Viagem ao íntimo profundo de Rui Rio

1.    Esta é o desafio que nos lança Carlos Mota Cardoso no seu livro recentemente publicado com o pomposo título de “Rui Rio – Raízes de Aço”. O título, só por si, já é deveras curioso: “raízes de aço” faz lembrar o companheiro Vasco e a sua muralha de aço (personagem e período demasiado trágicos…

2.    Há que dizer, em abono da verdade, que se Carlos Mota Cardoso se tivesse cingido à adaptação da letra do Companheiro Vasco para a dedicar ao Companheiro Rio, o livro até poderia parecer moderado e equilibrado. Mas não: o psiquiatra portuense, rendido à personagem política (já agora, se estiverem interessados na origem histórica da palavra “personagem”, desde o seu étimo latino “persona” até aos dias de hoje, Mota Cardoso dedica umas quantas páginas a esta matéria) de Rui Rio, adopta um tom laudatório, excessivamente elogioso, elevando Rui Rio à categoria de puro mito. 

3.    Ao ler as descrições exaltadas e os panegíricos estridentes de Carlos Mota Cardoso a Rui Rio, ficamos com a ideia de que Rui Rio não é real: parece uma personagem histórica já morta, uma figura de fantasia ou de um conto de fadas. Se quisermos ser mais simpáticos, o mínimo que podemos dizer é que Mota Cardoso escreve sobre Rui Rio como os antigos cronistas escreviam sobre os príncipes. Rui Rio surge como o Príncipe deste nosso Reino à beira mar plantado (expressão que utilizamos para replicar o estilo lírico de Mota Cardoso). 

4.    Não negamos que o livro tem aspectos positivos. É bem escrito – uma linguagem muito complicada, por vezes a roçar o fanfarrónico ´-, muito lírico e poético. Como obra literária, não está mau. Como biografia, é contraproducente e até ridícula. Como obra de lançamento de Rui Rio para qualquer coisa política (é um Rio vai com todos e para todos!), o livro é muito pouco eficaz e muito infeliz – transmite uma ideia fantasiosa do retratado. Ninguém consegue levar a sério a imagem que Carlos Mota Cardoso dá nesta obra publicada pela Verso da História. 

5.    De positivo também encontramos o auto-elogio feito por Mota Cardoso ao programa por si concebido “ Porto Feliz” para combater as drogas na cidade do Porto e a explicação do conceito de “droga”: ficamos a saber que de “forma muito sintética e portanto, reducionista, o quadro das drogas em três grupos” que são os opiáceos, estimulantes do sistema nervoso central, sendo o componente natural mais usado a cocaína e a sintética anfetamina e as drogas; finalmente, as drogas psicomiméticas, que produzem estados psíquicos “semelhantes àqueles que se experimentam em sonhos”. Esta é, sem dúvida, a melhor parte do livro: explicativa e pedagógica. 

6.    Relativamente a Rui Rio, Mota Cardoso resolveu considerar que Rui Rio, que emana luz divina do seu rosto (acredite que Mota Cardoso utiliza expressões semelhantes ou até mais exageradas!), é o sonho profundo que vai despertar Portugal do pesadelo. Mota Cardoso explica as origens familiares, convidando o leitor a – passo a citar – entrar na “intimidade mais profunda” de Rui Rio. Confessamos que entrar na intimidade (sobretudo profunda) de Rui Rio não é uma viagem que nos entusiasme. Mas Carlos Mota Cardoso leva-nos na mesma a acompanhá-lo em tal viagem. E concluímos que Rui Rio é um homem obsessivo, com uma grande emocionalidade temperada pela sua racionalidade pragmática, que só fala verdade em tempos em que os políticos são todos desonestos e mentirosos. Esta é a ideia central do livro, que o autor escreve (o livro é caótico em termos de sistematização!) em jeito de cartas para um “João”, que parece ser a personagem que simboliza Rui Rio. 

7.    Impressionante é concluir que Sofia Aureliano que escreve um livro curto, mas agradável de ler sobre Passos Coelho, foi atacada por adoptar um discurso laudatório – mas tais críticos não se pronunciaram sobre o livro de Mota Cardoso. Das duas, uma: ou, em Portugal, ninguém leu este livro sobre Rio; ou então estão de má fé, para dolosamente atacar Passos Coelho e beneficiar Rui Rio. E ninguém acha estranho (e até caricato) que dois amigos de Rui Rio, no espaço de quatro meses, escrevam dois livros biográficos (até parece que os livros foram a pedido – que certamente não foram)? 

8.    O mais lamentável no livro de Mota Cardoso é a forma como se refere aos críticos de Rui Rio. O autor qualifica-os como energúmenos, almas perdidas e outras caracterizações de mau gosto – chegando ao ponto de se dirigir aos juízes da Relação do Porto, que absolveram um jornalista ou comentador por se dirigir a Rui Rio em tons mais críticos, chamando-os de ignorantes e de não saberem realizar a Justiça e defesa da honra do magnânimo Rui Rio. Mas – conclui Mota Cardoso – a luz do rosto de Rui Rio resiste e ganha sempre às almas sombrias dos seus críticos. Portanto, Mota Cardoso defende que a liberdade de expressão é muito bonita – mas acaba quando se critica o seu príncipe Rui Rio. 

9.    Enfim, Mota Cardoso limita-se a repetir a ideia mais sonante de Rui Rio: o problema de Portugal é a liberdade de expressão e a liberdade dos jornalistas. Parece que Rui Rio não sai deste discurso…

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