O descontentamento com as empresas de energia tem vindo a aumentar nos anos mais recentes, à boleia da crescente liberalização do sector. Com mais oferta no mercado e os estímulos regulatórios para mudar de fornecedor, estudar as facturas da luz e do gás tornou-se uma tarefa absorvente para muitos portugueses.
Queixas sem efeito
Carmen decidiu há um ano mudar de casa e, depois de um primeiro percalço com a empresa devido ao prazo demasiado dilatado com que esta decidiu cancelar os serviços, o contrato terminou em Julho. Já este ano, recebeu uma notificação de uma empresa de recuperação de crédito a exigir-lhe o pagamento de uma factura de Agosto, quando já não morava na habitação.
Reclamou para a empresa de cobranças, para o antigo fornecedor de electricidade e para ERSE. Ainda não teve resposta, mas espera que o problema esteja resolvido. O descontentamento é nítido, já que este caso somou-se a outros que já tinha vivido. “Tinha optado por pagar através de débito directo, mas houve meses em que não foram à conta. Depois, de uma só vez, cobraram 200 euros porque não tinham feito a liquidação antes”, exemplifica. As reclamações para a ERSE foram regulares, mas “não ajudaram”.
Na Deco, os casos de dupla facturação como o que viveu Carmen são cada vez mais numerosos. E juntam-se a outras práticas que deixam os consumidores insatisfeitos. Só nos primeiros quatro meses deste ano, a associação de defesa do consumidor recebeu mais de 5.200 queixas sobre serviços de gás e electricidade. “São sobretudo sobre a facturação e a mudança de comercializador”, explica Rosário Tereso, jurista da associação.
Em muitos casos são acertos de consumos anteriores que tinham sido facturados por estimativa. Quando é feita a medição do consumo real no contador, o consumidor paga ou recebe a diferença. “Há dificuldades na interpretação das facturas. A maioria das vezes basta o contacto com a associação para os consumidores perceberem porque tiveram a factura mais elevada”, diz.
ERSE impõe sanções
A associação tem também verificado um aumento dos casos em que há facturas que exigem pagamentos já prescritos – até Abril recebeu 874 reclamações. O direito de cobrança prescreve seis meses após a prestação do serviço, mas chega a haver “facturas que se reportam a um ano inteiro ou ano e meio de consumos”, explica Rosário Tereso. Nestes casos mais extremos que a Deco recebeu nos últimos meses, os clientes chegaram a receber facturas superiores a mil euros. Perante essas situações, os consumidores devem opor-se ao pagamento, invocando junto da empresa e da ERSE a prescrição e solicitando a anulação dos valores exigidos.
A entidade reguladora do sector admite ter recebido queixas de consumos já prescritos, mas salienta que a análise “não detectou que a questão tivesse a abrangência que foi comunicada pela Deco”. Em respostas ao SOL, fonte oficial da ERSE garante que a defesa dos consumidores é um “aspecto estrutural” da sua actuação. Segundo a mesma fonte, o aumento das queixas era expectável no período de liberalização, já que há uma maior “consciência de consumo” e uma “crescente familiarização dos consumidores com os canais de reclamação”.
Das 15 mil reclamações recebidas pela ERSE no ano passado, as mais comuns são sobre o processo de facturação dos comercializadores. Nestes casos, a ERSE faz a conciliação de conflitos e “utiliza a informação das reclamações para a melhoria continuada do processo regulatório e para acções regulatórias dirigidas”. Dependendo da gravidade das irregularidades detectadas, pode abrir procedimentos sancionatórios e aplicar multas pesadas às empresas.
Recentemente, foi isso que aconteceu. O supervisor abriu inquéritos à EDP e à Galp por irregularidades na facturação. Pode haver multas até 10% do volume de negócios das empresas.
EDP corrige problemas
A ERSE refere que a sua actividade de protecção dos consumidores é “ajustada às necessidades de cada momento”, e que tem vindo a adequar-se à crescente liberalização do sector. E garante que as acções de inspecção “sempre foram, são e continuarão a fazer parte das acções desenvolvidas pela ERSE” na supervisão do sector.
O SOL questionou a Galp e a EDP sobre os processos movidos pela ERSE e sobre as reclamações de clientes. A empresa de António Mexia procura que “todas as reclamações existentes sejam resolvidas com rapidez, corrigindo erros e encontrando soluções para atenuar o impacto”.
A empresa dá o exemplo da possibilidade de pagamentos faseados e acrescenta: “As reclamações devem ser sempre enquadradas face ao universo total de clientes de quase seis milhões. Vários indicadores demonstram que a EDP tem um rácio de reclamações mais baixo que outras empresas e sectores”.