Confraria da Marmelada de Odivelas

No recolhimento do mosteiro de Odivelas nasceu uma receita que se distingue das demais, não só pelo afamado sabor, mas sobretudo pela cor: o peculiar tom branco da marmelada de Odivelas. Famosas pela doçaria que praticavam, na abundância dos ingredientes que nunca faltavam, as freiras bernardas da Ordem de Cister para sempre ficaram na memória…

Fruto de um saber-fazer iniciado pelas freiras bernardas da Ordem de Cister, somente após a morte da última religiosa foi possível conhecer o segredo da marmelada produzida no mosteiro de Odivelas. No âmbito da doçaria conventual portuguesa, a que era praticada naquele mosteiro ficou para o conhecimento das futuras gerações pelo caderno de receitas que a última monja deixou a uma sua afilhada. Entre tantas outras receitas, lá está a marmelada branca. Diz quem sabe que em qualquer mosteiro se fazia marmelada, mas de cor branca somente no mosteiro de Odivelas. E o segredo, ainda hoje, permanece nas mãos de quem sabe o valor cultural e histórico de tão doce produto. Ou seja, somente quem reverencia esta receita e a trata com desvelo pode conseguir um resultado genuíno e singular. Interessante é notar que, mesmo após a secularização da receita através da sua prática fora do mosteiro, nunca a mesma se evadiu para fora dos limites do concelho. Às vezes, a gastronomia, a par de outros elementos, também faz a história de um povo e Odivelas fica marcada pela importância desta receita.

Com o objectivo de reforçar a genuinidade e a singularidade desta iguaria, um grupo de admiradores desta marmelada criou, em Novembro de 2009, a Confraria da Marmelada de Odivelas. Sendo a marmelada o ponto de partida, não deixou esta confraria de ter como objectivo a valorização do património histórico, social e cultural do mosteiro, mandado construir por D. Dinis em 1295. Dotado de uma história muito rica, com íntimas relações com alguns monarcas de Portugal, este monumento alberga histórias, lendas e factos, que se confundem com a história nacional. E a Confraria de Odivelas tem demonstrado um grande cuidado na preservação dessa memória, ao lembrar as histórias, ao procurar a informação genuína e histórica, ao promover um maior conhecimento daquele espaço monástico. Soberba, a roda da Portaria é mostrada com o orgulho de quem sabe que por ali também se contam muitas histórias.

Mas os confrades de Odivelas não centram a sua atenção apenas no passado. É certo que a antiguidade da receita obriga a um contínuo revolver do passado, já que nunca está tudo escrito e totalmente documentado. No entanto, os confrades querem assegurar o futuro da marmelada branca com prosperidade. Por isso, em actividades contínuas, promovem a doçaria conventual associada ao mosteiro e incentivam os produtores e doceiros a manter a qualidade da mesma. Do mesmo modo, estimulam o aparecimento de novos produtores que possam continuar a boa reputação da marmelada branca. É o futuro que se empreende e é o passado que se protege com tão profícua acção.

Falar de tão belo e imponente mosteiro seria subtrair importância à verdadeira protagonista desta história, contudo. Há que falar que, além da lenda, Maria Máxima Vaz, confrade desta confraria, refere que a sua construção se fez para acolher a filha natural de D. Dinis, D. Maria Afonso. Certo é que aquela repousa na capela mor do mosteiro percebendo-se, assim, a importância da sua presença naquele espaço. Também o rei D. Dinis ali repousa, dando maior relevo histórico ao mosteiro. Monumento nacional desde 1910, é uma presença no concelho de Odivelas e uma das suas maiores referências arquitectónicas e históricas, sendo obrigatória uma visita.

Como na maioria da doçaria conventual portuguesa, é a partir de ingredientes simples que as freiras bernardas da Ordem de Cister faziam a marmelada branca. Açúcar, água e marmelo são a base da produção deste doce e é isso que se depreende da receita manuscrita pela última religiosa. «Vão-se esburgando os marmelos e deitando-os em água fria. Põem-se a ferver em lume brando e estando bem cozidos passam-se por uma peneira. Para 1 kg de massa, 2 kg de açúcar em ponto alto de sorte, que deitando uma pinga n'água coalhe; tira-se o tacho do lume e deita-se-lhe a massa muito bem desfeita com a colher, torna ao lume até levantar empolas. Tira-se para fora e bate-se até esfriar, para se pôr em pratos a secar». É claro que a receita manuscrita não explica tudo e, por isso, o segredo mantém-se nas mãos laboriosas que ainda hoje fazem uma marmelada de cor clara e de consistência menos dura, onde é possível trincar o marmelo.

É isto que os confrades da Confraria da Marmelada de Odivelas defendem, promovem e dignificam com a sua acção. Trajados de azul e amarelo, cores do concelho de Odivelas, têm na sua insígnia a coroa, numa alusão a D. Dinis; o marmeleiro, como árvore que dá o fruto; e as setes flores-de-lis, cada uma simbolizando as freguesias do concelho. Na interacção com instituições locais, regionais e nacionais, esta confraria desempenha um importante papel na valorização, quer da marmelada branca, quer do mosteiro de Odivelas e quer ainda do concelho. São verdadeiros embaixadores de um concelho que se distingue por sabores ancorados no passado, mas com grande projecção no futuro.