Estado investiu em papel comercial do GES

O Estado é afinal um dos lesados de ‘luxo’ do papel comercial das empresas do Grupo Espírito Santo (GES). Através de um organismo público na dependência do Ministério do Ambiente, foram investidos seis milhões de euros na aplicação que lesou milhares de clientes do BES.

O SOL apurou que o Fundo de Apoio à Inovação (FAI) é o primeiro organismo estatal a reconhecer que integra a lista dos 2.508 clientes lesados que, aos balcões do antigo BES, adquiriram papel comercial (dívida de curto prazo) do universo GES e ainda não foram reembolsados.

Criado em 2008 pelo ministro da Economia do Governo de José Sócrates, Manuel Pinho, e instituído junto da Agência para a Energia (ADENE), o FAI é um instrumento público de suporte à política energética de Portugal.

Em Novembro de 2013, o FAI investiu seis milhões de euros em papel comercial da Espírito Santo International (ESI), a holding de topo do GES. No início deste mês, o organismo decidiu avançar com uma acção judicial contra o Novo Banco, o BES, BEST e o BESI.

Fundo confiou no BES

Segundo explicou ao SOL fonte oficial do FAI, “a acção em causa está relacionada com o capital (seis milhões de euros) e os juros não reembolsados na data prevista pelo BES, assim como juros de mora, estando em causa a recuperação destes montantes e a protecção dos direitos do Fundo de Apoio à Inovação”.

No total, o Fundo reclama o pagamento de um montante superior a 6,4 milhões de euros, surgindo num bloco de 60 clientes que investiram um valor superior a um milhão de euros. Segundo a mesma fonte, “a aplicação em papel comercial foi aconselhada pelo BES como estando enquadrada nos parâmetros de risco do Fundo de Apoio à Inovação”.

No entanto, o Fundo de Apoio à Inovação tem directrizes muito específicas quanto à aplicação da liquidez que constitui o FAI: “A rentabilização das dotações deve ser efectuada com base em critérios de uma gestão prudente e em instrumentos que assegurem a elevada liquidez, com vista a promover a sustentabilidade dos meios financeiros do FAI no longo prazo”, lê-se no Regulamento de Gestão do Fundo.

Ao longo dos últimos seis anos, o FAI tem gerido as suas disponibilidades através da aplicação em depósitos a prazo e papel comercial de reduzido risco, acrescenta a fonte oficial. Aliás, a subscrição de papel comercial representou a primeira vez que o FAI investiu no GES. “Foi solicitado ao gestor de conta a indicação de possibilidades de aplicação de disponibilidades em depósitos a prazo e outras de risco reduzido, tendo sido apresentada a aplicação em papel comercial do grupo BES. Só em 2014 é que descobrimos que não se tratava de uma aplicação no grupo BES”, conta.

Na prática, este organismo investiu em papel comercial da ESI julgando tratar-se de uma aplicação sem risco do banco de Ricardo Salgado, tal como muitos dos clientes lesados que têm vindo a protestar nas ruas.

Questionada sobre se é habitual o FAI aceitar conselhos de investimento de instituições bancárias, quando existe uma política de investimento definida, fonte oficial esclarece: “Quando existem disponibilidades financeiras é normal solicitar ao gestor de conta a identificação de opções dentro do perfil de risco, sendo que o FAI tinha e tem, dada a sua natureza, um perfil de risco conservador e não profissional, definido junto do BES e do Novo Banco. A aplicação efectuada, tal como nos foi 'apresentada', estava de acordo com a política de investimento”.

Quem dá a cara pelo FAI?

Carlos Almeida é actualmente o presidente da comissão executiva do FAI. Director-geral da Energia e Geologia desde Janeiro deste ano, o presidente do FAI exerceu funções de assessor do secretário de Estado da Energia no Ministério da Economia e do Emprego, entre Setembro de 2012 e Julho de 2013.

O regulamento diz que a gestão do FAI cabe à comissão executiva, composta por três membros, incluindo o presidente – ainda designados pelo ministro da Economia, apesar de estar já na esfera do ambiente, através da ADENE. Também a remuneração dos gestores é fixada pelo gabinete actualmente chefiado por António Pires de Lima. O Regulamento de Gestão do Fundo obriga a que a comissão executiva do FAI preste todos os esclarecimentos que lhe sejam pedidos pela ADENE. A Agência pode inclusivamente revogar, a qualquer momento, o mandato dos membros da gestão do FAI se estes não cumprirem o regulamento a que estão sujeitos.

Questionado sobre o investimento 'ruinoso' do FAI, o Ministério da Economia remeteu esclarecimentos para o Ministério do Ambiente e Ordenamento do Território. O gabinete de Jorge Moreira da Silva não respondeu até ao fecho da edição. “A Comissão Executiva do FAI é responsável pela gestão do Fundo, não carecendo os seus actos de aprovação do Governo”, esclarece fonte oficial do FAI.

O FAI teve uma dotação inicial de 76 milhões de euros e o seu âmbito de aplicação já foi alvo de duas alterações governamentais. Actualmente, atribui incentivos à realização de projectos de eficiência energética e de desenvolvimento tecnológico na área das energias renováveis.

Em 2015, foram já assinados contratos de apoio de projectos na área da eficiência energética, como por exemplo o Hospital de Braga, Hospital do Alvor ou Hotel Pestana Viking.

sandra.a.simoes@sol.pt