Por coincidência, eu jantava num restaurante próximo da Grand Place de Bruxelas quando oss irromperam, partindo montras com bastões, atirando cadeiras ao ar, lançando petardos e chegando mesmo a disparar tiros.
Felizmente aquele restaurante tinha uma cortina de ferro, que baixou, e ficámos encurralados, a ouvir a destruição da horda, até perto das duas da madrugada. Houve feridos e enormes prejuízos. Noite de guerra numa cidade do centro da Europa. Desacatos de menor monta sucederam também, noutros dias, com hooligans italianos, belgas e alemães.
A memória das pessoas é curta e, quando as emoções começam a borbulhar, surge essa outra forma de violência que é o preconceito, em todo o seu esplendor.
Assim, ao longo desta semana e das intermináveis horas de análise televisiva aos acontecimentos pouco edificantes que arruinaram a noite da vitória benfiquista, ouvi a vários comentadores expressões como «parece que estamos no Terceiro Mundo», «parecia que estávamos em África ou na América do Sul».
Como se na douta Europa não se praticassem selvajarias: busca-se logo o ferrete do bruto ignaro nesses lugares de pobres e ex-colonizados. E a nenhum moderador ou jornalista ocorreu sequer travar esses insultos por atacado a africanos e sul-americanos.
Continua, aliás, em vigor a prática 'jornalística' de destacar a nacionalidade ou mesmo a cor da pele de um hipotético prevaricador, desde que não seja português – ah, os romenos, os cabo-verdianos, os brasileiros ou africanos. Como quem diz: cuidado com eles, que não são civilizados como nós.
Ainda bem que contamos hoje com o testemunho das imagens que documentam actos de prepotência e permitem o apuramento de responsabilidades.
Espero que os filmes da brutal delapidação do estádio do Vitória de Guimarães se mostrem eficazes – o Benfica dispôs-se imediatamente a pagar tudo, mas seria útil que os ladrões e destruidores fossem identificados, processados e, evidentemente, expulsos do clube.
Questão de exemplo e prevenção: se as acções não tiverem consequências, os estádios de futebol arriscam-se a ficar vazios. Quem vai levar a família a um jogo sabendo que pode acabar espancado diante dos próprios filhos menores?
Entretanto, pergunto: por que razão a vitória num campeonato – qualquer que ele seja e qualquer que seja o clube vencedor – se celebra no centro da cidade? Há anos que faço esta pergunta, e até hoje não consegui resposta.
Em caso de vitória da Selecção Nacional, justifica-se que a capital se renda ao futebol. Mas a vitória de um clube deve ser celebrada no estádio respectivo, por todas as razões, a começar pela muito maior facilidade na contenção de eventuais agressores.
Mesmo sem pedras arrancadas dos passeios, caixotes incendiados, vidros partidos, quem paga a limpeza do centro de Lisboa, as muitas centenas de garrafas e os muitos quilos de lixo que necessariamente invadem as ruas, numa festa destas? E as leis sobre ruído urbano não se aplicam aos adeptos do futebol? Agradecia uma explicação.
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