Uns meses antes, em Janeiro, por indicação da Federação Portuguesa de Futebol (FPF), Marco Ferreira recebera pelo terceiro ano consecutivo as insígnias da FIFA, consolidando o estatuto de árbitro internacional – que o habilita a apitar jogos de competições da FIFA e da UEFA. Fernando Gomes, presidente da FPF, salientou nesse dia que a distinção era “sinónimo de qualidade, competência e isenção” dos árbitros ali presentes.
Chegado em 2007 à primeira categoria da arbitragem nacional – onde estão os que dirigem jogos da 1.ª e 2.ª Liga -, Marco Ferreira parecia ter o futuro assegurado no futebol a longo prazo. E mais ainda com a abolição pela FIFA do limite de idade para actuar a nível internacional, antes fixado nos 45 anos. Estava cada vez mais convencido que tinha feito a aposta certa em 2013, quando decidiu abandonar de vez a profissão de bancário para se dedicar em exclusivo à arbitragem profissional, então a dar os primeiros passos em Portugal.
Uma aposta demasiado arriscada, sabe-o agora. O que Marco Ferreira demorou anos a construir ruiu num estalar de dedos: diz a classificação oficial da FPF que foi o pior árbitro da temporada e sendo assim, além de descer de escalão, vai perder todos os direitos que julgava adquiridos por muito tempo.
“Em cinco minutos passei de árbitro profissional e internacional a desempregado”, resume ao SOL, num desabafo que rompe o silêncio imposto a si próprio.
O juiz madeirense tem recusado todos os pedidos de entrevista. É um dos nove pioneiros que em 2013 aderiram ao projecto da FPF de profissionalizar o sector da arbitragem e está ainda a processar o golpe que sofreu. Vinha de três anos de licença sem vencimento no BCP, face à exigência cada vez maior do futebol, e quando o banco lhe propôs a rescisão de contrato atirou-se de cabeça para o desafio lançado pela FPF. Desvinculou-se da instituição bancária e, ao tornar-se árbitro profissional, passou a acumular com o prémio por cada jogo realizado (acima dos mil euros na Liga principal) um salário fixo mensal.
Este mês vai receber o último. São 2.500 euros brutos, a recibos verdes, sendo por isso necessário deduzir-lhes o valor dos impostos e também dos descontos para a Segurança Social, pois o compromisso que assumiu implicava que a arbitragem fosse a sua actividade profissional principal.
Os oficiais do apito que aceitaram o profissionalismo podem ter outras fontes de rendimento nas horas livres, mas não é o caso de Marco Ferreira. Conciliar o trabalho no banco com o futebol já era impossível nos tempos de amador, quanto mais após se ter comprometido a treinar quatro vezes por semana e a estar sempre disponível para as chamadas da FPF.
“Não faz sentido nenhum a Federação investir na profissionalização dos árbitros e depois não lhes dar qualquer protecção”, lamenta agora Marco Ferreira, na segunda de três mensagens que quis transmitir através do SOL.
Perante o seu exemplo, o emprego de árbitro em Portugal entra directamente para a lista dos mais inseguros, uma vez que o estatuto de profissional não confere qualquer privilégio em relação aos restantes no que toca a descidas de categoria – e consequente perda de salário.
A credibilidade da FPF
O fim da carreira na arbitragem pode chegar bem antes do que Marco Ferreira imaginava. O árbitro aguarda por uma resposta a um pedido de esclarecimento que fez à FPF para decidir o que fazer: quer saber se será duplamente penalizado, com a descida de categoria e a perda do estatuto de internacional, ou se pelo menos vai manter as insígnias da FIFA, como já aconteceu no passado com outros colegas.
A este propósito, deixa uma terceira ideia, em forma de pergunta: “Qual a credibilidade da FPF para ir informar a FIFA que um árbitro que há seis meses propôs para internacional foi agora despromovido à segunda categoria?”.
De jogos das duas divisões profissionais passa a poder arbitrar apenas a partir do Campeonato Nacional de Seniores, o terceiro escalão do futebol português.
O juiz do Funchal está em vias de se despedir da elite com mais de 200 partidas dirigidas, 40 das quais com Benfica, FC Porto ou Sporting em campo. Os 'dragões' foram mais felizes com Marco Ferreira do que os dois rivais de Lisboa, cada um com quatro derrotas averbadas nessas circunstâncias contra nenhuma do 'grande' da Invicta (ver quadro).
No caso particular do Benfica, duas das três derrotas sofridas esta época no campeonato foram com o madeirense em jogo, frente ao Sp. Braga e ao Rio Ave (Bruno Paixão esteve na outra, em Paços de Ferreira). Num terceiro encontro que dirigiu dos 'encarnados' em 2014/15, com o Boavista, Marco Ferreira expulsou o técnico Jorge Jesus.
Em contrapartida, o clube da Luz ganhou três dos quatro clássicos que disputou com arbitragem do último classificado deste ano: 3-1 e 2-0 ao Sporting e 4-3 ao FC Porto no desempate por penáltis, na Taça da Liga, após um nulo no final do prolongamento. A única derrota foi perante os 'dragões' (1-0 na Taça de Portugal).
Denunciou observador
A classificação dos árbitros ainda aguarda por decisões sobre recursos apresentados por alguns oficiais do apito para ser ratificada. E no caso de Marco Ferreira há outro processo insólito ainda a correr, que em última instância poderá alterar a nota (negativa) que o observador lhe atribuiu no jogo V. Setúbal-FC Porto. José Rufino, o observador em causa, terá sido apanhado pelo árbitro a falar ao telefone para esclarecer dúvidas sobre um lance, o que viola os regulamentos. Marco Ferreira denunciou a situação e o prazo para a conclusão do processo obriga a que a que o desfecho seja conhecido nos próximos dias.