Aguenta, aguenta

Isto aconteceu na semana em que, por terras da canção da revolução, se cumpriram fatidicamente os três ‘F’: a santa padroeira local (N. Sr.ª da Penha) a fazer as vezes de N. Sr.ª de Fátima, os fados em sua honra (que reuniram fadistas locais) e um domingo de futebol (porventura mais importante que todos os…

Foi neste domingo que, sentada de frente para uma família inteira tão apreciadora de caracolada como desinibida em mostrar o seu agrado pelo petisco – que é como quem diz, em acto contínuo e audível de sucção da conchinha do animal -, me pus a pensar no impacto que, como povo, deixamos nos turistas que escolhem Portugal para passar férias.

Não sendo eu grande apreciadora de caracóis enquanto manjar, sou bastante apreciadora da observação de usos e costumes. E, por vezes, olhando à minha volta, não consigo deixar de pensar que está tudo igual aos tempos de Eça.

Roma é uma cidade encantadora e cheia de história.

Consegue manter o seu encanto mesmo debaixo da chuva e do frio do Inverno e aos olhos de dois turistas muito constipados.

Mas a impressão com que fiquei dos romanos não foi de charme: foi antes de uma malta mal-humorada, carrancuda, chateada com a vida.

Não me refiro ao romano vistoso que acaba o seu dia de trabalho numa das muitas esplanadas bonitas com um copo de vinho à frente. Refiro-me ao dono ou ao empregado da esplanada.

O turismo impõe uma certa pressão sobre o meio ambiente. Não é à toa que certos locais cobram uma taxa aos turistas com o objectivo de depois a aplicarem na preservação dos recursos naturais – para contrabalançar os danos causados pela passagem da massa consumidora…

Mas, além da pressão sobre os recursos naturais, o turismo também impõe uma certa pressão sobre as capacidades da população autóctone, nomeadamente a paciência e a simpatia.

Numa manhã de Maio, Évora é assoberbada por um calor inesperado. Ainda não são onze da manhã e a temperatura já ronda os trinta graus. Só se está bem à sombra.  Ao mesmo tempo, Évora é invadida por dezenas de turistas espanhóis e alemães. E os turistas querem tomar o pequeno-almoço, querem ver tudo com muita atenção, querem entrar em todas as lojinhas, precisam de informações, querem comprar água.

Eu convivo muito bem com os turistas em geral. Porque vêm de sítios diferentes, com experiências diferentes e vêem tudo com outros olhos. Se 'perdermos' um bocadinho do nosso tempo com eles, podemos ganhar estórias incríveis e às vezes até estabelecer contactos úteis para o futuro. 

Aquilo com que não convivo tão bem é com a falta de paciência, vamos chamar-lhe assim, e a antipatia do comerciante português. Depois de ter aviado um exército de alemãs altas, loiras e de olhos azuis, depois de ter puxado pelo seu inglês macarrónico e de ter aumentado o volume da voz na esperança desesperada de se fazer entender, depois de  tudo isto o comerciante (ou o empregado) já não tem energia para dar atenção a uma morena de estatura mediana e olhos castanhos.

Mas, se queremos viver do turismo, não dá para descarregar nos nossos compatriotas. É pôr um sorriso de longa duração como se de um batôn vermelho se tratasse – e aguentar.

Aguentar o calor, aguentar a freguesia estrangeira e a restante, aguentar os fins-de-semana sem descanso, aguentar sem revirar os olhos, sem soprar para o ar ou sem responder torto.

Porque o Inverno é longo e silencioso – e, quando o calor nos deixar e levar os turistas estrangeiros, quem é que cá fica?