O oposto do silêncio

Podíamos falar só dos concertos. Gisela João, JP Simões, Samuel Úria, B Fachada, Tó Trips, Manel Cruz, Couple Coffee, Medeiros/Lucas, Éme e Cante Alentejano do Grupo Coral da Damaia, só para citar alguns. Podíamos, também, mencionar só as conversas e debates que vão reunir nomes ilustres como os escritores José Eduardo Agualusa e Afonso Cruz,…

 Colocar o festival na rua e unir um bairro em torno dele é um dos grandes objectivos da edição deste ano e, daí, o extenso calendário de eventos, apresentados na sua maioria no espaço público, tanto por profissionais como por amadores. “Queremos vincar a vertente popular do festival, aproximando as pessoas das artes e promovendo a participação activa de quem normalmente só é espectador”, explica ao SOL Gonçalo Riscado, director do festival. 

Um dos eventos que vai levar à letra este conceito é o Recital Popular, um coro com cerca de 20 pessoas orientado por Margarida Mestre, performer com vasta experiência no que diz respeito a trabalho com a comunidade. Inicialmente previsto ser composto apenas por quem habita ou trabalha no Cais do Sodré, a proposta foi depois alargada a outras freguesias devido à pouca participação local. Nada, porém, que preocupe a organização. “Estas coisas demoram o seu tempo a enraizar-se. Envolver o bairro todo, fazer com que os vizinhos se voltem a conhecer, são objectivos a médio prazo”, comenta Riscado, salientando que apesar desta não ser a primeira edição do Silêncio (nasceu em 2009, mas já não se realizava há dois anos), fazer da rua o palco do festival é uma novidade. 

Entre os participantes do Recital Popular são poucos os que já tinham ouvido falar do evento. Sandra Oliveira, residente do Cais do Sodré desde há oito anos, é uma das excepções. Ficou fã do festival, diz, acentuando a dicção para reforçar a devoção, quando viu Sérgio Godinho e o actor Miguel Borges juntos em palco, no cinema São Jorge, a apresentar um espectáculo inédito inspirado na obra de Al Berto. “Adoro poesia e quando está associada a música melhor ainda. Aquele espectáculo foi fantástico”, recorda. 

Foi, por isso, sem hesitações que a professora de Educação Física resolveu participar na edição deste ano do Silêncio, depois de ter visto um cartaz convocando os residentes do bairro afixado na sua rua. “Achei interessante a comunidade poder participar. Pensava que vinha declamar e afinal estou para aqui a cantar, mas como sou professora, agrada-me esta coisa dos ensaios, de preparar um trabalho para alguém ver”. 

Cruzar gerações

Para as duas apresentações do Recital Popular (amanhã e domingo, sempre às 19h, na Fundação Portuguesa das Comunicações), Margarida Mestre seleccionou textos de Mário Cesariny, Abel Neves, Al Berto, Ana Hatherly e Ary dos Santos, construindo um espectáculo de coro de vozes que evoca a vida das metrópoles e as suas multiplicidades culturais, étnicas e geracionais. Nada como saber as idades dos participantes mais velho e mais novo deste Recital Popular para compreender melhor o que se propõe aqui: os 75 anos de Francisco Louro contrastam com os 7 do mais novo do grupo, também ele chamado Francisco. 

Uma representação clara, diz Riscado, de um dos objectivos do evento: “Criar um real cruzamento de públicos, desde jovens a adultos, desde pessoas eruditas a outras menos informadas”. Até porque, salienta o director, no Silêncio o hip hop tem tanta importância como a declamação de um livro ou uma sessão de poetry slam. 

“A palavra como unidade de criação e veículo do pensamento” é, então, o pressuposto maior do festival, que não quer validar a sua existência pelo número de espectadores presentes no concerto, por exemplo, da fadista Gisela João (no domingo, às 22h, na Praça de São Paulo). A organização – que contou com o apoio da Direcção-Geral das Artes, no valor de 41 mil euros, e da Câmara Municipal de Lisboa, na ordem dos 30 mil euros -, quer antes medir a aceitação do evento como um todo ou pela adesão a projectos pensados especificamente para a comunidade, como este Recital Popular ou o desafio de se colocarem placares com palavras nas janelas dos prédios que se encontram dentro das fronteiras do festival, que vai da Rua do Arsenal à Calçada Marquês de Abrantes. 

Obrigatório programar

Por ser bastante extensa, Gonçalo Riscado aconselha os espectadores a visitarem o site www.festivalsilencio.com. Quem não está para isso, pode ir 'às escuras' porque vai encontrar “um bairro onde está tudo a acontecer”. 

Programar é mesmo o verbo obrigatório em Lisboa por estes dias. Além do Festival Silêncio, o Voz e Guitarra – que reúne quase 30 artistas nacionais à volta de canções que os marcaram – ganha vida em palco, hoje e amanhã, no Terreiro do Paço; e no Largo de São Carlos inicia-se o Festival ao Largo, com a apresentação do espectáculo, hoje e amanhã, Broadway e Novo Mundo, com direcção musical da maestrina Joana Carneiro e interpretação da solista Sofia Escobar, da Orquestra Sinfónica Portuguesa e do Coro do Teatro Nacional de São Carlos. 

Quanto ao Voz e Guitarra – que começou por ser uma compilação dupla de canções, com álbuns editados em 1998 e em 2013 – é o espectáculo que encerra as Festas de Lisboa e junta três gerações de intérpretes portugueses, acompanhados ao vivo pelas ilustrações de António Jorge Gonçalves. Cada músico – onde se contam nomes como os de Mafalda Veiga, Sérgio Godinho, Luísa Sobral, Vitorino, Samuel Úria, Jorge Palma, Luís Varatojo, Márcia, Luís Represas, Ana Bacalhau ou Sara Tavares – interpretará um tema próprio e uma versão. Inédito será, ainda, o encontro em palco entre Gisela João e o guitarrista Norberto Lobo, para interpretar 'Que Amor Não Me Engana', de José Afonso, hoje, a partir das 22h.

Já Broadway e Novo Mundo, sempre às 21h30, revisita composições de, entre outros, Aaron Copland (Fanfare for the Common Man), Leonard Bernstein (West Side Story – Amor Sem Barreiras), Ennio Morricone (Era Uma Vez na América), Frederick Loewe (My Fair Lady) ou Antonín Dvorák (Sinfonia n.º 9 em Mi menor Do Novo Mundo). O espectáculo inaugura assim a 7.ª edição do Festival ao Largo, que se prolonga até dia 25, encerrando com uma homenagem da Companhia Nacional de Bailado ao extinto Ballet Gulbenkian. 

alexandra.ho@sol.pt