«Vivia-se um ambiente estranho, durante essa estação [de 1991], com a Guerra do Golfo, que levou à diminuição da actividade na Alta Costura parisiense. Mas eu decidira manter-me optimista e desenhar um Verão pleno de cores, corações ao alto!», lê-se, na nota escrita por Christian Lacroix acerca de um conjunto de vestido e casaco que integrou a colecção Colchique. Para cada um dos 16 coordenados que compõem a exposição Caleidoscópio – A Alta Costura de Christian Lacroix, o criador francês fez questão de escrever uma nota. Pequenos textos onde recorda processos criativos, mas também momentos vividos durante os desfiles e até momentos da sua infância – como os gelados de chocolate e morango que fizeram com que mais tarde apreciasse a combinação entre estas duas tonalidades – ou da sua vida adulta, como a morte da mãe. «Esta colecção aparece depois da morte da minha mãe, da chegada não só de um novo milénio, mas de uma outra vida. Era necessário virar a página, mostrar uma outra faceta de mim mesmo e das minhas inspirações», escreveu a propósito das propostas para a Primavera/ Verão de 2000.
Nos coordenados presentes no MUDE, e produzidos e apresentados entre 1988 e 2000, visitamos circos imaginários, palácios opulentos, palcos de ópera, emocionantes touradas. Uma selecção que espelha «muito bem a identidade criativa de Christian Lacroix, em todas as suas inspirações», explica Anabela Becho, comissária da exposição e coordenadora da equipa de conservação do MUDE.
Esta mostra surge no âmbito da rubrica Tesouros da Alta-Costura, que visa dar a conhecer os criadores mais representados na colecção Francisco Capelo. E porque é de tesouros que falamos, e os tesouros se guardam em cofres, estas mostras foram pensadas propositadamente para a sala dos cofres, criada pela marca inglesa Chubb para o Banco Nacional Ultramarino, naquilo que resulta numa «grande instalação», de acordo com a directora do MUDE, Bárbara Coutinho.
Um apaixonado pela cor
Nascido a 16 de Maio de 1951, em Arles, Christian Lacroix demonstrou muito cedo uma natural aptidão para desenhar trajes de época. Quando terminou os estudos liceais, em 1969, mudou-se para Montpellier, para estudar História de Arte, curso que viria a terminar na Sorbonne, em Paris, cidade onde conheceu a sua mulher, Françoise.
Convencido de que seria conservador de museus, frequentou um curso de Estudos Museológicos, no Louvre, sem nunca deixar de desenhar. Esse dom natural para o desenho levou Marie Rucky, directora da escola de moda Studio Berçot, a sugerir a Lacroix que tentasse a sua sorte na moda. Assim fez, abraçando uma oportunidade na Hermès, onde aprendeu os segredos da Alta Costura. Em 1981 tornou-se director criativo da casa Jean Patou, e cinco anos mais tarde conquistou o Dedal de Ouro. O passo que lhe faltava para se aventurar na criação e uma marca em nome próprio: em 1987 nascia a casa Christian Lacroix.
Dando novamente provas de ser um criador sem medo, direcciona a sua marca para a Alta Costura num momento em que o pronto-a-vestir, o minimalismo japonês e a intelectualidade belga tomavam conta das passerelles. «A Alta Costura é a Alta Costura. É uma loucura, contraditória, imprevisível e, sobretudo, mais forte do que eu», dizia, defendendo as suas criações gritantes.
Desde o princípio que deixa claro a sua tendência para a opulência, para uma certa carga histórica e, sobretudo, para desafiar as convenções do bom gosto e os cânones estéticos, ao misturar padrões e cores sem limites. E sem medos. A cor nunca o assustou. A sua irreverência na abordagem a uma área da moda repleta de convenções ajudou a fazer ressuscitar a Alta Costura e a trazê-la para a actualidade.
Apesar deste fulgor criativo, em 2009 anunciou a falência da sua marca e a retirou-se, muito devido ao peso incomportável do seu sonho da Alta Costura. Em 2010, porém, a marca regressou, mas dedicada apenas ao pronto-a-vestir e sob a direcção criativa de Sacha Walckhoff. Já Christian Lacroix é hoje o que sempre sonhou ser: comissário de museus, dedicando-se também a criar figurinos para ópera, teatro e dança.
raquel.carrilho@sol.pt