras recordações envolvem ver o seu pai, o chefe Michel, na cozinha?
Nasci dentro de um restaurante, dentro de cozinhas. A minha avó era uma super cozinheira, a minha mãe também, o meu avô adorava comer, eu também. O programa mais giro para mim era ir ao restaurante do meu pai. Nunca tive um dia na vida sem ter contacto com um restaurante.
Tem recordações fora da cozinha?
Nasci em Lisboa e vivi sempre em Lisboa. Fui sempre fiel à minha cidade e sempre nesta zona do centro. Vivi na António Augusto de Aguiar, depois fui para o Castelo de São Jorge. De resto, desde pequeno que fui muito dinâmico e sempre gostei de ganhar dinheiro. Ainda hoje acordo de manhã e o meu primeiro foco é ganhar dinheiro. Nunca fui um bom aluno. Na altura não se diagnosticava isto, mas sou completamente disléxico. Estava numa escola complicada, o Liceu Francês, e naquilo de que gostava era muito bom, mas no resto era muito mau. Aos 13 anos, como tinha muita liberdade, o meu refúgio era o snooker, frequentava as salas de snooker todas da cidade. Fugia da escola e jogava oito horas por dia. O meu pai dava-me semanada e o meu avô também e eu jogava a dinheiro. Aos 16 anos tive mota e comecei a ser ainda mais independente.
Quando teve o seu primeiro negócio?
Aos 13 ou 14 anos comprava t-shirts de marcas boas mas com defeitos e vendia na escola. Antes disso, o meu primeiro negócio, foi vender bombas de Carnaval. Até pegar fogo e acabar no hospital, queimado.
Como assim?
Pegaram-me fogo. Foi uma brincadeira parva que correu mal. Mas antes já me tinha rebentado uma bomba na mão. Foram duas situações seguidas, naquela idade parva dos 13 anos, em que literalmente andei a brincar com o fogo. Fui operado, estive três meses a entrar e sair do hospital. Foi uma altura mais maluca, eu era agressivo e dava-me com os miúdos mais ricos, mas também com os mais complicados. Dominava ali uma zona, era líder. Sempre fui um líder. Graças a Deus que peguei fogo, porque senão podia ter acontecido algo mais grave. Depois, para aí aos 16 anos, saí do Liceu Francês para uma escola portuguesa, mas a meio do ano tive uma chatice com um professor, bati-lhe e nunca mais lá voltei. Acabei por fazer o secundário na escola de hotelaria e ainda estagiei no Ritz.
Já tinha o pavio curto.
Preciso de ser muito picado para me virar. Mas quando me viro não há hipótese. Quando me viro é até matar.