Corrigiu todos os movimentos da empregada que nos serviu água agora mesmo. Repara sempre em todos os pormenores dos seus funcionários?
Nas alturas de abertura de um novo espaço, nada me passa. Não consigo delegar e estou sempre desconfiado. Tenho sempre medo que falhem. Daí o stress contínuo.
E daí a imagem que se tem de si de que é alguém que está sempre a mil. Por exemplo, o seu pé está sempre a tremer.
A dormir e tudo. Não pára. Não sou nervoso, sou super nervoso. Hoje em dia há coisas com as quais já me enervo menos, mas o problema é quando começa a acumular. Se as coisas começam a correr mal logo às 8h30, ao meio-dia alguém vai ter de levar um grito. E depois é chegar primeiro. Em tempos fui a um psicólogo que me dizia que não sei navegar em águas calmas, só em tempestades. Estou sempre em guerra._Quando não estou, caio para o lado.
Como assim?
Caio mesmo. E lá vou para o hospital com sintomas de ataque cardíaco, ninguém percebe bem o que é.
Está a falar a sério?
Sim. E deve estar quase a repetir-se. Passa a abertura e mais ou menos um mês depois, pumba! Lá vai o Olivier de charola. Os médicos disseram-me que o corpo, por causa do stress, liberta uma enzima tipo adrenalina, e habitua-se a isso. Quando deixa de ter essa enzima, o corpo reage, e a reacção é parecida com um ataque cardíaco. Falta de ar, enjoos, dores no braço, pânico.
Como foi a primeira vez que lhe aconteceu?
Estava com os meus dois melhores amigos. E a última vez estava com os meus filhos. Na primeira vez toda a gente apanhou um susto, mas desta vez foi ainda mais grave porque estive inanimado sete minutos e estava com os miúdos. Mas agora já toda a gente sabe que tenho isto. Qualquer dia tenho mesmo um ataque cardíaco e ninguém liga. O problema é que, cada vez que abro um restaurante digo: ‘pronto, agora já chega’. Mas aparece sempre outra ideia.
Já tem outros projectos?
Sim, vou já abrir a Praia, em São João, na Caparica, e vou abrir uma parceria com o Villa Albatroz, em Cascais. E vamos reabrir o Algarve, para o Verão. Até final de Agosto não vou estar quieto, por isso pode ser que não caia já.
E tem este Petit Palais, que está a dar os primeiros passos.
E o K.O.B.! Têm poucos meses de diferença. O Petit Palais devia ter aberto dia 15 de Setembro, o K.O.B. foi uma oportunidade que apareceu em Outubro e abri no final de Novembro. Foi uma proposta que me fizeram e lembrei-me de fazer um projecto de carnes maturadas. Quando entro num sítio imagino um conceito.
O que imaginou para este palácio, que outrora foi a casa de Medeiros e Almeida?
Isto que está agora a ver. As pessoas entram aqui e parece que estão a entrar num clube em Londres. É um restaurante-bar com comida à antiga francesa, que está outra vez em voga. Estamos a abandonar a nouvelle cuisine e a cozinha molecular. Não é nada disso que quero, até porque não gosto. Não quero comer um arroz desidratado de não sei o quê. A minha linha é comercial, bons produtos, bom serviço, boa decoração e bom ambiente. É uma fórmula de sucesso em qualquer parte.
Quando começou este projecto?
Desde o dia em que entrei aqui até ao dia em que abri, demorou dois anos e meio. Houve uma fase de maturação da ideia, depois houve uma fase para definirmos quando iríamos começar, depois… Neste restaurante fiz o que se deveria ter feito em termos de licenciamentos e foi o que correu pior. O Guilty não tinha nada, fizemos a obra toda e nem sequer pusemos um papel na Câmara, deu aquela barracada, mas a Câmara ajudou-nos. Neste caso foi o contrário. Pedimos tudo à Câmara, o projecto foi aprovado, pedimos uma licença de obra, a licença foi aprovada e então começámos. Fizemos a obra toda e, um dia antes de abrirmos, fizeram-nos uma inspecção e acharam que não estávamos em concordância com o que esperavam. Tive de destruir tudo e voltar a fazer como eles queriam. Foi um período desgastante e um prejuízo brutal. E no meio disto tudo houve uma separação.
Pensou desistir?
Nunca desisto. Perder, para mim, é impossível.
Nunca perdeu? Recentemente teve de encerrar o Honra…
Já perdi algumas batalhas, mas perder a guerra não perco. No Honra quem falhou não fui eu, mas a pessoa que me alugou o espaço e que não percebeu o conceito Olivier. Ele arranjava problemas com tudo e com nada, chateámo-nos e fomos para a guerra. Sinto-me lesado. Perdi a batalha de ter de fechar o Honra, mas acho que ainda não perdi a guerra. O Honra estava a facturar. Até agora todos os restaurantes que abri tiveram sucesso.
Mas fechou aquele que foi o seu primeiro projecto, o Olivier, no Bairro Alto.
Não fechei, vendi. Facturei muito dinheiro. Não precisava de o fechar, mas prefiro sair em alta e sei que os restaurantes têm um tempo de vida. Achei que não fazia sentido ter o Olivier do Bairro Alto, quando já tinha o Olivier Café, o Avenida e o Guilty. Já tinha tirado o leite, era hora de matar a vaca e comer a carne.
Não acredita em restaurantes que durem para sempre?
