A história começou numa data com queda para revoluções: 25 de Abril. Foi o dia da primeira mobilização popular na Guatemala, impulsionada pela reacção nas redes sociais à denúncia de um esquema em que funcionários da alfândega e titulares de cargos públicos controlavam uma rede que terá desviado milhões dos cofres do Estado.
A ira popular foi crescendo à medida que foram conhecidos mais pormenores: Juan Carlos Monzón Rojas, secretário pessoal da então vice-presidente Roxana Baldetti, está desaparecido desde que foi identificado como líder da rede cuja acção consistia em receber subornos de empresários para baixar as taxas alfandegárias em vigor. As manifestações de sábado, iniciadas a 25 de Abril, foram crescendo em participação e em alcance geográfico, alastrando-se da capital Guatemala para as outras principais cidades do país.
Vice-presidente interrogada
Foram depois divulgadas escutas telefónicas que revelaram as pressões dos advogados dos detidos sobre o juiz e, nas vésperas do terceiro sábado revolucionário, Baldetti cedeu à pressão e demitiu-se, reafirmando a inocência. Uma tese que não convenceu o juiz que a questionou mal perdeu a imunidade judicial associada ao seu antigo cargo. A ex-vice do Presidente Otto Pérez Molina tem 11 propriedades embargadas e não pode tocar em mais de 870 mil dólares da sua fortuna enquanto o tribunal não garantir que a origem desse dinheiro é legítima.
Se o caso já era revoltante para uma sociedade com mais de metade da população (54%) a viver abaixo do limiar de pobreza, a situação de Molina agravou-se com a revelação de novo escândalo. Novo negócio prejudicial para os cofres públicos entre o Estado e privados, desta vez no sector da saúde. Além dos 15 milhões de dólares perdidos, a compra de tratamentos renais a uma empresa sem a devida licença resultou ainda na morte de 13 pacientes.
O caso levou à detenção de 17 pessoas e provocou uma revolução no Governo, com Molina a aceitar a demissão de vários ministros, incluindo o chefe de gabinete e o principal aliado político, o ministro do Interior Mauricio López Bonilla.
Nas ruas pede-se não só a demissão de Molina como também a condenação em tribunal de todos os envolvidos. E a desconfiança é tal que se pede o adiamento das presidenciais agendadas para 6 de Setembro, pois exige-se uma reforma eleitoral que acabe com décadas de conivência entre os principais partidos e grupos de crime organizado.
Uma ideia reforçada quando o deputado que liderava a comissão criada para investigar os casos a nível parlamentar foi obrigado a demitir-se depois de ser denunciada a sua participação noutro esquema corrupto. O currículo de Baudilio Hichos, que liderava a comissão como deputado do principal partido da oposição (LIDER), é um bom exemplo: “24 anos no Congresso com três partidos diferentes; tem familiares no Congresso e no sistema judicial; implicado em esquemas de fraude, tráfico de influências e associações ilícitas”, descrevia um tweet de um dos movimentos populares criados nos protestos, #JusticiaYa.
ONU expõe corrupção
Esquemas revelados pela CICIG, uma comissão da ONU instalada na Guatemala em 2006 para investigar a corrupção crónica no país. Um caso de sucesso que se tornou reivindicação das massas que protestam na vizinha Honduras contra a elite que também se viu envolvida em casos de justiça.
O Presidente Juan Orlando Hernández consegue, para já, não ver o seu nome directamente implicado no escândalo, embora já tenha admitido ter beneficiado, sem conhecimento, de dinheiro ilícito na campanha eleitoral que o levou ao poder.
Escândalo na Saúde
Trata-se de mais de 350 milhões de dólares desviados do Instituto Hondurenho da Segurança Social, órgão responsável pelo abastecimento de medicamentos nos hospitais do país. O Partido Nacional terá ficado com cerca de 130 milhões em compras fantasma. “É catastrófico, não só pelo dinheiro roubado mas pelas mortes de hondurenhos que não tiveram acesso a medicamentos básicos”, disse ao El País um dos milhares de manifestantes que semanalmente se concentram em Tegucigalpa e noutras cidades do país.
O exército foi obrigado a intervir e na semana passada assumiu a gestão dos armazéns de 10 dos 27 hospitais hondurenhos, numa medida presidencial “contra a perda milionária de medicamentos”. A decisão surgiu já depois de a número 2 do Congresso, Lena Gutiérrez, ter sido constituída arguida. A dirigente do Partido Nacional de Hernández é proprietária, em conjunto com o pai e irmãos, de uma das empresas farmacêuticas envolvidas nos negócios obscuros.
As manifestações e o debate que se espalha nas redes sociais dos dois países revelam uma mobilização popular sem precedentes em torno de reformas democráticas, embora os parceiros internacionais se mostrem reticentes em retirar o tapete ao poder instalado. Na última cimeira, a Organização de Estados Americanos rejeitou a ideia do adiamento das presidenciais na Guatemala. Os EUA estão ao lado de Molina, como mostram os testes de polígrafos feitos por norte-americanos a todos os funcionários do fisco guatemalteco. E, já depois do início dos protestos, o Presidente hondurenho foi a Washington enumerar a lista de medidas de combate à corrupção que diz já ter adoptado.