Fazer dançar, mas com o pé fora da pista

   

São sete os músicos em palco. Se para uma banda o número já excede a formação mais habitual – que invariavelmente se distribui por voz, guitarra, baixo, bateria e teclas -, quando se pensa que este é um concerto do produtor, DJ e remisturador Moullinex, alter ego de Luís Clara Gomes, mais inesperado soa. Mas desta vez o músico não quis sacrificar nada.

Normalmente, diz-nos, são só quatro os elementos ao vivo, obrigando-o a “simplificar o som” e a tirar muitos elementos das canções para as conseguir tocar nos espectáculos. Sendo os concertos de apresentação do novo Elsewhere especiais – depois do Lux (Lisboa), há duas semanas, seguem-se o Hard Club (Porto), no dia 19, e o festival Nos Alive, a 10 de Julho – Moullinex quis manter a “experiência contínua” que o disco tem. Mas não é só isso. O artista perdeu, finalmente, o medo: de se assumir como “frontman” e de cobrir todas as canções com a sua própria voz, ao contrário do que acontecia no anterior Flora, em que contava com várias colaborações.

Foi a vontade de fazer música de dança acústica e tocá-la com o suporte de uma banda que motivou a mudança. Parece ambíguo se pensarmos que a música de dança nasce sempre das electrónicas, mas o músico esclarece que a procura por uma sonoridade mais orgânica sempre foi algo que quis fazer, “desta vez é que o objectivo foi melhor cumprido”. “Não queria fazer um disco exclusivo para a pista. Um álbum chega às pessoas através de vários canais e, além da pista, as pessoas querem ouvi-lo em casa, a conduzir, na praia… Gosto de álbuns que aguentam esse teste e essa foi uma premissa importante neste trabalho”, comenta, explicando que o desejo em explorar mais guitarras e “um som marcado pelos anos 60” também influenciou a composição do novo disco.

A par disso, o fascínio que Luís Clara Gomes tem pelo trabalho da Motown Records (editora criada em 1959 que apresentou ao mundo ícones como Marvin Gaye, The Supremes ou Stevie Wonder) também determinou o rumo do disco. “Na minha cabeça não há nada de diferente entre o house dos Daft Punk ou o soul da Motown. Ambos são hiper dançáveis, são feitos para as pessoas estarem em comunhão a divertir-se”. Não é de estranhar, por isso, que na música de Moullinex se juntem sonoridades tão díspares como funk, soul, rock e sintetizadores. E a julgar pelo concerto no Lux (ver página 62), o espírito de diversão plural que Luís Clara Gomes procura está conquistado, mesmo que para muitos ainda seja visto como DJ de electrónica, actividade por onde começou na música.

Esta percepção, comenta, está desactualizada, até porque “nunca quis ser DJ”. Em criança, como todos os miúdos da sua idade, sonhava subir a um palco com uma guitarra. Hoje, lamenta nunca ter tido formação (apesar de o pai ser músico e ter vários instrumentos em casa), mas, por outro lado, o percurso autodidacta dotou-o de outras valências. Entre elas, a sabedoria que adquiriu na adolescência  sobre sintetizadores, uma vez que perdia horas a desmontá-los para perceber como funcionavam. A curiosidade acabou por o direccionar para o curso de Engenharia Informática e a primeira experiência musical também foi nesse universo tecnológico.

Hoje, aos 31 anos, recorda com graça a participação num concurso de bandas, em 2001, em que acabou 'corrido a pontapé' por aparecer com um amigo e dois laptops. Tal como na infância, em que estava proibido de mexer nos instrumentos do pai, a rejeição no concurso não afectou a sua determinação musical e, devido aos dotes informáticos, foi na electrónica que se começou a destacar. Com a internet a dar uma grande ajuda.

As remisturas que colocava no Myspace (rede social que antecedeu o Facebook, mas vocacionada para músicos) começaram a resultar em convites para actuar como DJ um pouco por toda a Europa e chamaram a atenção de produtores mundiais, com convites para colaborações com artistas como Peaches a acontecer.

Foi assim que começou a ficar associado ao mundo da dança. Hoje, porém, “por mais que adore actuar como DJ”, Moullinex (nome literalmente roubado à marca de electrodomésticos por ter incluído, na primeira remistura, o som da picadora 1, 2, 3) retira cada vez menos estímulo do universo com que foi catalogado: o house e o disco. “O house está num momento de apropriação cultural, com o facilitismo de uns Swedish House Mafia, Avicii e derivados. Hoje é mais algo que está a dar na H&M, enquanto compras roupa. Isso incomoda-me e não sabia o que fazer ali. Como tal, achei melhor dar um passo ao lado”. Ou antes, dizemos nós, achou melhor comprometer-se com o meio termo para assim fazer florescer a sua electrónica.

alexandra.ho@sol.pt