Acho que não. Aquele conceito de restaurante, como era o Gambrinus, já não se aguenta. Porquê? Porque antigamente havia quatro ou cinco bons restaurantes, agora abre um todos os dias. A clientela tem tendência a dispersar-se. E ou se torna um restaurante emblemático, que eu acho que é o caso do Avenida, ou é muito difícil. Acho que o Avenida pode vir a ser um Gambrinus. E o Petit Palais, se tudo correr bem, também pode vir a ser um restaurante que dure muitos anos. Normalmente, nos primeiros três meses, vê-se logo se um restaurante vai ser um sucesso. Se nesses meses não tem uma linha ascendente, temos um problema. Até hoje isto nunca me aconteceu: abro um restaurante e dispara logo lá para cima.
Neste momento tem cinco restaurantes, além das parcerias. Dirige tudo sozinho?
A minha mulher Ewa [Kubik] está à frente do K.O.B. porque ela queria um restaurante e eu dei-lhe um. Além disso é a minha relações públicas. Depois tenho um braço direito que é a Eva ‘Pequenina’, que é o número dois da empresa. Mas não estou sozinho, somos 154! Isto são os empregados directos. Depois há mais uns 100 que trabalham com a marca Olivier ao peito. Antes havia a minha irmã Natalie, que era o meu outro braço, mas ela quis sair. Ainda não arranjámos a pessoa para a substituir. Um bom gestor tem de ir a todas as áreas, não pode ser só fazer bifes e batatas fritas.
Que é coisa que o Olivier já nem faz. Hoje em dia não restam dúvidas que deixou o lugar de chefe para ser gestor…
As cartas são sempre elaboradas por mim, tal como as afinações. Mas nomeio um chefe de cozinha. Neste caso até foi um casal de franceses. Meti um anúncio num jornal em França e eles quiseram vir. Está a correr optimamente, já compraram uma casa em Lisboa e tudo! Mas tenho uma coisa boa: não dependo de chefes para ter cozinha. Sei montar brigadas e fazem aquilo que eu quero, ao meu gosto.
São afirmações desse género – ‘Não dependo de chefes’ – que o fazem andar em choque com outros chefes de cozinha.
Não estou em choque com ninguém, faço o meu trabalho. Dou-me muito bem com o [José] Avillez, com o [Henrique] Sá Pessoa, com o Ljubomir [Stanisic], o Kiko [Martins], que ainda agora esteve aqui e que acho que daqui a uns tempos vai ser um Olivier e vai deixar de estar na cozinha… Não sei que chefes está a referir, agora há uns que não conheço. Se há uns que são mais ciumentos, sei lá. A inveja é tanta e este país vive da inveja. Uma pessoa tem de lidar com ela. Vou dar-lhe um exemplo, um homem que é meu amigo e que é o melhor jogador de futebol do mundo e as pessoas deviam lamber o chão que ele pisa… Mesmo assim muita gente diz mal dele. Porquê? As pessoas gostam de dizer mal.
Em nenhum momento tem saudades da altura em que realmente cozinhava, em que estava na cozinha?
Não. Sou uma pessoa muito ambiciosa. Sou uma locomotiva, só olho para a frente.
Hoje em dia nunca cozinha?
Só em férias. No Verão fomos para Formentera e aí fui à praça, ao supermercado e cozinhei para toda a gente. De resto, não cozinho desde o princípio do Olivier Café, há uns dez anos. Mas ainda hoje fui gritar para a cozinha. E todos os dias vou às cozinhas dos meus restaurantes.
Como é o seu dia-a-dia?
Deito-me tarde e adormeço muito tarde, por volta das 4h, 5h. E acordo entre as 8h30 e as 9h. Depois estou ali uma hora para conseguir ligar os motores. Depois ando mais ou menos uma hora com a minha mulher. Depois, se tenho um dia calmo, chego aqui ao meio-dia. Se começo a stressar, mal acordo estou a chatear toda a gente. Chego a mandar mensagens às 4h ou 5h da manhã. Assim, quando acordam, já sabem com o que vão levar. Tenho dois momentos em que consigo pensar: entre as 2h e as 4h da manhã, que é o meu tempo de relaxe, em que vejo o Food Chanel ou o Anthony Bourdain; e depois, entre as 19h e as 21h, arranjo sempre tempo para estar com os meus filhos e para uma power nap. Saio de casa, dou outra vez a volta aos restaurantes todos, mas agora fico mais no Petit Palais. Mas tenho de passar em todos, senão nem estou bem comigo. Nem que seja só entrar, falar com os clientes e dar um abracinho ou um beijinho aos empregados.
Isso contraria a ideia de que é um patrão algo assustador…
Quem não me conhece, ao princípio, acha que sou aterrador. Mas não sou. A imagem que as pessoas têm de mim é completamente ao contrário. Sou o gajo mais querido que existe. Não podem é, nunca, fazer uma de duas coisas… Têm de me ser leais e nunca, nunca, nunca me podem roubar. Aí vêem outra pessoa que não querem ver.
É um homem de perder as estribeiras?
Não é as estribeiras. Resolvo eu, não há mais conversa. Há as leis lá de fora e há as leis cá de dentro. Ainda há pouco tempo tive uma reunião com dois empregados novos, em relação aos quais havia uns zunzuns que tinham sido despedidos por roubo. Disse-lhes: ‘Toda a gente erra e não quero nem saber o que aconteceu. Mas aqui dentro se houver um esquema de me roubarem, mato-vos. Dou-vos um tareião que vos parto ao meio’. Não vou pôr nada em tribunal, parto-os todos! Sou assim.