A Europa a ver-se grega com os…gregos!

1 – Realizou-se ontem o tão esperado e propalado referendo sobre a aceitação ou não por parte do Governo grego do plano de medidas de contenção orçamental, proposto pelos credores. Ao contrário do que as sondagens indicaram durante toda a semana, o “não” venceu rotundamente: praticamente dois terços do eleitorado alinhou na posição do seu…

2 – Julgamos, pois, que esta qualificação da Senhora Merkel – muito pouco abonatória – atribuída por cidadão sénior de Atenas é uma das justificações da derrota estrondosa do “sim”. Mais do que apoiar Tsipras, os gregos quiseram castigar a prepotência e a arrogância dos líderes políticos europeus – com destaque para Angela Merkel e o seu caricato, e muitas vezes desastroso, Ministra das Finanças. Em vez de os líderes europeus aproveitarem um facto negativo (a realização do referendo e suas eventuais consequências) para o converterem em facto positivo (ensejo para explicitação aos gregos – e aos europeus em geral – das vantagens e dos méritos do rumo político seguido de disciplina orçamental como via ou pressuposto para o crescimento económico, com apresentação do que se seguiria caso os gregos responsavelmente votassem “sim”), optaram pelo medo como meio de persuasão: os gregos deveriam votar “sim” porque, imagine-se, caso contrário, os bancos iriam falir, o Estado entrava em bancarrota, a pobreza aumentaria ainda mais.

3 – Ou seja: os europeus e os apoiantes do “sim” ofereceram apenas aos gregos o mau em vez do péssimo. Deveriam saber que ninguém vota, ninguém escolhe o mau, mesmo com um cenário de péssimo potencial: as pessoas votam num projecto que as faça acreditar num futuro melhor. O caminho para o futuro melhor pode ser espinhosos, difícil, turbulento – mas a meta valerá a pena o caminho percorrido. Tsipras, entre a espada e a parede, conseguiu adoptar um discurso escorreito, muito bem pensado, mediaticamente muito eficaz – ofereceu um caminho menos espinhoso e que, ao mesmo tempo, projecta um futuro mais risonho. Bastou isto para Tsipras golear Merkel e seus correligionários europeus.

4 – Note-se que os discursos dos dirigentes políticos europeus – sobretudo alemães – foram no sentido de colar a Tsipras o rótulo de “populista”, metendo-o no mesmo saco de Beppe Grillo, alguns líderes sul-americanos, Le Pen ou, numa escala mais pequena, o nosso Marinho e Pinto. Mas Tsipras não é um populista tradicional: o Primeiro-Ministro grego é um populista disfarçado de estadista responsável e racional. O que torna a sua mensagem ainda mais eficaz. Neste momento, na Grécia, o quadro político-partidário resume-se ao Syriza (populista de extrema-esquerda) e à Aurora Dourada (populista de extrema-direita). Isto é, Tsipras é hoje o antídoto para evitar a progressão eleitoral do partido neo-nazi grego – para os Estados europeus já não é conveniente tentar afastar Tsipras do poder ou forçar a realização de eleições antecipadas na Grécia. A alternativa moderada a Tsipras é…Tsipras. A Nova Democracia e o Pasok (ou o seu clone) terão de percorrer um longo caminho de reconstrução – o tal caminho das pedras.

5 – Posto isto, o que vai acontecer? Se a lógica e o bom senso imperarem – e nós achamos que irão imperar – , a Alemanha (personificação, ou estadualização, da Europa nos tempos que correm) irá flexibilizar a sua posição nalguns pontos –e Tsipras irá aceitar a aplicação de algumas medidas propostas pelos credores. No fim, quer Merkel, quer Tsipras irão clamar vitória negocial.

6 – A realidade impor-se-á às ideologias e aos cálculos políticos. Tsipras não quer ficar na História como o responsável pelo colapso do Estado grego; Merkel não quer ficar na História como a responsável pela derrocada do projecto monetário (e político?) europeu. Já há sinais, tanto quanto possível, animadores: Varoufakis demitiu-se do Governo grego, Merkel vai jantar hoje com Hollande para discutir as consequências do resultado do referendo grego. Assim vai a nossa tão querida “União” Europeia.

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