Oxalá as Publicações Dom Quixote tenham a presciência de a reeditar rapidamente: a plebe também tem direito aos livros bons, por muito que isso arrepie certos senhoritos das belas letras.
De resto, D. Quixote narra a epopeia do povo, dos seus sonhos, misérias, coragens e cobardias. É um romance de uma actualidade absoluta: idealismo e pragmatismo, cultura e entretenimento, submissão e liberdade, amizade e traição, pobres e ricos, identidade e xenofobia – todos os grandes temas que se jogam no mundo de hoje se cruzam nestas páginas, tratados com um humor, uma imaginação e um estilo inultrapassáveis.
Oxalá as pessoas o leiam já, e não estejam a comprá-lo apenas para decorar a estante, por ser uma edição em capa dura e muito barata, feita para celebrar os 50 anos da editora com o mesmo nome.
Publicam-se cada vez mais livros – e uma percentagem enorme desses livros é arrasadoramente má, o que é grave, porque demove as pessoas da leitura.
Ao contrário do que defendem alguns responsáveis editoriais, a populaça não gosta só de porcaria, ou seja, de livros sobre vedetas, doenças de vedetas, romances de cordel embrulhados em fitas de cetim ou camas com algemas, ou manuais de suposta auto-ajuda disfarçada de biografia e-ou-ficção (a mais recente publicação do género dá pelo cândido título de Somos Aquilo Que Escolhemos e é de ir às lágrimas, mas não se iludam que não se aprende ali nada).
Quem não dispõe de parentela com biblioteca guia-se apenas pela promoção e pelo que está à vista – e se o que está à vista são esses livros, lá os compra, até que desiste.
Generaliza-se então a ideia de que a literatura está, também ela, em crise – o que não é verdade. A literatura encontra cada vez menos espaço nos programas editoriais: as traduções têm decrescido em todo o mundo e, quando se publica ou traduz, escolhe-se a última novidade dita 'polémica' ou o mais jovem e belo dos jovens e belos escritores.
Há anos, depois de ter publicado no Brasil um romance que correu bem, recusei-me a assinar um segundo contrato sem que primeiro a editora contratasse um livro de Agustina Bessa-Luís.
A editora em causa estava a lançar uma colecção de autores portugueses que não incluía nenhum escritor com mais de 50 anos, alegando dificuldade em interessar os meios de comunicação por gente mais velha, cujas rugas arredariam o glamour das capas de revista e dos canais de televisão.
Além disso, parecia-lhes que os escritores de maior idade não estariam disponíveis para viagens nem para digressões de promoção dos livros.
Não era esse o caso de Agustina, grandiosa viajante e de uma curiosidade infinita.
Este tipo de 'argumentação', reles, preguiçoso e terrorista, tem conduzido ao decréscimo do número de leitores pelo mundo fora: depois de lerem meia-dúzia de livros que são mais do mesmo, as pessoas desistem, compreensivelmente. Depois diz-se que a culpa é da internet e da crise.
Consegui que se publicasse Vale Abraão, e a editora acabou por me agradecer, porque logo a seguir Agustina ganhou o Prémio Camões. Mas nunca mais se publicaram livros dela no Brasil, e já lá vai mais de uma década. Dizem que é uma autora 'difícil'. A literatura não nasceu para repetir o fácil; quem assim pensa, deve mudar de ramo. Conheço jovens e gente de poucos estudos que mudou de vida por ter lido Agustina. E penso nos que não conheço e aos quais não é dada sequer a hipótese de a conhecer.
Perguntarão: onde está o puro sexo anunciado no título? Na literatura, amigos. Experimentem.