O ditado popular diz que à terceira é de vez, mas com Elmano Sancho foi preciso duplicar a contagem para o actor alcançar a consagração mediática. O transmontano trabalha há mais de dez anos em teatro e cinema e o reconhecimento entre os pares na representação chegou há muito. Mas só há três semanas, após cinco nomeações falhadas, é que o cobiçado prémio da Sociedade Portuguesa de Autores de Melhor Actor de Teatro chegou às suas mãos. Elmano estava «tão habituado a perder» que o triunfo foi meio anestesiado pela descrença total na vitória que inconscientemente desenvolveu ao longo dos anos. «Mas claro que sabe sempre bem vencer», não nega à Tabu, a menos de uma semana da reposição em Lisboa, no Teatro da Politécnica, da peça que o consagrou: Misterman, em cena até ao próximo dia 27.
Mais do que a validação de um trabalho em concreto, Elmano vê a distinção como a recompensa por um percurso. Nunca usa a palavra carreira. «É um caminho. Será sempre uma caminhada de extrema dedicação pelo trabalho e alguma luta», diz, num tom pausado e sempre formal, próprio de quem se habituou a dosear a paixão pela representação com os percalços inerentes a uma profissão difícil, «em que há cada vez menos verbas e menos papéis». O galardão da SPA acaba, por isso, «por ser um estímulo» para continuar ‘a viagem’ que iniciou há 11 anos, quando decidiu inscrever-se na Escola Superior de Teatro e Cinema (ESTC), depois de uma licenciatura em Economia.
O interesse pela representação nasceu na adolescência, imagine-se, associado ao «vício» de ver televisão. Natural de Valpaços, as oportunidades para assistir a peças de teatro eram muito reduzidas, senão mesmo nulas, e o cinema, mais concretamente o ciclo 5 Noites 5 Filmes, da RTP2, funcionava como uma espécie de rastilho para a vida que mais tarde iria abraçar. O fascínio pela sétima arte tornou-se tão forte que, durante u muito tempo, Elmano preferia gravar os filmes que passavam na televisão (na altura ainda em cassetes VHS) para depois poder puxar a fita para a frente e saltar os intervalos.
Esta rotina prolongou-se até aos 18 anos, quando entrou para a universidade. A iniciação na vida académica proporcionou-lhe, igualmente, testar a paixão no grupo de teatro da Faculdade de Economia e, mais tarde, no Teatro Universitário do Porto. Quando finalizou a licenciatura, percebeu que, embora fosse bom com cálculos, não tinha particular prazer na área. Assim, antes de se lançar no mercado de trabalho e ficar para sempre preso a um emprego de que não gostava, resolveu candidatar-se à ESTC.
Mais tarde veio o curso de Tradução porque, sendo a vida de actor tão instável a nível financeiro, decifrar textos em outras línguas podia ser uma boa opção para conciliar com a representação. Pura ilusão. Elmano começou a fazer teatro ainda durante a frequência no Conservatório e nunca mais parou. Também porque faz questão de estar sempre em movimento.
A par da formação em Portugal, aprofundou conhecimentos em Madrid, São Paulo e Paris, cidade onde chegou, inclusive, a integrar o elenco da prestigiada Comédie Française. Recentemente passou seis meses em Nova Iorque, a trabalhar e estudar com a companhia de teatro criada pela galardoada encenadora norte-americana Anne Bogart, enquanto bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian. «Investir em mim tornou-se uma obsessão. Hoje só concebo a profissão intercalada com formação. De preferência com experiências lá fora, porque me permitem ver outras realidades, trabalhar com outras dinâmicas, mas também perceber que, apesar das diferenças culturais, partilho as mesmas angústias, desejos, medos que actores de outras nacionalidades. Sinto que sou melhor actor por causa destas saídas».
Apesar de ter sido o cinema a impulsionar a vontade de representar, tem sido no teatro que Elmano Sancho (nomes próprios escolhidos por um pai que adora palavras invulgares e que viu numa personagem de Bocage o nome perfeito para o primogénito) tem-se afirmado como actor. Desde 2004 já participou em mais de 30 peças, várias delas fora do país. Para o grande ecrã ainda só fez quatro longas-metragens e muitas curtas. Gostava de fazer mais, admite, mas também não se importa de permanecer no teatro «porque o cinema não te dá a possibilidade de renovação». «No teatro tens a oportunidade de melhorar todos os dias. Corrigir os erros, importantíssimos porque são eles que nos permitem conhecermo-nos melhor como actores e, também, pessoas».
Ao longo da última década, Elmano descobriu que gosta de «interpretações misteriosas» que «depositam o trabalho no público» e é este «que decide o destino do personagem». «O teatro permite alguma transcendência, não tem de ser uma cópia da realidade. E o lado poético pode representar diferentes coisas para diferentes espectadores». A par disso, o actor acredita que uma «representação sem tensão não faz sentido». E em Nova Iorque confirmou a sua suspeita: «Um professor dizia ‘querem o corpo relaxado para quê? Para estarem mortos em palco?’».
Pelo contrário, é por se sentir bem vivo que Elmano colocou-se o desafio de encenar e protagonizar Misterman, um monólogo diferente, com 11 personagens que surgem através de vozes gravadas, todas interpretadas pelo mesmo actor. «Gosto de coisas difíceis e cativou-me a ideia de trabalhar a solidão do actor em palco que, neste texto, é também a solidão da personagem principal. Thomas está rodeado de vozes, mas perdeu a sua própria voz enquanto pessoa», explica sobre esta primeira aventura como encenador, papel que quer abraçar mais vezes no futuro. «Ainda me sinto mais confortável como actor, mas como gosto de arriscar e procurar o que não conheço, achei que estava na altura de estimular outras provocações artísticas». E a próxima também já está traçada: escrever o texto do projecto que se segue e, quem sabe, um dia criar a sua própria companhia.
alexandra.ho@sol.pt