Ora aí está, o novo Museu dos Coches

Quatro mulheres estão debruçadas sobre um objecto, difícil de decifrar à primeira vista, e tecem linhas com agulhas muito finas de coser. Assim permanecem, imperturbáveis, quando um grupo de jornalistas invade a oficina de restauro com o reboliço próprio de quem está a visitar pela primeira vez o novo Museu Nacional dos Coches. Terminado desde…

A excepção aconteceu nesta manhã da semana passada – e irá repetir-se ocasionalmente para autorizar a entrada de investigadores e especialistas da área vindos de todo o mundo, como aliás já tem acontecido. Tudo o que vai estar exposto a partir de amanhã no novo Museu, mesmo em frente ao antigo, passou primeiro por ali, sendo depois transferido do rés-do-chão para a área expositiva no primeiro andar através da plataforma elevatória estrategicamente localizada.

A equipa de Rita Dargent foi a primeira inquilina do edifício projectado pelo arquitecto brasileiro Paulo Mendes da Rocha (vencedor do importante Prémio Pritzker em 2006) com o ateliê português de Ricardo Bak Gordon. Os 16 conservadores restauradores mudaram-se para a nova 'casa' há dois anos e, desde então, já recuperaram dezenas de viaturas, num processo “muito minucioso”, que às vezes obriga a “mais de dois meses” de trabalho num só coche. É a isso que as quatro técnicas se dedicam no momento da nossa visita e quando nos aproximamos explicam que a peça que recuperam é o assento do Coche das Galveias, de 1820.

Em imagens: a transição para o novo Museu dos Coches

O restauro visa “consolidar” partes da estrutura têxtil que suporta o banco, muito “degradada”. Às borlas originais as técnicas acrescentam, por isso, uma rede de seda que originalmente o adorno não tinha, mas que permitirá preservá-lo “sem que ninguém duvide da sua antiguidade”. A limpeza foi outra das tarefas mais exercitadas nestes dois anos, como é fácil atestar pelo Coche dos Oceanos, que fez parte, em 1716, da embaixada enviada por D. João V ao papa Clemente XI e que agora parece banhado a ouro tal a intensidade de dourado que a sua talha exibe.

Contíguas à oficina, escondem-se mais quatros salas onde repousavam as reservas. Cada um desses espaços assemelha-se a um closet profissional, com armários giratórios, onde estão guardadas mais de sete mil peças de vestuário e acessórios, desde fardamentos diversos, como as casacas de abas vermelhas que lembram O Soldadinho de Chumbo do conto de Hans Christian Andersen, luvas, chapéus, sapatos, até apetrechos para cavalos, com nomes desconhecidos do comum dos mortais, como xairel, coxim, teliz, cabeçada, cepilho, bridão, gualdrapa, sota, xabreque e por aí fora.

Transferir todas estas peças para o novo museu foi, comenta a conservadora, como “abrir uma caixa mágica”, com muitos dos objectos a revelarem-se pela primeira vez até para as pessoas que lá trabalham. Mas agora que está tudo catalogado, garante Dargent, é mais fácil encontrar uma peça de um determinado uniforme nestas reservas do que saber onde guardamos um lenço ou um par de luvas no roupeiro lá de casa. Como exemplo, mostra a elegante casaca de veludo verde e botões brilhantes que o infante D. Afonso usou no torneio do hipódromo de Belém, a 24 de Abril de 1892.

Alguns destes uniformes vão estar à vista em regime permanente nas 16 vitrines espalhadas pelas duas naves de exposição (os restantes servirão para promover mostras temáticas temporárias), comunicando directamente com as 78 viaturas exibidas (no antigo estavam 55) e que permitem fazer, diz a directora, Silvana Bessone, uma “viagem pela História dos transportes reais desde finais do século XVI ao final do século XIX [período até aqui pouco representado por falta de espaço e que, por isso, permanecia no núcleo de Vila Viçosa]”, naquela que é a mais importante colecção do mundo. “D. Amélia foi visionária ao decidir proteger este património. As guerras na Europa destruíram muita coisa e hoje os franceses, por exemplo, para verem os seus coches têm que vir cá”.

Ordenados cronologicamente, o percurso começa com o célebre coche de Filipe II – feito para grandes viagens e, por isso, detentor de pormenores como o buraco sanitário por baixo da almofada do assento – e mostra, a par dos coches e berlindas, veículos como coupés, liteiras, carrinhos de passeio, carros de caça, charretes, dois velocípedes e uma mala-posta, as primeiras carruagens públicas de passageiros e de correio. Também lá está o Landau do Regicídio (onde D. Carlos e o príncipe herdeiro, Luís Filipe, foram assassinados em Fevereiro de 1908, com as marcas das balas ainda visíveis), o último a integrar a colecção e que foi escolhido para iniciar a operação de mudança de instalações, há dois meses, no dia 23 de Março, do velho para o novo museu.

Com uma área expositiva de seis mil metros quadrados, o triplo da do antigo museu, o custo global do novo museu ronda os 40 milhões de euros, valor suportado pelas receitas do Casino de Lisboa. Já as estimativas de custos de funcionamento são de 2,7 milhões de euros, com um índice de cobertura de 2,3 milhões. Quer isto dizer que os encargos do Estado rondarão os 400 mil euros anuais, praticamente os mesmos que os de 2014, último ano em que a colecção esteve instalada no antigo picadeiro.

Enquanto o projecto museológico não estiver terminado – ou seja, enquanto todas as informações essenciais à leitura da colecção não estiverem instaladas e faltar concluir a ponte pedonal e ciclável sobre a linha de comboio e a Avenida da Índia, prevista até Junho de 2016 -, o preço dos bilhetes será de oito euros (para quem visitar os dois edifícios), seis euros (só para o novo) e quatro (só para o antigo), acrescentando-se depois dois euros nas duas primeiras modalidades quando todo o museu estiver operacional. Amanhã e domingo a entrada é gratuita. 

alexandra.ho@sol.pt