Boémio recuperado

Armida, ópera em três actos estreada em 26 de Dezembro de 1779 no Alla Scala de Milão, vai a palco nos dias 22 e 23 no Centro Cultural de Belém.

Até aqui nada de mais. Mas há. Não é todos os dias que se dá uma estreia mundial. Ou, em rigor, de uma estreia mundial contemporânea de um compositor do século XVIII. E essa estreia acontece porque a Orquestra Metropolitana de Lisboa (OML) resgatou da Biblioteca Nacional da Ajuda uma cópia – a única que se conhece em estado completo – da partitura de Joseph Myslivecek, natural da Boémia (hoje República Checa).

«A corte portuguesa tinha o hábito de encomendar partituras italianas. Quando D. José I morreu D. Maria manteve essa tradição», conta ao SOL o musicólogo Rui Leitão. Responsável pela transcrição da partitura, durante o último ano, explica que «teve de haver uma normalização de procedimentos quer em termos de texto, quer em termos de música». E que envolveu também a correcção de gralhas, uma vez que «o copista fez o trabalho um pouco à pressa».

A cópia manuscrita de Armida, proveniente do espólio da Casa Real, e guardada na Biblioteca Nacional da Ajuda, veio – como outras 17 óperas de Myslivecek (das 26 que compôs) – de Nápoles e Génova. Que se conheça é a única completa e em estado considerado perfeito (a outra, depositada na Biblioteca Nacional de França, está incompleta). E como as outras óperas «nunca foram feitas nos tempos modernos», Portugal tem um tesouro musical em mãos. Até porque, como comenta o musicólogo e assessor da direcção artística da OML, trata-se de «um bom compositor».

Nascido em Praga em 1737, Myslivecek aprendeu as artes do violino e da moagem. Já estabelecido como moleiro, partiu para Veneza estudar composição de ópera, estabelecendo-se na Península Itálica com grande sucesso. Em 1770 o jovem Mozart trava conhecimento com o homem que viria a ficar conhecido como Il Divino Boemo – e exerceria uma grande influência no seu trabalho. Mas duas óperas que correram mal deixaram o compositor na ruína, tendo terminado os seus dias no esquecimento.

Em Lisboa, sob a direcção do maestro João Paulo Santos, a Metropolitana, os cantores Joana Seara, Carla Caramujo, Eduarda Melo, Sónia Alcobaça, Leila Moreso e Marco Alves dos Santos e o coro Voces Caelestes irão mostrar por que foi o boémio famoso.

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