2. E por que dizemos nós “normalidade possível”? Por uma razão muito simples: é que o personagem futebolístico em causa, ele próprio, se afasta do padrão de normalidade – Jorge Jesus é um treinador de futebol único, com uma bizarria e um feitio muito próprios. Logo, o desfecho da indefinição sobre o futuro de Jorge Jesus só poderia ser…bizarro ou pouco comum. Se Jorge Jesus (JJ, para os amigos) continuasse no Benfica, seria uma situação pouco normal pois o mesmo clube permanecer com o mesmo treinador durante sete ou oito épocas seria algo anormal para o padrão do futebol português; se JJ optasse por não renovar com o Benfica, só poderia sair para um de dois clubes – Futebol Clube do Porto ou Sporting Club de Portugal. Uma terceira via seria de excluir à partida (e à chegada…).
3. De facto, Jorge Jesus é um produto tipicamente português, que só funciona muito bem no mercado português. Sendo um produto tipicamente português, JJ não é exportável. Porque, a nível profissional, JJ é um homem do futebol à antiga – com conhecimentos do futebol moderno. JJ domina as tácticas e estratégias, modos de treinar, do futebol moderno – mantendo o discurso, a postura e a personalidade do homem do futebol de outrora. Em Jesus, tradição e modernidade confundem-se perigosamente, sendo que frequentemente a primeira se sobrepõe à segunda.
4. Perguntamos: alguém imagina JJ a mandar no Real Madrid? JJ a mandar em Florentino Pérez? Ou a mandar Florentino Pérez demitir o seu homem forte para o futebol? Ou alguém consegue representar a imagem de JJ chegar ao Manchester United e aguentar a pressão dos jornalistas ingleses ou a máquina do clube? E como seria a vida de JJ em Inglaterra? Ou no gelo da Rússia? Ou no deserto das arábias? É inimaginável. Logo, o mercado de JJ resume-se ao mercado interno (pelo menos, para já…).
5. E JJ queria mudar de ares – e o Benfica, sobretudo o Presidente Luís Filipe Vieira, queria mudar de treinador. Não vale a pena nega-lo: Luís Filipe Vieira deu vários sinais de que a hipótese de continuidade de JJ não lhe agradava particularmente. Vieira quer apostar em mais jogadores portugueses, preferencialmente da formação encarnada – e JJ não gosta de jogadores portugueses. Está dito. Está feito. Está JJ em Alvalade.
6. Aliás, hoje compreendemos que as negociações entre JJ e o Sporting já estavam em curso há algumas semanas. Só assim conseguimos interpretar as declarações de JJ na Câmara Municipal de Lisboa, aquando dos festejos do bicampeonato. JJ disse então que a dinâmica dos adeptos tinha sido fraca – e que no ano transacto os adeptos tinham mostrado mais força e alegria. Ora, quem é o treinador que acaba de ganhar o campeonato e critica os adeptos da sua equipa? Num momento de alegria e glória?
7. Só um treinador que já então pretendia ensaiar um discurso de ruptura. E que sabia (como sabe) que os adeptos do Benfica vão criticar duramente JJ a partir de agora, pela sua opção de treinar o Sporting.
8. O que nos leva à seguinte conclusão: a mudança de JJ para o Benfica é um passo muito arriscado para o próprio e para o Presidente-Sol Carvalho. Para o próprio, porque vai para um clube sem estratégia , à deriva, ziguezagueante, com financiamento sabe-se lá de quem e de onde – e que a principal mais valia até ao momento foi a formação, que JJ repudia! JJ vai, pois, ficar num trapézio sem rede.
9. Para o Presidente- Sol do Sporting, vai ser uma situação difícil de gerir: Bruno entrou no Sporting com uma estratégia presidencialista, autoritária, tentando replicar o modelo de Pinto de Costa no Sporting. A contratação de JJ significa uma confissão tácita de derrota por parte de Bruno Carvalho. Porque a contratação de JJ é a negação do caminho que tem sido defendido pelo Presidente: para além do menosprezo do papel da formação no Sporting, JJ impôs ao Presidente que saia do banco nos jogos e que demita o seu braço-direito, Augusto Inácio! E o Presidente- Sol aceitou!
10. Ou seja: a partir de agora, por muitos colinhos que Bruno Carvalho possa oferecer aos seus jogadores, por muitas correrias e vénias que Carvalho faça diante dos seus adeptos – o Presidente do Sporting está nas mãos de JJ. O presidencialismo no Sporting terminou. A estratégia de Carvalho falhou. Ou Bruno Carvalho acha que tirar o treinador ao Benfica, independentemente das suas consequências – vale mais do que ganhar títulos e jogos?
11. Estamos muito curiosos para ver como é que o feitio arrogante e egocêntrico (embora ganhador no Benfica) de JJ se harmoniza com a doutrina “ Le Sporting c’est moi” do Presidente-Sol, absolutista, Bruno Carvalho.
12. Lastimável foi o comportamento do Sporting para com Marco Silva. Lastimável. Humanamente repugnante. Justa causa de despedimento para o treinador que teve a melhor classificação dos últimos 15 anos e venceu a Taça de Portugal? A sério? Pois, porque Marco Silva não bajulava Bruno Carvalho. E como pra Bruno, Le Sporting c’est moi…
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